Entrevista do jurista alemão Claus Roxin a Tribuna do Advogado, publicação mensal impressa e online da OAB/RJ
A teoria do domínio do fato foi citada recentemente no julgamento da Ação Penal 470. Poderia discorrer sobre seu histórico, fazendo uma breve apresentação?
A teoria do domínio do fato não foi criada por mim, mas fui eu quem a desenvolveu em todos os seus detalhes na década de 1960, em um livro com cerca de 700 páginas. Minha motivação foram os crimes cometidos à época do nacional-socialismo.
A jurisprudência alemã costumava condenar como partícipes os que haviam cometido delitos pelas próprias mãos – por exemplo, o disparo contra judeus -, enquanto sempre achei que, ao praticar um delito diretamente, o indivíduo deveria ser responsabilizado como autor. E quem ocupa uma posição dentro de um aparato organizado de poder e dá o comando para que se execute a ação criminosa também deve responder como autor, e não como mero partícipe, como rezava a doutrina da época.
Teoria foi aplicada com sucesso no processo contra a junta militar argentina do governo Rafael Videla, assim como na responsabilização de Alberto Fujimori por crimes cometidos durante seu governo
De início, a jurisprudência alemã ignorou a teoria, que, no entanto, foi cada vez mais aceita pela literatura jurídica. Ao longo do tempo, grandes êxitos foram obtidos, sobretudo na América do Sul, onde a teoria foi aplicada com sucesso no processo contra a junta militar argentina do governo Rafael Videla, considerando seus integrantes autores, assim como na responsabilização do ex-presidente peruano Alberto Fujimori por diversos crimes cometidos durante seu governo.
Posteriormente, o Bundesgerichtshof [equivalente alemão de nosso Superior Tribunal de Justiça, o STJ] também adotou a teoria para julgar os casos de crimes na Alemanha Oriental, especialmente as ordens para disparar contra aqueles que tentassem fugir para a Alemanha Ocidental atravessando a fronteira entre os dois países. A teoria também foi adotada pelo Tribunal Penal Internacional e consta em seu estatuto.
Seria possível utilizar a teoria do domínio do fato para fundamentar a condenação de um acusado, presumindo-se a sua participação no crime a partir do entendimento de que ele dominaria o fato típico por ocupar determinada posição hierárquica?
Não, de forma nenhuma. A pessoa que ocupa uma posição no topo de uma organização qualquer tem que ter dirigido esses fatos e comandado os acontecimentos, ter emitido uma ordem. Ocupar posição de destaque não fundamenta o domínio do fato. O ‘ter de saber’ não é suficiente para o dolo, que é o conhecimento real e não um conhecimento que meramente deveria existir. Essa construção de um suposto conhecimento vem do direito anglo-saxônico. Não a considero correta.
No caso de Fujimori, por exemplo, ele controlou os sequestros e homicídios que foram realizados. Ele deu as ordens. A Corte Suprema do Peru exigiu as provas desses fatos para condená-lo. No caso dos atiradores do muro, na Alemanha Oriental, os acusados foram os membros do Conselho Nacional de Segurança, já que foram eles que deram a ordem para que se atirasse em quem estivesse a ponto de cruzar a fronteira e fugir para a Alemanha Ocidental.
É possível a adoção da teoria dos aparelhos organizados de poder para fundamentar a condenação por crimes supostamente praticados por dirigentes governamentais em uma democracia?
Em princípio, não. A não ser que se trate de uma democracia de fachada, onde é possível imaginar alguém que domine os fatos específicos praticados dentro deste aparato de poder. Numa democracia real, a teoria não é aplicável à criminalidade de agentes do Estado. O critério com que trabalho é a dissociação do Direito (Rechtsgelöstheit). A característica de todos os aparatos organizados de poder é que estejam fora da ordem jurídica.
Em uma democracia, quando é dado o comando de que se pratique algo ilícito, as pessoas têm o conhecimento de que poderão responder por isso. Somente em um regime autoritário pode-se atuar com a certeza de que nada vai acontecer, com a garantia da ditadura.
Entrevista concedida à Tribuna do Advogado de novembro.
Carlos Antônio (@Carlosgrupon8)
19/11/2012 - 10h48
Roxin: “ocupar posição de destaque não fundamenta domínio de fato” – http://t.co/OiQA43lL
Érico Cordeiro (@ricocordeiro)
17/11/2012 - 19h06
Roxin: “ocupar posição de destaque não fundamenta domínio de fato” – http://t.co/nWLb0DlL
josaphat
17/11/2012 - 13h25
A questão, Miguel, não é se Dirceu sabia (acho Genoíno um genuíno inocente), mas a estratégia de punir-se uma prática sabidamente corriqueira em tantos anos de republicanismo.
É o oportunismo que uniu oposição e judiciário para que aquela pudesse colocar Lula e o PT na parede e este para alcançar notoriedade midiática.
Mas isso, afinal, é a cara do Brasil. Vide o caso do futebol, onde práticas delituosas que são cotidianamente aceitas podem ser de uma hora a outra punidas, desde que convenientes a determinados fins e interesses.
Em nosso país sem memória, onde leis existem e são burladas por todos a todo instante, o pragmatismo reina; e é onde nos fodemos.
O sofisma e a retórica de quem tem tempo e disponibilidade para arquitetar planos de escape e acusação sempre prevalecerão enquanto não valorizarmos as leis mais simples e as tivermos introjetadas em nossas práticas sociais mais elementares. E por todos.
E ah, onde está a ferramenta de postar imagem?
Miguel do Rosário
17/11/2012 - 13h27
Oi Josaphat, pois é.
Sobre a ferramenta, eu tirei pra ver se melhorava a performance do blog, que andava caindo muito. Muitos plugins deixam o blog pesado.
@chicorasia
17/11/2012 - 12h27
@rslonik sobre aspectos técnicos do julgamento da AP470: http://t.co/MaQpnclW
migueldorosario (@migueldorosario)
17/11/2012 - 12h16
Roxin: “ocupar posição de destaque não fundamenta domínio de fato” http://t.co/3Vtqxs0w