Victor Lages, pela Fênix Filmes
Os cabelos encaracolados escondiam a profundidade do seu ser. Seus olhos pequenos, tirados cedo demais desse mundo, pouco brilharam ao se reconhecerem na tela de cinema até se apagarem, em 19 de junho de 2016. Tinha apenas 27 anos, idade que o escritor desse texto tem agora e, escutando Belchior, também teme ser arrastado moço sem ter visto a vida, como foi com Anton Yelchin.
O que aconteceu com esse jovem ator de Hollywood ainda hoje assombra o mundo dos filmes. De forma aleatória e estúpida, ele estava em casa quando seu carro, um Grand Cherokee, não estava com o câmbio todo puxado e deslizou para trás, prendendo-o contra uma parede de tijolos e a cerca. E assim, simples, Anton faleceu.
Nasceu em Leningrad, na Rússia, mas se mudou aos seis meses de idade para a Califórnia. Filho de patinadores profissionais, seus pais amavam filmes, como disse numa entrevista à Independent: “Eles construíram um pano de fundo maravilhoso para mim. Acreditavam que, se eu queria estar no cinema, deveria desde cedo assistir à Kubrick, Scorsese, Peckinpah, Fellini e Antonioni”. Acabou desenvolvendo um senso erudito para a arte e falava de forma apaixonada sobre a Nova Onda Romena.
Na última semana, ele completaria 30 anos, mas conseguiu, em mais da metade da sua vida, ser um ator promissor em 68 títulos em que estrelou. Ainda menino, atuou com Robert De Niro e Morgan Freeman, mas fez seu nome aos 12, sendo coprotagonista com Anthony Hopkins em LEMBRANÇAS DE UM VERÃO. Mas ele queria mais.
Seguiu para o drama criminal ALPHA DOG, participou de LEI & ORDEM e conseguiu, em 2007, seu primeiro papel principal, um “psicólogo” juvenil para seus colegas de escola, em CHARLIE: UM GRANDE GAROTO. Foi aumentando seu estrelato que Anton conseguiu explorar a própria maturidade emocional e foi se tornando mais ambicioso no que escolhia trabalhar.
Para a Rolling Stone, falou certa vez, que “é realmente difícil para mim julgar os filmes pela perspectiva de um amante de cinema quando eu estou neles, porque eu tenho a habilidade de entender a filosofia da obra e o que estou tentando realizar, mas é uma habilidade que se perde estando presente no set. Eu só a encontro quando estou explorando o personagem”.
2009, com apenas 20 anos, idade de transição na vida de muitas pessoas, veio a divisão dos dramas independentes para o Anton de produções grandiosas. Star Trek (ou JORNADA NAS ESTRELAS), antiga série de tevê dos anos 60, foi refeita em forma de filmes e ele foi convidado para interpretar um tripulante russo. O filme atingiu sucesso, fez 385 milhões de dólares em bilheteria e foi indicado a 4 Oscars.
Depois vieram O EXTERMINADOR DO FUTURO: A SALVAÇÃO, A HORA DO ESPANTO e os outros dois filmes que compõem a trilogia do STAR TREK e ele sempre lá, se realizando no cinema como aquela criança que assistia aos clássicos.
Quis se aventurar no drama e foi bem-sucedido. Fez o memorável UM NOVO DESPERTAR, com Mel Gibson, e FORÇA PARA VIVER. Em ambos assumia uma figura de filho, de pupilo, de uma pessoa que ajudava os protagonistas a superarem traumas e saírem do fundo do poço. E ele conseguia acessar esses sentimentos a partir, exatamente, de suas origens russas.
Da literatura, trazia Dostoievsky. “As coisas que li em CRIME E CASTIGO… Não sei se é porque sou russo ou porque simplesmente é Dostoievsky, mas eu sou absolutamente orgulhoso da minha herança cultural. É uma superabundância de emoções”. Do cinema, carregava Tarkovsky. “Não importa o quão intelectuais seus filmes sejam, no seu núcleo, eles são incrivelmente sensíveis. A emoção está envolta na magia e no mistério de sua produção cinematográfica, mas quando eu os assisto, fico tão comovido com eles, pois vejo o quanto ele era apaixonado pelo nosso ser e pela nossa presença nesse mundo”, disse ao The Guardian.
Mesmo com essa sensibilidade aguçada de um excelente jogador de xadrez, tocava piano e guitarra na sua banda punk Hammerheads e trouxe essa energia hardcore para o terror cult SALA VERDE. Atuou como um vampiro no filme de Jim Jarmusch, AMANTES ETERNOS, e possuiu dons sobrenaturais em O ESTRANHO THOMAS. Sua versatilidade era expansiva e subvertia gêneros, acionando também sua veia romântica.
Virou rápido um queridinho de sua geração pelo LOUCAMENTE APAIXONADOS. Machucou corações pela sua dramaticidade em ENCONTRO MARCADO. Em breve, fará as pessoas se apaixonarem pelo seu carisma em PORTO: UMA HISTÓRIA DE AMOR, em que ele, um americano, se apaixona por uma francesa nessa belíssima província de Portugal. E é desse filme, que logo logo chegará às salas de cinema do Brasil, que vem a última dorzinha de saudade desse texto.
No vídeo abaixo, deixamos a despedida que não é bem despedida. Em 2015, Anton foi para a cidade do Porto gravar um dos seus últimos filmes e lá se apaixonou perdidamente pela comida Francesinha. Disse que, em alguns anos, iria levar o prato típico português aos Estados Unidos e financiar seus próprios filmes com o sucesso que a Francesinha faria. Infelizmente, o sonho foi interrompido por uma tragédia inesperada, mas o bom do cinema é nunca esquecer quem o marcou. Cinema é memória, o que faz de Anton um moço inesquecível.
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