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Duas opiniões sobre o golpe: Rogério Dultra e João Feres

Ainda como parte da campanha para o debate de lançamento dos volumes 1 e 2 da Enciclopedia do Golpe, nesta sexta-feira 4 de maio, na UFF, estamos publicando algumas opiniões de intelectuais sobre o golpe que assolou o país. Enviamos aos debatedores as perguntas presentes no post anterior, e recebemos já as seguintes respostas, dos […]

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Ainda como parte da campanha para o debate de lançamento dos volumes 1 e 2 da Enciclopedia do Golpe, nesta sexta-feira 4 de maio, na UFF, estamos publicando algumas opiniões de intelectuais sobre o golpe que assolou o país.

Enviamos aos debatedores as perguntas presentes no post anterior, e recebemos já as seguintes respostas, dos professores Rogério Dultra (Direito Constitucional, UFF) e João Feres (Ciência Política, IESP).

Rogério Dultra:

O que aflige o futuro do país é a ausência do acerto de contas com o seu passado autoritário. Nós simplesmente não conseguimos romper com as heranças culturais, políticas e institucionais plantadas pelas nossas experiências ditatoriais.

Este conjunto histórico de transições inacabadas nos legou uma ordem social essencialmente frágil, incapaz de projetar para frente um destino distinto de nossa tradição de exclusão e violência.

Misóginos, machistas, preconceituosos e racistas, estamos bem distantes da propalada – e sempre mal interpretada – cordialidade.

A escravidão, o latifúndio e as hierarquias de mando nos forjaram muito mais profundamente que o futebol e o carnaval. Nossa história não é nem a de malandros, nem a de heróis. É a história de genocídios sucessivos, de encarceramentos em massa, da exploração mais vil e sistemática de nosso povo, das execuções de jovens negros, sem processo.

Somos, assim, apenas o que nos permitiram ser, sem pedir licença, pela pura necessidade do capital. Não somos o país do futuro, mas somente uma promessa de pagamento, um derivativo.

A democracia foi uma quimera, alimentada pelo frenesi constituinte de 1988 que, por sua vez, impregnou-se da ressaca do soçobro das diretas. Dada a anistia ampla e irrestrita aos torturadores, temos agora sua apologia liberada ao Palácio do Planalto.

E dadas as circunstâncias – e lamentavelmente – parece que só haverá futuro garantido quando a democratização da barbárie, quando a dor de se saber excluído atingir aos que aclamaram ativa ou silenciosamente a subtração das regras do jogo.

A nossa redenção, mais uma vez, pode ser que só se dê pelo sofrimento. A conciliação, desculpem o chulo, é um acordo cara-cu. E nós sempre nos acoitamos para a lei e a ordem dos sertões, submissos diante do que consideramos fatalidade. Cortaram-nos a cabeça.

Lidamos, finalmente, com a explicitação do nosso destino, até então encoberto para nós, que somos jovens. E que fique claro: com a nossa história na cadeia, convenhamos, ninguém está mais a salvo.

Já pisaram em nossos jardins. Não existe ninguém por nós, só nós mesmos. É a nossa tragédia. E é preciso dizê-la. Porque a tragédia é a pedagogia feita em catarse. É conservadora. Porém, ao mesmo tempo, civiliza.

É dela que extraímos, desde sempre, a lição do que não fazer, do que é proibido, do que é fadado ao fracasso.
Desde Antígona, os nossos heróis morreram de sentenças judiciais. E é nessa tragédia que sempre nos tornamos narrativa, nação. Tragédia é interdição, mas também é novidade.

Nos interditaram a política e o direito. Nos tomaram o caminho do velho, do acordo. No acordo respiramos, sobrevivemos, mas perdemos. Nas regras do jogo, sentimos a morte e a traição.

Hoje está mais claro que a palavra é reconstrução. Resistência e reconstrução. Acabaram as ilusões, todas perdidas na lembrança. Não haverá Deuses ex-Machina a nos levarem num carro alado.

Mas é assim que aprenderemos, mais uma vez, a renascermos como Fênix. Saibamos escapar das burocracias contemporizadoras e encarermos o abismo da derrota.

Caiamos de pé. Teremos um futuro inédito a celebrar. Futuro que honrará a nossa história. História de fé no outro, de fé na vida, de amor e de esperança.

***

João Feres:

Miguel, tenho informações de uma pesquisa muito recente, representativa do país todo, que contém perguntas muito interessantes a esse respeito. Um pouco mais da metade da população acha que foi golpe, mas metade acha que há razões para o Lula ter sido preso. O problema é que essas metades não se opõe inteiramente. Isto é, tem gente que acha que foi golpe mas que Lula está legalmente preso e gente que acha que não foi mas apoia Lula.

O ponto, acho que, é outro. Eleição não se pensa com conceito de acadêmico. Golpe de Estado é um conceito muito sofisticado e de difícil cognição. Nem os acadêmicos concordam se houve ou não, certo? Ainda mais um que não contou com fechamento de congresso, tropas na rua, etc. Então, do ponto de vista eleitoral, o Golpe não pode ser tratado dessa maneira abstrata. A mesma coisa em relação à prisão de Lula. Não dá para esperar que a população se torne especialista em direito constitucional para defender o argumento.

Temos que focar na democracia, entendida como bem-estar social: salário bom, direitos trabalhistas, casa própria, etc. E mostrar que há um golpe contra a democracia, entendida dessa maneira. Todo mundo lembra dos anos dourados do governo Lula.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Raga Simp

03/05/2018 - 08h20

Que carro alegórico é esse malandro? “Acabaram as ilusões, todas perdidas na lembrança. Não haverá Deuses ex-Machina a nos levarem num carro alado. Mas é assim que aprenderemos, mais uma vez, a renascermos como Fênix.” Nem o Joãozinho Trinta investiria em tanto veludo! E depois fala que quem gosta de luxo é pobre, que intelectual gosta de miséria.


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