Publicado na Revista Cult:
“A primeira coisa a fazer: matar todos os advogados”
– Dick the Butcher, personagem de Shakespeare em Henrique 6º
Lula tinha três opções quando sua prisão foi decretada. Entregar-se, resistir, exilar-se. Sabe-se que seu entorno se dividiu entre elas. O núcleo jurídico defendia a primeira. O núcleo político uma das outras duas. A primeira, ao fim e ao cabo, era a opção pela institucionalidade, pela defesa meramente judicial.
As duas últimas escolhas significariam atos políticos de enfrentamento do golpe. Eram as corretas. Mais do que dizer golpe, era necessário agir como se age diante de um golpe, o que significa, antes de mais nada, não entregar seu corpo aos golpistas. Lula é mantido isolado e não pode haver dúvida razoável neste momento de que seus carcereiros estão empenhados em sua destruição psíquica e em mantê-lo preso pelo resto de seus dias.
A escolha, assim, foi jurídica. Havia a expectativa de julgamento, na semana seguinte, da Ação Direta de Constitucionalidade que poderia declarar que a prisão sem trânsito em julgado violava a presunção de inocência estabelecida pela Constituição. Isto teve forte peso na decisão de Lula de submeter-se passivamente ao decreto de prisão de Moro.
Apostar temerariamente no voto da melíflua, sibilina e sinuosa Rosa Weber era um erro. Imaginar que a presidenta do STF, comprometida com o golpe até o pescoço, permitisse fosse deliberada a ADC, outro erro. Ambos consequência da mãe de todos os erros: supor que um golpe se derrota com um recurso ao Judiciário.
Na lógica inexorável do golpe jamais aquele julgamento aconteceria naquele momento. O golpe havia, afinal, chegado à sua consumação triunfante: depois de derrubar a presidenta constitucional, encarcerar aquele que seria, segundo todos os prognósticos razoáveis, o próximo presidente da República.
Um golpe e um regime de novo tipo. Desde, digamos, Napoleão III até as ditaduras militares da América Latina entendemos golpe como uma ruptura rápida que elimina do cenário político os adversários e rompe com a estrutura jurídica e política anterior.
Os golpes de novo tipo fazem tudo diferente. São difusos. Não há um agente facilmente identificável que deflagra o processo. O Judiciário pode protagonizar o golpe, como em Honduras e no Brasil. São preservadas as instituições políticas e jurídicas típicas do Estado de Direito. Age-se no seio delas aparentando, insidiosamente, respeitar a legalidade que estão violando. A vigência e o texto da Constituição não se alteram, mas sua matéria é esvaziada por meio de interpretações anômalas, bizarras, e assim instaura-se um estado de anomia constitucional em que tudo é permitido porque desconsidera-se até mesmo o quadro lógico mínimo estabelecido pela linguagem normativa.
O objetivo do golpe, derrubar a presidenta, aniquilar um partido político e sua maior liderança política para que não voltasse ao poder, foi avançando passo a passo nessa anomia constitucional. Moro violou a proteção constitucional do sigilo das comunicações entregando a uma rede de televisão a conversa de dois presidentes da República, sob o olhar complacente e omisso do STF.
O impeachment, que em toda nossa tradição jurídica e constitucional exigia um crime de responsabilidade, foi transformado em uma espécie de voto de desconfiança que só existe no parlamentarismo, igualmente sob o olhar complacente e omisso do STF. A própria Corte, por fim, autorizou a prisão de Lula negando-lhe o habeas corpus mediante uma interpretação esdrúxula da presunção de inocência, mas de acordo com o “princípio da colegialidade” que, claro, como todo o mundo civilizado sabe, se sobrepõe ao princípio da liberdade.
Esse quadro mostra simplesmente a categoria ditadura, embora sob nova forma. Concentração do poder e ausência de limites constitucionais.
Contribuições teóricas recentes e oportunas, ainda que sob nomenclaturas diferentes ou com nuances de abordagem, identificam esse fenômeno em que a aparência de Estado de Direito é preservada para encobrir e legitimar a concentração de poder e a ineficácia de regras constitucionais que o limitem. Rubens Casara, em seu Estado pós-democrático (2017), observa que “a figura do Estado democrático de Direito, que se caracterizava pela existência de limites rígidos ao exercício do poder (e o principal desse poder era constituído pelos direitos e garantias fundamentais), não dá mais conta de explicar e nomear o Estado que se apresenta”.
