Artigo de Janaína Santana, Leandro Coutinho e Osnan de Souza
A perseguição que o conluio golpista promove hoje ao ex-presidente Lula não é nova. Desde o início da sua trajetória política – assim como já acontecera com outros líderes progressistas – esses segmentos buscam, de todas as formas, aniquilar qualquer possibilidade da sua ascensão ao poder.
Tradicionalmente as burguesias locais e seus sustentáculos, quase sempre sob a influência do imperialismo norte-americano, agem desta forma. Sobre isso, Friedrich Engels, na introdução ao clássico As lutas de classes na França, de Karl Marx, afirmam que “a burguesia não admitirá a democracia, sendo mesmo capaz de golpeá-la, se houver alguma possibilidade de as massas trabalhadoras chegarem ao poder” [1].
No Brasil esta prática é seguida ao pé da letra pelas elites. Nossa jovem e frágil democracia– fundamentalmente burguesa e liberal – só é respeitada quando os detentores do poder estão a serviço dos segmentos dominantes.
E quando não assim o fazem acabam sendo derrubados. Ou, quando não conseguem, desestabilizam governos e destroem imagens de lideranças alinhadas aos interesses dos trabalhadores. Getúlio Vargas nos anos cinquenta, João Goulart na década seguinte, Dilma Rousseff em 2016 e Lula, dentre outros, confirmam essa tradição à brasileira[2].
Os ataques proferidos contra Lula e o PT representam ataques aos trabalhadores que, nos seus governos, apesar dos limites do lulismo, ascenderam de uma forma nunca antes vista.
Esta perseguição pode ser compreendida como uma etapa do novo projeto de poder iniciado no Brasil em 2016. Esse projeto inicia-se com a posse do ilegítimo Michel Temer, passando pela retirada de direitos da classe trabalhadora, bem como a inviabilização da candidatura de Lula e o desgaste da imagem do PT para os próximos pleitos.
Edward Palmer Thompson, no clássico A Formação da Classe Operária Inglesa, afirma que a mentalidade coletiva[3] dos explorados não muda de uma hora para outra, num piscar de olhos. Ou seja, mesmo com tantos ataques etoda a manipulação midiática, parte significativa da classe trabalhadora, e as últimas pesquisas apontam isso,ainda confia em Lula e no PT – mesmo compreendendo que parte desta classe reconhece o esgotamento do lulismo e a necessidade da sua guinada à esquerda.
Os setores golpistas, por mais que em alguns momentos transpareça que estão desunidos e disputando poder entre si, não vão permitir, ao que tudo indica, que as eleições de outubro – caso de fato elas aconteçam – coloque em risco a consolidação deste novo projeto de poder.
Essas elites, que nunca ganharam tanto quanto nos governos petistas – a exemplo dos enormes lucros das instituições financeiras – não se contentam apenas em estar acima dos trabalhadores. É preciso, além disso, reduzir a estrutura do Estado brasileiro, para que o mesmo desencarregue-se da função de mediador das contradições da nossa sociedade – de essência classista.
O marxismo nos ensina que a história da humanidade resume-se a luta de classes. Independente do período histórico, o conflito entre classes sociais –antagônicas por natureza –representa, grosso modo, a essência do regime capitalista. E essa luta materializa-se de muitas formas e em variados contextos.
Todo o processo que culminou com a condenação e prisão de Lula demonstra isso. A complacência do Poder Judiciário em relação à falta de provas jurídicas robustas para proferir tal sentença sinaliza que este poder tem lado na luta de classes. Aliás: sempre teve – só que agora, diferente de outrora, não há mais pudor ao servir os setores dominantes.
Se nos permitirmos analisar juridicamente a condução dos processos em que o petista é réu, notaremos a presença de algumas particularidades que certamente não encontraríamos no processo de um réu comum. Condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4° Região por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex, Lula deveria começar o cumprimento da sua sentença em regime fechado após esgotada todas as possibilidades de recursos em tribunais superiores.
No entanto, sua prisão fora decretada 24 horas após o Supremo Tribunal Federal indeferir o Habeas Corpus impetrado pela defesa. A avidez da decisão denota atropelamento dos procedimentos legais, diante da negação dos desembargadores em relação aos embargos de declaração apresentados pelos advogados do ex-presidente.
