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“ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A CANDIDATURA CIRO GOMES
Vi uma revolta generalizada do pessoal da esquerda com a escolha da Kátia Abreu como vice pelo Ciro. Acho a rejeição ao nome dela totalmente legítima por essa fração do eleitorado, por uma série de fatores, mas acredito ser necessário numa análise mais detalhada dessa escolha.
Eu venho acompanhando o Ciro há algum tempo, desde o vídeo da surra intelectual no Rodrigo Constantino, o famoso “Dá bilhão”. A assiduidade aumentou no período do impeachment da Dilma, quando ele se colocou frontalmente contra o golpe.
Pois bem, diferente do que se fala do Ciro, ele manteve uma coerência muito grande durante a vida sobre sua visão a respeito do Brasil e os caminhos para o desenvolvimento do país. Ele é um desenvolvimentista, e mesmo as suas várias trocas de partido foram no sentido de se manter fiel a essa diretriz.
O mote do seu discurso tem sido que o Brasil precisa de um novo projeto nacional de desenvolvimento, que una “quem trabalha e produz”. Dada a conjuntura política de prisão do ex-presidente Lula e o desgaste do PT e do PSDB, as possibilidades do Ciro sempre foram duas:
1 – Se consolidar como o candidato da centro-esquerda, apoiado por uma frente que unisse PDT, PSB, PCdoB, e se possível, o PT.
2 – Guardar distância segura da polarização PT-PSDB e do ex-presidente Lula, se apresentando como uma alternativa, uma “terceira via”. Como o próprio Ciro disse certa vez, ele seria “o Macron brasileiro”.
Ficou bem claro que durante toda pré-campanha ele oscilou entre essas duas possibilidades. Na primeira, ele teria para si o grosso do eleitorado de esquerda. Na segunda, uma parte do eleitorado desacreditado do PT, outra parte desacreditada com o PSDB, e mais uma parcela enorme de indecisos que poderiam ser conquistados.
Pensando na questão do vice, dois tipos de declarações foram feitas, atendendo as duas possibilidades acima: Ciro declarou que uma chapa com Haddad seria o “dream team”; em outro momento que Manuela seria uma ótima presidente, quanto mais uma vice. Ele também declarou mais de uma vez quando perguntado sobre o perfil para o seu vice que queria alguém do “setor produtivo”. Ele jogou o jogo o tempo todo.
Sem dúvidas o caminho um seria o mais seguro e curto para o segundo turno. Por mais que essa tenha sido a primeira opção, não ocorreu por conta das articulações do PT (não vou aqui me debruçar sobre essas articulações porque não é esse o foco da análise). De certa forma, estava no cálculo do Ciro que isso poderia acontecer, talvez a neutralidade do PSB tenha sido a única surpresa de fato.
Pois bem, cartas na mesa, sobrou apenas o caminho dois. Dado o isolamento do PDT só restou a solução caseira: Kátia Abreu. Figura do “setor produtivo”, que agrega votos no centro-oeste, e que foi contra o golpe e a reforma trabalhista, tal como Ciro. Querendo ou não, se descolar do PT transforma a sua candidatura em uma opção viável para uma classe média antipetista e cansada também do PSDB, mas que jamais votaria no tresloucado Bolsonaro.
Aí vem a questão que incomoda os eleitores da esquerda: mas e o agronegócio? Pois bem, o Ciro durante as entrevistas nunca se colocou contra o agronegócio, pelo contrário, o discurso sempre foi conciliador. Ele sempre colocou que a “velha esquerda” esteriotipava o agronegócio, que em sua maioria seria formado por gente trabalhadora que madruga para trabalhar e produzir. Quando perguntado sobre as disputas de terra, ele dizia que meia dúzia de pessoas que cometem crimes não poderiam condenar um setor inteiro, que essa minoria deveria pagar e que a lei deveria prevalecer. Na mesma linha, ele defendeu mais de uma vez que o MST e o agronegócio poderiam coexistir, pois no Brasil tem espaço para todo mundo. Enfim, um discurso conciliatório, na linha do diálogo pregado por ele em toda pré-campanha.
Mesmo dentro do novo projeto nacional de desenvolvimento traçado por ele, existe o que ele chama de “complexo industrial do agronegócio”, que seria o fomento a indústria de fertilizantes e tratores, por exemplo.
Enfim, tudo isso para dizer que embora a Kátia Abreu não seja a vice dos sonhos, não deveria ser motivo de espanto a sua escolha. Algo assim sempre esteve dentro das possibilidades dessa candidatura.
Além do mais, existe um fato concreto, que é trágico e revelador ao mesmo tempo: hoje o agronegócio é o setor da economia que fecha as contas do Brasil. Por isso ninguém vai bater de frente com esse setor, nem o Ciro, nem o Haddad, sequer o Lula o faria. Talvez o Boulos (talvez, porque não é fácil), mas essa é quase uma anticandidatura, sem qualquer chance real de vitória. Por isso é preciso ter bem claro que qualquer que seja o vitorioso nessa eleição, o agronegócio estará lá.
Por fim, acredito que no conjunto o programa apresentado pelo Ciro consegue demonstrar concretamente um caminho para tirar o Brasil do atoleiro, com propostas para a geração de empregos, a reindustrialização e a defesa do patrimônio nacional. Fora o programa mínimo defendido por ele (que está a esquerda do PT, inclusive) com a expropriação dos campos de petróleo vendidos as multinacionais pelo governo Temer; revogação da Reforma Trabalhista; cancelamento da venda da Embraer e da Eletrobrás; fim da concentração bancária e taxação de grandes fortunas.
Acho que é sempre possível debater os limites de um programa ou de uma candidatura, mas dada a conjuntura, com o ultraliberal e continuador das políticas do governo Temer, Alckmin, de um lado, e o fascista Bolsonaro de outro, me parece que uma vice indesejada como a Kátia Abreu torna-se problema menor.
Por fim, acredito que todo voto que vá contra esse segundo turno apocalíptico é legítimo, mas o programa que apresenta o caminho mais claro, concorde-se ou não com ele, continua sendo o de Ciro Gomes.”
Vinícius Juberte – Doutorando do programa de História Econômica da USP
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