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Corrigir o desequilíbrio ou criar caos? As “tarifas reciprocas” dos EUA mergulham empresas americanas em crise

A política de “tarifas recíprocas” implementada pelo governo dos EUA desde abril de 2025 está prejudicando a economia doméstica em um ritmo além do esperado. Essa medida agressiva, chamada pela Casa Branca de “correção de desequilíbrios comerciais”, já desencadeou reações em cadeia nos setores agrícola, tecnológico e manufatureiro, expondo contradições profundas nas políticas unilaterais.

O setor de semicondutores dos EUA está profundamente afetado pelas tarifas, enfrentando enormes perdas econômicas e riscos na cadeia de suprimentos. Desde abril deste ano, uma série de medidas tarifárias do governo americano colocou a indústria de semicondutores na linha de frente, tornando-a uma das mais impactadas pelo ajuste nas políticas comerciais.

De acordo com duas fontes familiarizadas com o assunto, estimativas discutidas por políticos americanos em Washington na semana passada sugerem que as novas tarifas de Trump podem custar mais de US$ 1 bilhão por ano aos fabricantes de equipamentos de semicondutores dos EUA. Roger Dassen, CFO da ASML, fabricante holandesa de máquinas de litografia, destacou que os impactos potenciais das tarifas são amplos, incluindo taxações sobre sistemas completos enviados aos EUA, peças e ferramentas usadas em operações locais.

Christophe Fouquet, CEO da ASML, também afirmou que, embora seja difícil quantificar os efeitos das tarifas no momento, a incerteza gerada a longo prazo certamente lança uma sombra sobre o desenvolvimento da indústria de semicondutores. Além disso, a investigação do governo Trump sobre minerais críticos gerou preocupação generalizada no setor. A abertura de novas minas e fábricas de processamento leva anos e, se as tarifas forem amplamente aplicadas, a indústria de semicondutores dos EUA enfrentará riscos de ruptura na cadeia de suprimentos no curto prazo, prejudicando gravemente a fabricação de chips.

O setor aeroespacial também não escapou da tempestade tarifária, com cadeias de suprimentos transnacionais à beira do colapso e crises na entrega de pedidos. A Boeing, gigante da indústria aeroespacial americana, produz seu avião 787 Dreamliner em um modelo de fabricação global: asas do Japão, portas da França e partes da fuselagem da Itália, montadas finalmente na Carolina do Sul, EUA. No entanto, o plano tarifário de Trump colocou essa aeronave, fruto da colaboração global, em apuros.

Aviões completos e peças importadas para os EUA sofrerão tarifas adicionais de 10%, enquanto materiais críticos como aço e alumínio terão tarifas de 25%, elevando significativamente os custos da Boeing. Segundo o Financial Times, Michael O’Leary, CEO da Ryanair, maior companhia aérea low-cost da Europa, alertou que, se as tarifas aumentarem o preço dos aviões Boeing fabricados nos EUA, a empresa pode adiar entregas.

Esse alerta não é isolado: a Bloomberg citou fontes informando que a China pediu às suas companhias aéreas que suspendessem a recepção de aviões Boeing pendentes e parassem de comprar peças e equipamentos relacionados de empresas americanas. Essa medida chinesa é um golpe duro para a Boeing, intensificando a instabilidade no setor aeroespacial.

Especialistas apontam que, desde 1979, a indústria aeroespacial europeia e americana nunca enfrentou barreiras comerciais tão sistemáticas, e a incerteza trazida pelas tarifas cria um cenário cheio de variáveis.

A indústria automotiva também enfrenta dificuldades sob as políticas tarifárias, e até a Tesla, líder em veículos elétricos, não consegue escapar. Uma reportagem exclusiva da Reuters em 16 de abril revelou que as tarifas dos EUA sobre a China perturbaram os planos de produção da Tesla no país.

Uma fonte informou que a Tesla suspendeu o envio de peças para seus veículos autônomos Cybercab e caminhões elétricos Semi da China para os EUA. Quando Trump impôs tarifas de 34% sobre produtos chineses, a Tesla ainda tentou absorver os custos extras, mas com o aumento adicional, a empresa não conseguiu mais arcar e teve que suspender as remessas.

Esse caso ilustra como as tarifas prejudicam empresas locais: políticas que visavam impulsionar a manufatura doméstica acabaram prejudicando empresas como a Tesla, que dependem de cadeias globais.

