A Agência Pública e outros sites de notícias organizaram um evento no Rio de Janeiro, entre os dias 11 e 12 de novembro, que teve a participação de dois executivos das principais corporações de mídia do planeta: Cláudia Gurfinkel, do Facebook, e Marco Túlio, do Google News Lab (que aparentemente patrocinou o encontro).
A executiva do Facebook não mediu palavras. Ela confessou que a empresa está mesmo censurando páginas, e por motivos tão subjetivos como “baixa qualidade” e “quantidade enorme de anúncios”.
Ela não parece ligar muito para a contradição entre o gosto do público, que escolhe acessar determinada página, e o critério de qualidade de um executivo do Facebook.
As frases de Claudia parecem ter saído da boca de um personagem de uma ficção científica distópica: no caso, um tirano pós-moderno, sem muita noção da carga de autoritarismo e censura que suas palavras simbolizam.
Eu já respondi a esse ataque sórdido à democracia brasileira em vídeo, e agora respondo em texto.
Vamos ao trecho da reportagem da Pública, que traz um resumo das palestras dos executivos do Facebook e Google:
Cláudia explicou que a ideia é derrubar páginas que usam a plataforma como caça-cliques. “O principal incentivo deles é econômico”, explicou. “Estamos trabalhando em três pilares, um deles é cortar os incentivos econômicos, mudar o sistema de anúncios para que possam rodar dentro da plataforma. O segundo pilar é o desenvolvimento de produtos, para que esses sites tenham mesmo uma performance pior dentro da plataforma. O que a gente vê é que muitos desses sites são de baixa qualidade, têm uma quantidade enorme de anúncios dentro da página. A gente começou a diminuir o alcance desses sites. E o terceiro pilar é trabalhar com a comunidade para que as pessoas possam identificar uma notícia falsa.” Cláudia garantiu ainda que o Facebook vai permitir que todos os usuários vejam os anúncios comprados por todas as páginas e que as páginas de políticos trarão também quem pagou por cada anúncio.
Marco Túlio, do Google News Lab, reconheceu que um dos problemas que a empresa vê para o futuro da comunicação são as notícias falsas, as bolhas de comunicação e o deserto de notícias em várias localidades do Brasil. Ele apresentou algumas iniciativas da corporação para ajudar jornalistas através do laboratório capitaneado por ele no continente, como o Projeto Credibilidade, realizado pelo Instituto Projor e os selos de fact-checking, que priorizam checagem de fatos nas buscas do Google News – o “Truco”, da Pública, é um dos parceiros. Também houve novas medidas para desestimular a monetização de notícias enganosas, como o AdSense. O Google vê o jornalismo de qualidade como essencial para o seu negócio e sua missão – afinal, ele melhora a qualidade das informações organizadas via buscas, diz ele.
Observem as frases de Claudia:
“ideia é derrubar páginas” [no caso, esta é uma frase da reportagem, não está entre aspas, mas enfim, é um registro]
“cortar os incentivos econômicos”
“[estão trabalhando] para que esses sites tenham mesmo uma performance pior dentro da plataforma”
“O que a gente vê é que muitos desses sites são de baixa qualidade, têm uma quantidade enorme de anúncios dentro da página”
“A gente começou a diminuir o alcance desses sites”
Já o executivo do Google, explicou, com uma arrogância inacreditável, que a “corporação” irá combater as “notícias falsas” com um “laboratório capitaneado por ele no continente”.
É de fazer o ditador do livro de George Orwell, 1984, sentir complexo de inferioridade.
Agora entendo porque o evento não convidou o Cafezinho. A gente ficaria muito constrangido de ouvir calado esse tipo de coisa.
Se tivéssemos um governo democrático, eleito, e um Ministério Público e uma Justiça comprometidos com a democracia e com o direito do povo à informação, poderíamos ter esperança de articular um protesto formal do Estado brasileiro contra esta prática odiosa, explícita, de censura.
A executiva do Facebook respondia ao filósofo Pablo Ortellado, que apontava a queda abrupta do alcance de páginas brasileiras, e cita a página do Cafezinho no Facebook, que, apesar de ter ampliado e melhorado sensivelmente a sua produção de conteúdo, teve seu alcance reduzido de 14 milhões/semana para menos de 1 milhão.
Se o problema de uma ditadura é o “guarda da esquina”, corporações como Facebook e Google agora enfrentam o problema do “executivo da esquina”.
O Cafezinho concorda que é preciso haver combate às chamadas “fake news”, mas isso não pode ser pretexto para censurar blogs ou cercear o debate político no país, ainda mais numa conjuntura tão difícil como a que vivemos, em que precisamos, mais que nunca, de liberdade.
A reportagem conta ainda um outra história, assombrosa, de uma “experiência” do Facebook em “seis países”, incluindo a Guatemala. Reproduzo o trecho:
Na plateia, o jornalista Martín Pellecer, da Guatemala, que comanda o site Nómada – uma iniciativa que pretende fazer jovens gostarem de política através do seu “jornalismo cool” –, dividiu sua experiência. Pellecer tomou a palavra para encerrar a mesa com uma angústia compartilhada com jornalistas do mundo todo: por que o Facebook retirou as páginas de notícias do feed dos usuários? O controverso experimento começou recentemente em seis países. Segundo Pellecer, derrubou em 70% os leitores de alguns sites da Guatemala. “Isso não vai acontecer em outros países”, garantiu Cláudia, dizendo que o Facebook faz periodicamente testes para “melhorar a experiência do usuário”.