A perspectiva de Pedro Estevam Serrano também vê o estado de exceção, embora não o identifique como permanente. Mas acrescenta um ingrediente largamente utilizado no atual processo político e social brasileiro e, a rigor, clássico do fascismo: a construção do inimigo interno. De fato, o reacionarismo, ou por vezes o filofascismo da classe média acolheu amplamente em seu imaginário a criminalização e a desumanização da esquerda.
Essa ditadura de novo tipo é a forma política do neoliberalismo. A captura integral do Estado pelo mercado. A categoria do político tem que ser diluída para ampliar e acelerar a acumulação. Nesse contexto, diluir o político significa expulsar do cenário político e social os que defendem direitos e as políticas de bem-estar social que podem retirar da miséria milhões de brasileiros.
Lula decidiu se entregar e ao fazê-lo agiu como se tudo não passasse de uma contingência a ser resolvida juridicamente pelos bons juízes que ainda há em Berlim. Escreveu uma carta no 1º. de maio afirmando que vivemos em uma democracia incompleta. O que estamos vivendo desde 2016 não é uma democracia incompleta. É uma ditadura completa. Como disse Baudelaire, o truque mais esperto do diabo é convencer-nos de que ele não existe.
O que vai tirar Lula da cadeia é a luta de classes, a verdade e a razão que só estão nela e em lugar nenhum mais. E a arena da luta de classes não é o parlamento, a sala do pleno do STF ou o gabinete do Moro. É a rua.
MARCIO SOTELO FELIPPE é advogado e foi procurador-geral do Estado de São Paulo. É mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP
José Ruiz
11/05/2018 - 18h06
Um novo pacto social
Cada um sabe onde aperta seu sapato, de maneira que a percepção sobre a crise atual é relativa e eu respeito o seu ponto de vista, caso ele não seja tão dramático quanto o meu.
Porém, todavia e contudo, se já não fez isso, é importante que vc saia da sua bolha e comece a perceber que algumas coisas estão muito erradas no Brasil.
Muito.
Prá ficar nos aspectos mais simbólicos dessa crise, basta dizer que 70 mil pessoas são assassinadas por ano nesse país.
Cara, é muito mais gente morta do que na maioria das guerras que vc já ouviu falar.
Consegue imaginar? 70 mil pessoas? É como se vc exterminasse uma cidade inteira todo ano no Brasil.
Loucura total.
Nós estamos sofrendo uma ruptura muito séria em nossa sociedade.
E isso faz parte de uma estratégia, de contexto geopolítico, que foi determinada para nós.
O objetivo final está além do Plano Atlanta, não se trata, somente, de dominação política, e sim da destruição completa do estado.
É um projeto Líbia.
Projeto de terra arrasada, que permite a expropriação das riquezas e ao mesmo tempo impede a formação de novas parcerias (implode a relação com a China e outros parceiros da Eurásia, por exemplo).
Por isso o estado brasileiro está sendo desmontado.
E é preciso perceber que algumas ações são planejadas para causar sérios danos futuros.
Vou dar um exemplo, mas quero chamar a sua atenção para o fato de que existem várias outras situações semelhantes: a sua aposentadoria.
Eles estão desmontando a previdência.
A reforma trabalhista está eliminando o trabalho formal.
Sem carteira assinada, o cara não paga previdência, ainda mais sabendo que ele vai precisar “100 anos” para aposentar, certo?
Resultado, o caixa da previdência vai colapsar.
A previdência não é deficitária, hoje, mas se cortarem as contribuições, ela se tornará insustentável.
Percebeu a bomba relógio?
Combina aí, uma parte da população brasileira (a que não foi assassinada) vai chegar na meia idade sem emprego, sem aposentadoria, sem o SUS.
É um projeto de extermínio.
Se isso lhe parece ruim o suficiente, prepare-se para o pior: não há reação.
Nem vou perder tempo criticando a esquerda fake que temos no Brasil..
.. o fato, prá valer mesmo, é que o povo está COMPLETAMENTE hipnotizado..
.. é quase um cenário “walking dead”, mas nós é quem somos os zumbis..
Recentes pesquisas mostram Romário e Flávio Bolsonaro como líderes para o senado no Rio de Janeiro. O líder para o governo do estado de São Paulo é o inacreditável João Dória. Para o senado, Datena.
O sistema implodiu.
Eleições não fazem o menor sentido.. por mais chocante que essa frase possa parecer.
Não adianta chorar nem sair por aí quebrando tudo.
Precisamos nos conscientizar do problema e iniciar um lento, mas imprescindível, trabalho de formiguinha para reconstruir o tecido social.
Reconectar as pessoas, promover encontros nos bairros, organizar a discussão política com os vizinhos, com os colegas de trabalho, nas escolas, etc.
