Marcelo mora embaixo de um viaduto. Sua filha de 7 anos vive com ele.
Todo dia, Marcelo acorda e vai atrás de alimento para si e para sua filha.
Às vezes, Marcelo consegue algum pacote de balas para vender nos sinais ou em pontos movimentados. Mas às vezes seguranças encrencam com a presença de Marcelo e ele não consegue fazer suas vendas.
Às vezes, Marcelo pede esmola. Alguns dão, mas muitos manifestam repulsa ou o ignoram. Parece que um morador de rua não merece sequer ser notado. Talvez porque esteja sujo, talvez porque pareça perigoso.
É como se Marcelo fosse invisível. “A gente é totalmente excluído da sociedade”, ele diz.
Um dia, Marcelo pedia esmola na frente de um bar. O dono do bar, quando o viu incomodando seus clientes, partiu para a agressão.
Às vezes é melhor nem ser visto, mesmo.
Marcelo tem uma filha de 19 anos que vive em Pernambuco. Ele veio para São Paulo com a mãe dela, sua esposa, mas esta morreu um ano e pouco depois. Marcelo fica angustiado porque não pode dar notícias nem visitar sua filha. A culpa pesa sobre seus ombros.
Mas Marcelo não pode se abater. Ele tem uma filha para sustentar.
Um dia, Marcelo ganhou de uma boa alma uma caixa de chocolates. Vendeu a caixa inteira e conseguiu 150 reais. Com o dinheiro, dormiu duas noites em um hotel com a filha. Vê-la sentada em uma cama de verdade, assistindo desenho animado pela manhã, encheu seu peito de alegria.
Mas a alegria foi breve. Em seguida eles voltaram para a rua. Para a desgraça que é morar na rua.
A menina está estudando. A assistente social arrumou um colégio para ela. Uma outra boa alma ajuda Marcelo e a sua filha de vez em quando, cozinhando para eles e abrigando a menina.
Marcelo não pode esmorecer. Se ele deixar faltar o básico para sua filha, a assistente social vai lhe tirar a criança.
Marcelo tem procurado trabalho. Ele fez uma entrevista de emprego esses dias. Sua ficha estava sendo preenchida por um cara que dizia que já estava tudo certo. O emprego era dele. Mas aí chegou a parte do endereço. Marcelo não mentiu. Disse que é morador de rua, mas está disposto a fazer de tudo, de se esforçar ao máximo, de ajudar como puder. Mas sem endereço fixo não rola. Marcelo perdeu a vaga.
Mas Marcelo não pode fraquejar. Ele não pode deixar sua filha desamparada.
Marcelo acredita que Deus está sempre com ele, lhe mostrando o caminho. Mas ele sabe que isso não basta. Marcelo sabe que tem que ir à luta.
Enquanto não percebermos que o próximo é um reflexo nosso e que o tratamento que damos a ele estamos, no fundo, dando a nós mesmos, estaremos condenados a viver sob os desígnios sinistros do egoísmo e do medo.
Enquanto a luta do Marcelo não for a luta de todo mundo, não teremos ainda atingido a condição humana.
***
Não faça com os outros o que você não quer
Que seja feito com você
Você finge não ver e isso dá câncer
(Legião Urbana)
Marcio
10/08/2019 - 17h51
Levou para sua casa para ele ter um endereço e conseguir o trabalho ?
João Carlos
10/08/2019 - 14h14
“Direito subjetivo, sujeito de direito passam a surgir nos séculos 17, 18 para então explodirem no século 19. Está é a métrica do direito contemporâneo.
Nós medimos o mundo por indivíduo. E nós temos por pressuposto que os indivíduos sejam todos iguais naquele estoque de direito subjetivo que tenham. Então, todos são iguais perante a lei, todos têm autonomia da vontade, todos podem celebrar contratos livremente. Este é o mundo, esta é a lógica daquilo que vem a ser o direito contemporâneo. Liberdade de negócio, igualdade perante a lei, portanto a isonomia como princípio deste direito subjetivo… A nossa métrica desde o século 19 é o indivíduo, a nossa métrica não é o grupo, não é o movimento social, não é o interesse de uma coletividade. Nossa métrica são indivíduos dessa mesma coletividade.”
ALYSSON LEANDRO MASCARO
https://youtu.be/-xjJoppX2qg?t=993
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Na sociedade contemporânea, entendemos que todos são livres, que não existe trabalho escravo.
Parece, no entanto, que quando um indivíduo é OBRIGADO A TRABALHAR (celebrar contratos de negócios) pra obter um mínimo de dignidade estamos lidando com outro tipo de escravidão.
Verdadeira liberdade implicaria no Estado bancar a dignidade em sua plenitude: alimentação, moradia e saúde.
O trabalho de consumo deveria ser livre. Participa dele quem quer. Celebrar contratos livremente deveria ser uma opção.
Alan C
10/08/2019 - 07h43
Essa porção da população é invisível pra direitosca.
Paulo
09/08/2019 - 21h43
Pedro, compadeço-me da situação do Marcelo – mesmo que sua história seja mera parábola -, mas, você acha que a mendicância deve ser acolhida, quando pede dinheiro, que mal lhe pergunte?
Pedro Breier
11/08/2019 - 16h47
Com certeza Paulo, se alguém está na rua pedindo dinheiro e podemos ajudar, acredito que fazê-lo é uma atitude ética e que reflete o amor ao próximo.
Paulo
11/08/2019 - 22h29
Ok, acredito na sinceridade de propósitos, da sua parte – ainda que por razões distintas das minhas. Mas, da minha parte, confesso que, apesar de católico praticante, me sinto de mãos amarradas, nessa questão. É que não consigo discernir entre o oportunista, que vive da mendicância (pra mim, 8 de 10, no mínimo), e o sujeito circunstancialmente posto nessa situação…
Pedro Breier
12/08/2019 - 13h56
Então Paulo, mas eu acho que não importa. Antes ajudar 99 “oportunistas” e 1 que realmente precisa do que não ajudar ninguém, especialmente sob uma ótica cristã. Além disso, esse conceito de “oportunista” é complicado. Quantos desses oportunistas morariam na rua se pudessem ter um emprego e um lar dignos? É claro que as pessoas têm responsabilidades por suas escolhas, mas o sistema econômico sob o qual vivemos é bruto e excludente. Diante desse fato, não acho que definir que 80% dos que pedem dinheiro nas ruas são oportunistas seja uma análise correta.
Paulo
12/08/2019 - 17h26
A maioria dos que pedem é para drogas ou bebida, tenho convicção disso. Eu dou lanche, refeição, etc. Dinheiro, jamais! Mas fico feliz que você consiga fazer a abstração…