(Foto: Alan Marques / Folhapress)
Por Rogerio Dultra dos Santos
Vinculado ao movimento Escola sem Partido, o Ministro da Educação resolveu avançar sobre o Professor de Ciência Política da UnB, Luís Felipe Miguel, por conta de sua disciplina optativa de graduação, denominada “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil” a ser ministrada neste primeiro semestre letivo de 2018.
Declarou o Ministro Mendonça Filho que
Está claro que não houve base científica na criação desse curso. Contraria as boas práticas da educação. Alguém não pode ter uma ideia ou uma opinião e simplesmente oferecer dentro de uma universidade 1 curso. [sic]
E por conta desta postura iluminada, resolveu criminalizar o feito – ou, ao menos, judicializá-lo – pela mobilização do Ministério Público Federal no Distrito Federal, da Advocacia Geral da União, da Controladoria Geral da União e do Tribunal de Contas da União, segundo vários artigos jornalísticos na grande imprensa.
O objetivo é claro: procurar ilegalidades e “responsabilizar” os envolvidos, inclusive as chefias e a própria UnB. Contra o “aparelhamento”, a caça às bruxas: “Estão transformando o curso numa extensão do PT e dos seus aliados”, afirma o ilustríssimo.
Seria um discurso risível se não emanasse de uma autoridade com poder para realizar a violenta intervenção que anuncia. Risível, porque tosco, primário e cientificamente equivocado. Ao mesmo tempo, um discurso que pode provocar, sem muita dificuldade, a punição de profissionais da educação sem que os mesmos tenham condição, em igualdade de armas, de defender seus direitos, dado o alinhamento político entre a cúpula do Poder Executivo, do Judiciário e os conglomerados de comunicação de massa.
É um discurso inconstitucional que tende a gerar mais arbitrariedades, especialmente no nosso mundo sem parâmetros normativos, ou nesse nosso país pós-jurídico, inoculado pelo modus operandi lava-jato.
Independentemente do conteúdo ministrado na disciplina do Professor Luís Felipe Miguel, é preciso dizer, de saída, que o Ministro da Educação não tem competência constitucional para invadir o campo juridicamente protegido da autonomia universitária (Art. 207 da CF) e da liberdade de cátedra (Art. 206 e incisos, da CF), incluindo aí o princípio do pluralismo de ideias.
Controles institucionais complexos e sucessivos – como concursos de provas e títulos, avaliações periódicas de produtividade e o controle social do campo de atuação docente, como congressos, seminários e encontros associativos – já se encarregam de verificar reiteradamente a competência formal e material de um professor que alcança na carreira a titularidade na área.
Assim, um governo constitucional, que não tem problemas de afirmar sua legitimidade e legalidade, não deve se importar com críticas e análises políticas características da tradição da disciplina Ciência Política. A formação crítica e questionadora dos arranjos institucionais, a avaliação das dinâmicas governamentais, o exame da legitimidade, dos fundamentos da ordem política, da origem espúria ou não do poder, são todos objetos de estudo consagrados da área. O seu questionamento revela, no mínimo, ignorância.
Mas, olhe-se para o caso concreto, um regime político considerado espúrio pela própria Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) que entendeu, em 2016, o impeachment e seus desdobramentos como uma “ruptura da legalidade democrática”.
Não seria o caso de sequer entrar no mérito levantado pelo Ministro da Educação, pois a questão da ilegalidade de sua manifestação pública antecede a discussão – de todo descabida, segundo a própria Constituição – sobre o conteúdo proposto pela disciplina.
Suponhamos, por um segundo, uma avaliação externa da disciplina do professor Luis Felipe Miguel. Lida por qualquer cientista político de boa fé, seria considerada, provavelmente, um excelente introdução ao debate sobre a democracia brasileira, com a utilização de variados textos de autores consagrados e mesmo clássicos da área.
Mas esta avaliação deve situar-se no lugar da mera opinião, sem nenhum cunho legitimatório ou, se fosse uma avaliação negativa, formalmente contestatório. Seja em que instância for. Isto porque os controles normativos e institucionais já foram devidamente exercidos para que a referida disciplina fosse ofertada regularmente pela Universidade.
Em assim sendo, a própria manifestação do Ministro Mendonça Filho é que deve ser escrutinada pelos órgãos competentes, por ser manifestamente inconstitucional, provavelmente ilegal – isto mesmo, ilegal, por denotar ameaça a direitos assegurados ao professor e à própria UnB –, anti-democrática e anti-pluralista.
Esta fala infeliz do Ministro Mendonça Filho, produzida por quem deveria zelar pela educação e não pela sua censura, é que deve ser repudiada e denunciada pela intelectualidade brasileira.
É ela que deve ser investigada pelos órgãos de controle.
É ela que entrará nos anais da história como uma excrescência característica dos regimes de exceção, frutos de golpes e de seus correligionários prenhes de ignorância e raiva, em especial, por se saberem ilegítimos e materialmente incompetentes para ocupar os cargos que ocupam.
Rogerio Dultra dos Santos é Doutor em Ciência Política, pelo antigo IUPERJ, além de Bacharel e Mestre em Direito Público. É Professor Associado I da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense e de seu Mestrado em Justiça Administrativa. Foi fundador e coordenador do Mestrado em Direito Constitucional da mesma Universidade. Ministra, dentre outras, a disciplina História Constitucional Brasileira.
James Stewart
24/02/2018 - 12h26
Não creio que o ‘menistro da educassam’ tenho dito ou escrito isto:
“Está claro que não houve base científica na criação desse curso. ”
Se o texto fosse da lavra dessa anta, sairia assim:
“Está claro que não houveram bases científicas na criação desse curso. “