Embora os referidos “embargos dos embargos” não tenham previsão legislativa, estes fazem parte da tradição jurídica e costumam ser respeitados nos tribunais.
Além disso, há um nítido desrespeito ao direito à ampla defesa, na medida em que é determinada a prisão sem a observação do período limite para a defesa oferecer seus últimos recursos, ferindo claramente o princípio da “presunção de inocência”[4].
Se continuarmos analisando essa sentença é possível verificar que não há uma prova desta conduta voluntária e intencional por parte do petista. Tudo está no plano dos achismos e das suposições, partindo de uma premissa inexistente de que há uma culpabilidade, mas que não é exposta na sentença.
A Operação Lava Jato – assim como quase todas as operações da Polícia Federal, e a história nos confirma isso – vem cumprindo a função de desgastar tudo o que esteja relacionado ao PT, sempre com o apoio incondicional da mídia hegemônica[5].
A sangria desatada contra Lula, impulsionada sobretudo pelo ódio e preconceito de classe aos pobres, bem como pela possibilidade do seu retorno à Presidência da República, é fruto desta mesma luta de classes e de um passado escravista [6] que ainda não superamos. Lula ousou, como poucos fizeram, incluir o pobre no orçamento público, permitindo a ascensão social desta importante parcela da sociedade, mesmo com todas as limitações. E isso parece incomodar o andar de cima.
A parte conservadora da classe média brasileira, historicamente instrumentalizada pelas elites, não foi às ruas entre 2015 e 2016 para combater a corrupção e moralizar a política. Foi, sim, derrubar Dilma e o PT, visto que seus privilégios, outrora centralizados em reduzidos nichos sociais, começaram a chegar aos de baixo.
A luta de classes, força motriz da história da humanidade, não para. O consórcio golpista – conformado pelo Poder Judiciário, os Ministérios Públicos, a mídia hegemônica, a direita parlamentar e as burguesias locais, sob a batuta do imperialismo – cansou do Estado nacional-desenvolvimentista oferecedor de direitos sociais pensado por Getúlio Vargas[7]. Agora as elites querem, mais do que nunca, um Estado mínimo que exerça pouca ou nenhuma influência sobre a sociedade.
O ódio a figura do Lula, símbolo de um projeto de país que se propôs a dialogar com os anseios dos explorados, apesar das suas contradições, é consequência não dos seus erros, a exemplo da equivocada política de conciliação de classes promovida pelo lulismo, mas, sobretudo, por influência dos seus acertos. Os governos Lula e Dilma, em linhas gerais, não mexeram nos privilégios dos de cima. Longe disso. Apenas reduziram, como poucos fizeram, a pobreza e a má distribuição de renda – problemas históricos e estruturais do país.
Essa realidade potencializou o ódio das elites e de parte da classe média ao seu principal símbolo, bem como promoveu, também por influência da crise econômica, o acirramento da luta de classes no Brasil.
Janaína Santana é graduanda em Direito pela Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe.
Leandro Coutinho é mestrando em Ciência da Informação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal da Bahia e especialista em Gestão Estratégica em Políticas Públicas pela Universidade Estadual de Campinas.
Osnan de Souza é graduando em História pela Universidade do Estado da Bahia.
1. MARX, Karl. As lutas de classes na França. São Paulo: Boitempo, 2012.
2. ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil: nunca mais. 20. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985. 312 p.
3. THOMPSON, Edward Palmer. A Formação da Classe Operária Inglesa. Tradução Denise Bottman. V. 1. 3 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
4. SCALZILLI, G. O golpe preventivo contra Lula. JUSBRASIL, São Paulo, abril/2018 Disponível em: https://guilhermescalzilli.jusbrasil.com.br/artigos/564829854/o-golpe-preventivo-contra-lula?ref=topic_feed. Acesso em: 09 de abril de 2018.
5. JOSÉ, Emiliano. Intervenção da imprensa na política brasileira (1954-2014). São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2015. 184 p.
6. SOUZA, Jessé. A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro: Leya, 2017. 140 p.
7. NAPOLITANO, Marcos. História do Brasil República: da queda da monarquia ao fim do Estado Novo. São Paulo: Contexto, 2016. 176 p.
8. MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o regime militar – cultura política brasileira e modernização autoritária. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2014. 429 p.
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