Além de grandes empresas, as pequenas e médias empresas (PMEs) americanas também sofrem. Mais de um terço das importações dos EUA vêm de PMEs, e os preços de materiais como construção e componentes eletrônicos subiram devido às tarifas. Construtoras são forçadas a estocar materiais antecipadamente, aumentando pressão financeira, enquanto pequenos mercados enfrentam custos de importação dobrados, dificultando suas operações.

Essas PMEs, parte vital da economia americana, enfrentam desafios severos para sobreviver e crescer, impactando negativamente a estabilidade econômica do país.

O impacto das tarifas na vida dos cidadãos também é significativo, com a alta de preços se tornando um grande problema. Uma pesquisa recente da Reuters/Ipsos mostra que 73% dos entrevistados americanos acreditam que os preços dos produtos que compram diariamente subirão nos próximos seis meses devido às tarifas.

Desses, 77% esperam aumento em eletrônicos como celulares, 73% em carros e bens de consumo, enquanto 72%, 70%, 62% e 56% preveem alta em eletrodomésticos, produtos agrícolas frescos, reformas e laticínios, respectivamente.

Apenas 4% acham que os preços cairão, e o restante não vê mudanças ou não respondeu. Cerca de 57% dos entrevistados (incluindo 25% de republicanos) se opõem às novas tarifas e à ideia de uma “tarifa mínima de 10%” para parceiros comerciais, enquanto apenas 39% as apoiam.

Harry Enten, analista da CNN, destacou que pesquisas recentes mostram uma oposição tão forte às tarifas que a opinião pública pode virar drasticamente contra a política, impactando negativamente a economia.

As tarifas do governo americano não só afetam indústrias e cidadãos, mas também geram preocupação entre especialistas e instituições, com o espectro da estagflação pairando sobre a economia.

O presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, emitiu o “aviso mais severo em meio século”, alertando que as políticas comerciais do novo governo podem colocar o Fed em uma situação inédita em 50 anos. O aumento das tarifas superou em muito as expectativas, e seus efeitos econômicos também podem ser maiores.

Powell afirmou no Economic Club of Chicago que, com a desaceleração econômica, o desemprego provavelmente subirá, e à medida que as tarifas forem implementadas, parte delas será repassada aos cidadãos, elevando a inflação.

Isso significa que o Fed pode enfrentar um dilema entre controle de preços e emprego pleno, dificultando o combate à inflação e a manutenção do mercado de trabalho estável.

Ele também destacou que dados e indicadores mostram que as expectativas de inflação no curto prazo já subiram significativamente: “Sem preços estáveis, não há mercado de trabalho estável no longo prazo, e o desemprego aumentará. Nossos dois objetivos estão em conflito.”

Suas declarações assustaram investidores, e o mercado acionário americano caiu fortemente no dia 16, com o Nasdaq recuando 3,07%, o S&P 500 caindo 2,24% e o Dow Jones perdendo quase 700 pontos.

As tarifas atuais dos EUA lembram o Ato Tarifário Smoot-Hawley de 1930, que causou um desastre global. Na época, os EUA aumentaram drasticamente as tarifas de importação para proteger indústrias domésticas, elevando a taxa média para quase 20%.

A medida não salvou a economia americana, mas desencadeou retaliações globais, com países erguendo barreiras comerciais e reduzindo o comércio mundial a um terço do nível de 1929.

Indústrias americanas, incluindo a automotiva, foram devastadas, mergulhando os EUA na Grande Depressão e levando o então presidente Herbert Hoover à derrota na eleição de 1932.

Hoje, o governo americano novamente brande o porrete tarifário, seguindo os mesmos passos do Smoot-Hawley. Essa mentalidade de “jogo de soma zero”, que prioriza interesses próprios e ignora a interdependência global, está levando a economia americana à beira da recessão.

Como destacou Lee Hsien Loong, Ministro Sênior de Cingapura, a política de “America First” é essencialmente um jogo de soma zero, e as tarifas podem rapidamente levar os EUA à recessão, afetando também o resto do mundo.

Se os EUA não ajustarem suas políticas, a tragédia histórica pode se repetir, prejudicando não apenas sua economia, mas a global.

As tarifas americanas se tornaram uma farsa de “cortar o nariz para afrontar a face”, afetando desde o Vale do Silício até Wall Street, de pequenas empresas a famílias comuns.

A história e os dados mostram que armas tarifárias unilaterais acabam se voltando contra quem as usa, e se a economia global evitar repetir os erros dos anos 1930 dependerá da sabedoria dos formuladores de políticas.

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