Ah, e precisamos refazer o pacto social.
Uma nova constituição.
Sétima República
Beto Castro
11/05/2018 - 12h20
O texto é excelente como descreve o golpe e as suas escaramuças para o enfrentar. Mas, é péssimo como diagnóstico de como o derrotar. Numa país de 207 milhões de pessoas pertencentes a uma miríade de etnias e culturas, colocar 1 milhão de manifestantes nas ruas é 0,5% da população, restando 99,95% dos brasileiros na luta pela sobrevivência tirânica e titânica. Luta de classe numa correlação de força como esta é utopia de revolucionários voadores saudosistas de ditadores tirânicos muito piores do que os simulacros de ditadores golpistas brasileiros – Lulyas, Skafs, Marinhos, Moros e caterva, Tucanos merendeiros frustrados, Traçadores de Compasso e parlamentares latifundiários, magnatas, oligarcas e capas pretas. Restou um resquício mínimo de ordem na pasmaceira da guerra híbrida do Lawfare, senão o país não funcionaria a contento, mesmo carcomido, aos cacos e em liquidação dos seus ativos patrimoniais. Derroto esta conspiração odiosa em 15 dias numa única decisão sábia, inteligente e não narcisista do PT e aliados mesmo na arena de luta viciada do simulacro de golpe. Só não posso garantir se o suporte armado e secreto dos conspiradores aceitará uma derrota tão simplória e legal no limite da Pantomima teratológica. Paim Presidente oficializado no debate e nos holofotes com Lula à vice na prisão política, o primeiro com mais votos do que Lula. Com o fracasso político e econômico do golpe e o barco pirata à deriva com os ratos de Curitiba se afogando, outros acontecimentos alvissareiros até outubro abririam perspectivas para uma vitória retumbante com pouquíssima rejeição da sociedade brasileiro do bem. Se lograrmos a soltura de Lula até agosto e a anulação dos processos fraudados, pode-se até inverter a equação matemática milimétrica com uma chapa Lula-Paim. Em caso do Prêmio Nobel da Paz o firo estaria fechado. O PT assim não faz porquanto os caciques narcisistas e autoritários não estão interessados em consertar o Brasil, mas centrados nos seus próprios umbigos. A opção de Celso Amorim, apesar de excelente quadro, como vice no debate tem baixíssima densidade eleitoral. Paim, com o apoio total dos afrodescendentes (48% dos eleitores), aposentados e trabalhadores com o cadáver da Reforma da Previdência num esquife e o seu Estatuto do Trabalho ganha no primeiro turno de barbada. Não há clima para um golpe militar esfarrapado e suspensão das eleições em vários níveis da República. O que há é falta de inteligência estratégica e principalmente humildade dos golpeados, além de um barulho infernal e inútil que está mais para ruídos espúrios na comunicação. Alia jacta est!
Rachel
10/05/2018 - 19h31
Nossa ”primavera” foi no inverno de 2013.
Rogério Bezerra
11/05/2018 - 00h07
Acho que foi no Mentirão em 2012 com o “Batman”, mais conhecido como Joaquim Barbosa.
Mirtes
10/05/2018 - 18h10
Ou, Márcio, lutar com as mesmas armas do inimigo, ou quase. Seria antever os seus passos e adiantar-se basicamente na mídia digital que é de que dispomos. Um lawfare de esquerda cujo judiciário é o povo e cuja mídia são os blogueiros comprometidos com o extermínio do golpe. Quantas notícias são plantadas e nós seguimos a pauta? Inverter.
Mirko Kraguljac
10/05/2018 - 17h49
Não é nada estranho advogados aconselhar Lula entregar se, mas é bem estranho mesmo um advogado escrever texto desta magnitude. Parabéns! Todo jeito, quem decidiu foi Lula e decisão é totalmente compatível com ele, biografia e politica dele. Não foi surpresa nenhuma, pelo contrario. Agora, resistir foi escolha melhor? Só pra endossar, na redondezas do sindicato estava “multidão” de mais ou menos 8 mil pessoas. De dia. De noite, numero bem menor. Eu conheço aquela estoria de França sem vontade de mandar PM, do PF sem força suficiente e tudo mais, mas não acredito na resistência sem povo na rua. Lula fez única coisa que ele sabe fazer, inverteu papeis e conseguiu aquilo que a Globo quis conseguir para golpe – o mundo ficou do lado do Lula!
paulino camargo
10/05/2018 - 17h39
Se a situação econômica do país estivessem em céu de brigadeiro, eu diria que o brasileiro é um tanto folgado, mas, pelo andar da carruagem nos parece que este nosso judiciário vão entrar já pelo cano. Eles pensam que dão conta de Governar só lá dos gabinetes deles e da Venus platinada, mas, estão enganadíssimos. Vejam o
caso do Macri, por lá os juros já chegaram a 40% e vão subir mais ainda.
