Por Ricardo Cappelli
Bolsonaro governa apoiado em militares positivistas e liberais. Estas mesmas forças se uniram para derrubar Getúlio, tentaram derrubar JK e estavam juntas no Golpe de 64. Esta aliança “vem de longe”, diria o saudoso Brizola.
Existem contradições, mas são superadas pelo objetivo de derrotar o adversário comum.
As forças armadas são instituições de Estado, sem ele, perdem o sentido da existência. Para os liberais, o Estado é um empecilho a ser retirado do caminho. Na visão deles, invadir a Venezuela como preposto dos EUA pode ser lucrativo. Nação e relações entre países seriam entulhos anacrônicos. Os militares não pensam assim.
Existem contradições internas também. Bastou Bolsonaro anunciar a redução das tarifas de importação do leite para que “liberais do agronegócio” se levantassem contra o livre mercado. A roupa de liberal ou nacionalista é trocada ao sabor dos interesses.
Os recentes editoriais do Estadão, a posição da Folha de SP e o morde-assopra-negocia da Globo são expressões destas tensões. Além de não aceitarem o desprezo do Capitão pelas mídias tradicionais, os barões têm vergonha do Jair. Como palestrar em Paris defendendo um rascunho tropical de Trump?
A reforma da previdência sinalizará os próximos passos. Os liberais – que parecem ter perdido a paciência com o presidente -, somam com ele nesta agenda. A aprovação pode dar fôlego ao Planalto, principalmente se ele for capaz de colocar outra “cenoura” para os liberais.
Mas pode também significar que a entrega principal foi realizada e que daqui por diante é cada um por si. Se a reforma for derrotada, as trapalhadas do governo serão responsabilizadas. O risco do presidente ser abandonado passa a ser enorme.
A classe média é outra “transformista” neste jogo de contradições. Quando ficar claro que os bons empregos industriais desaparecerão de vez, o desespero vai bater. Isso sem falar nos funcionários públicos que serão demitidos sumariamente nos pacotes de “desinvestimento”.
Antigos apoiadores contrariados com os rumos do bolsonarismo dificilmente vestirão o vermelho. Seria humilhação demais. Mas podem procurar um novo projeto nacional de desenvolvimento como saída honrosa.
Com o cenário mais provável indicando um governo Bolsonaro “arrastado”, os liberais devem tentar uma saída pura em 2022. Querido da elite, Doria dirige um PIB maior que o da Argentina e ganhou as duas eleições que disputou. É bom não subestimá-lo.
No campo oposto, a esquerda continua desorientada e dividida, com um ou outro raro momento de lucidez. A “lacração” caricata nas bolhas continua sendo a tônica. A incompreensão da questão nacional alimenta o isolamento.
Os trabalhistas apontam o dedo para o hegemonismo petista mas fazem algo parecido. Ciro erra ao cristalizar sua candidatura e eleger o PT como inimigo. A unidade é essencial. Ninguém irá longe sem ela. O que pode unir é um programa amplo em torno do país e não a simples substituição do personagem a ser cultuado.
O PT, maior e mais importante partido, parece congelado na agenda do Golpe e do Lula Livre. Defender Lula é dever cotidiano de todo democrata. A melhor forma de tirá-lo do cárcere, revertendo a correlação de forças, é a questão.
A viabilidade de qualquer projeto do campo popular e democrático está ligada à capacidade de unir e ampliar, atraindo de volta setores sociais que romperam com o lulismo. O discurso sectário do “nós contra eles” faz a demarcação desejada pelo inimigo.
O desmonte do Estado vai recolocar a questão nacional no centro do jogo e abrir muitas contradições na sociedade. Se a esquerda não pegar a bandeira verde e amarela e fizer dela a linha de uma grande costura, corre o risco de vê-la nas mãos de uma direita “moderna e repaginada”.
Ninguém acreditava na vitória de Bolsonaro. Uma virada espetacular à esquerda seria o caminho natural após o fracasso de Temer. No rumo que vamos, fiquem “tranquilos”, ainda pode piorar.
Macer Nery filho
28/02/2019 - 21h22
A esquerda não admite que a guerra fratricida facilitou o bolsonarismo e a divisão no congresso continua colaborando com a direita. Não sei onde isso vai dar.
Paulo
28/02/2019 - 22h43
Caro Macer Nery, não foi a “guerra fratricida” do “campo progressista” que possibilitou o bolsonarismo (pelo menos não de forma preponderante), foi a agenda cultural da esquerda! A eterna tentativa de fragmentar o tecido social e cultural brasileiro, de subjugar nossas melhores tradições, nossas crenças religiosas, a fim de fragilizá-lo e melhor propiciar a dominação política do povo…a maioria dos esquerdistas, nesse processo, embora não percebam – e por isso alimentam a narrativa -, são os inocentes úteis…
Paulo
28/02/2019 - 18h24
“Se a esquerda não pegar a bandeira verde e amarela e fizer dela a linha de uma grande costura, corre o risco de vê-la nas mãos de uma direita moderna e repaginada”. Se a bandeira fosse vermelha não seria mais fácil?
Garibaldi
28/02/2019 - 14h08
Os militares também estiveram na Revolução de 30 e no Estado Novo, claramente nacionalistas. Parece que hoje em dia há uma confusão ideológica muito grande. As forças armadas parecem mais ligadas ao nacionalismo norte americano, ao trumpismo.
Ainda acho que o cabo de guerra na esquerda vai fortalecer o lado democrático, os verdadeiros líderes vão aparecer, os falsos também. Espero que os falsos não ganhem, mas é questão para a História. Deviamos nos ter unido antes, durante a eleição, com a intenção de não deixá-los ganhar, mesmo que custe o protagonismo do partido político.
Mas não nos enganemos: eles irão querer inviabilizar qualquer alternativa. Se pensarmos somente nas próximas eleições, pode ser que só nos sobre a revolta.
Alexandre Neres
28/02/2019 - 13h49
Análise irretocável.
“Os trabalhistas apontam o dedo para o hegemonismo petista mas fazem algo parecido. Ciro erra ao cristalizar sua candidatura e eleger o PT como inimigo. A unidade é essencial. Ninguém irá longe sem ela. O que pode unir é um programa amplo em torno do país e não a simples substituição do personagem a ser cultuado.
O PT, maior e mais importante partido, parece congelado na agenda do Golpe e do Lula Livre. Defender Lula é dever cotidiano de todo democrata. A melhor forma de tirá-lo do cárcere, revertendo a correlação de forças, é a questão.”