Que experiência, hein? O que eu gostaria de saber é: que páginas foram essas que foram derrubadas na Guatemala e em outros seis países? Que outros países são esses? Qual o impacto político na vida desses países que essa “experiência” provocou?
O mundo precisa discutir, urgentemente, a necessidade de uma regulamentação internacional para impedir que essas corporações aprofundem suas “experiências” e determinem que páginas possam ter audiência ou não.
O imperialismo entrou numa nova etapa, muito mais perigosa.
O pior é que os brasileiros hoje não tem governo, então somos uma sociedade muito mais vulnerável a qualquer tipo de manipulação articulada por esses neo-ditadores da informação.
Felizmente, o cientista político Sergio Amadeu estava presente. E fez uma intervenção bastante enfática contra esse tipo de censura.
O professor da UFABC e membro do Comitê Gestor da Internet Sérgio Amadeu criticou o poder das duas plataformas. “Concentração não é bom para a democracia em nenhum lugar do mundo”, alertou. “Para ‘melhorar nossa experiência’, o algoritmo quer retirar o inesperado, o incômodo, o oposto. Algoritmos não são neutros”, disse. “Como que a democracia pode sobreviver, sendo que antes a gente lutava pela liberdade de opinião expressão e agora temos que lutar pela liberdade de visualização? Eu tenho que escolher o que eu quero ver!”.
Sérgio Amadeu resumiu sua visão sob aplausos: “O debate público está acontecendo dentro de uma empresa privada e tem mais visualização quem paga. Precisamos ter o direito de visualizar livremente informações de interesse público dentro da plataforma”.
jakson
20/11/2017 - 00h20
Já tive experiência de denuncias fake news, agressões e calúnias a pessoas no facebook e eles não aceitam excluir. apenas disseram para eu bloquear a pessoa. É horrível. eles querem faroeste para dar mais audiência. As próprias opções de denúncia são restritíssimas.
gustavo
19/11/2017 - 21h42
Os serviços da iniciativa privada é que produzem as ditaduras. Sempre foi assim. Dizer que as ditaduras são de Estado não passa de mais uma cortina de fumaça, que esconde que são as empresas que produzem a mordaça. Tudo por nacos de mercado e por poder e dinheiro. O FACEBOOK, ícone da iniciativa privada, é dos mais aguerridos patrocinadores da mordaça.
Roberto
17/11/2017 - 18h48
Então o cafezinho defende o farwest dentro do Facebook para manter a liberdade de expressão??
Alessandro Lemos
17/11/2017 - 12h20
Isso já era de se esperar, somos sempre muito manipulados, então é só mais um. :(
Priscila Montini
17/11/2017 - 10h59
Concordo com Sergio Amadeu. Inteiramente!!!
Newton
16/11/2017 - 18h27
Vamos todos mudar par a o VK.com.E usar o facebook só para propaganda
fernando
16/11/2017 - 22h41
tem toda a razão VK é o nosso refugio… a plantaforma da CIA, só pra zoeira mesmo!!!
Roberto
17/11/2017 - 19h13
VK é um império sem lei, quando ficar popular nos teremos milhares de páginas do Bolsonaro pedindo a cabeça do Lula!
Maria
16/11/2017 - 18h07
Pois é, entre os dias 14 e 15 desta semana nenhuma informação foi liberada a respeito do cronograma das manifestações a favor de uma intervenção militar. Bloquearam então, isso sim é prova de autoritarismo e manipulação.
jose carlos vieira filho
16/11/2017 - 17h30
Esse Google News Lab é parte do Google Jigsaw.
Veja video que portei no Romulus.
São os inventores do Fake News.
Reginaldo Gomes
16/11/2017 - 17h17
O facebook , google, youtube, twiter , whatsapp, etc, são nos dias hoje, o que o PIG era nos fins dos anos 50.
Monstros na infância.
jose carlos vieira filho
16/11/2017 - 17h32
na infância não, são monstros adultos e bem fornido$$.
o Google Jigsaw tem 3 bi (verdinhas) à disposição para barbarizar.
Lero
17/11/2017 - 00h34
em 2016 o site newsbud entre outros já publicava “mudança de comportamento” dos gigantes em relação aos sites de notícia alternativa pelos gigantes.
Oh meu deus do céu 1984 é real. Completa e total dominação.
Por isso eu digo que qualquer entidade que queira ter alguma chance no mundo da internet é melhor pensar em criar suas próprias infraestruturas, do contrário só continuaram a alimentar os monstros.
Mar
16/11/2017 - 17h11
Ilusão achar que as redes sociais administradas pelos imperialistas norte americanos seriam tão bonzinhos assim com as pessoas que vão de encontro aos seus interesses. Os EUA está encurralado forças que ameaçam sua soberania. Se precisar fazer coisas piores do que derrubar páginas, eles farão. O correto seria estudar alternativas para as tecnologias inventadas por eles.
Eduardo Batista
16/11/2017 - 17h59
Falou tudo!