Cruz credo, “mangalô três vezes!!!
Curió
10/05/2018 - 17h37
Muito bom!
Agora ainda querem que o próprio PT coloque Lula no caixão! Absurdo o blog estimular a cizânia no partido…
Luiz Hortencio Ferreira
10/05/2018 - 16h41
Tem-se que perguntar agora aos advogados de Lula…
O que fazer agora caros Doutores, cultos e entendedores das Leis?
Jochann Daniel
10/05/2018 - 23h29
Caro “Luiz Hortencio”
Contra farsa judiciária,
onde não se tem nenhum respeito,
ignora-se solenemente
os básicos princípios da Lei……………………
nada há a fazer………………….
luiz paiva sousa
10/05/2018 - 14h21
Ainda bem que existem pessoas como o Professor Márcio Sotelo Felippe, que tem a coragem de comentar acerca do golpe, mostrando os fatos que ocorreram com a prisão do Lula e continua ocorrendo com a participação do parlamento do judiciário e da mídia casa grande que é uma das coisas mais repugnante para uma democracia é tanto, caro Professor que não consico assistir o Roda Veja ou Roda Morta (Roda Viva) com a mistificação a manipulação e a insensatez desta mídia fascista que só ver um lado da moeda.
Gustavo Horta
10/05/2018 - 13h38
Não se distraia. É muito mais grave do que você imagina.
MÃOS ILEGÍTIMAS A CONDUZIR A SOBERANIA BRASILEIRA. MAS QUE SOBERANIA?
> https://gustavohorta.wordpress.com/2018/05/10/maos-ilegitimas-a-conduzir-a-soberania-brasileira-mas-que-soberania/
….
…Se você ainda não percebeu que não é Lula que está preso, mas a nossa soberania, fraternidade, justiça social, direitos dos trabalhadores, décadas de evolução, sinto dizer, mas você deve ser um completo idiota. Desculpem a rudeza da sinceridade. É o Brasil que está em jogo, não Lula. Os canalhas continuam vencendo. Urge tirar tal poder desses usurpadores. …
Jochann Daniel
10/05/2018 - 15h18
É o que eu chamo
de africanização do Brasil.
Criação de um país
(ainda mais)
infernal
de se viver.
Que só serve
aos nossos inimigos.
Processo maquiavélico
criado no exterior
e posto em prática
por brasileiros
traidores da Pátria,
e cabeças envenenadas
pela Mídia criminosa
e traidora.
Gustavo Horta
10/05/2018 - 13h38
Não se distraia. É muito mais grave do que você imagina.
MÃOS ILEGÍTIMAS A CONDUZIR A SOBERANIA BRASILEIRA. MAS QUE SOBERANIA?
> https://gustavohorta.wordpress.com/2018/05/10/maos-ilegitimas-a-conduzir-a-soberania-brasileira-mas-que-soberania/
… …A esta altura todos sabemos que a presidenta Dilma foi deposta por um golpe. Michel Temer admitiu isso publicamente em discurso proferido em 21 de setembro de 2016, na reunião do Conselho das Américas. Disponível no Youtube, o vídeo com sua fala foi divulgado com discrição pela mídia nacional e não provocou reações de nossos juristas. …
….
…Se você ainda não percebeu que não é Lula que está preso, mas a nossa soberania, fraternidade, justiça social, direitos dos trabalhadores, décadas de evolução, sinto dizer, mas você deve ser um completo idiota. Desculpem a rudeza da sinceridade. É o Brasil que está em jogo, não Lula. Os canalhas continuam vencendo. Urge tirar tal poder desses usurpadores. …
Olinto A. F. de godoy
10/05/2018 - 12h48
O estranho não é o que aconteceu, pois desde o mensalão já se sabia onde tudo ia desembocar, vide a reinterpretação do direito de Barbosa, o voto de Weber tendo Moro como Ghost Writer, etc. O estranho é pessoas como Dirceu, Dilma e Lula (e assessores) terem apostado na luta parlamentar e, em última instância, num STF garantista. Mercadante, Zé Cardoso e outros desse pedigree não vale, pois estavam se lixando pelo projeto de nação que começou a ser edificado, mas os três citados acima … é inacreditável pela vivência e com tantas primaveras e guerras híbridas ocorrendo no mundo…