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Roberto Bueno denuncia o estado de exceção econômico

ESTADO DE EXCEÇÃO ECONÔMICO? EXCETO PARA ALGUNS! Por Roberto Bueno Uma e outra vez, e sucessivamente outras tantas, tentam persuadir a população brasileira de que está a viver tempos excepcionais, de que todos nós estamos imersos em uma crise profundíssima, de que faltam recursos ainda mesmo para os mais elementares gastos do Estado, e que […]

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ESTADO DE EXCEÇÃO ECONÔMICO? EXCETO PARA ALGUNS!

Por Roberto Bueno

Uma e outra vez, e sucessivamente outras tantas, tentam persuadir a população brasileira de que está a viver tempos excepcionais, de que todos nós estamos imersos em uma crise profundíssima, de que faltam recursos ainda mesmo para os mais elementares gastos do Estado, e que em tal cenário de catástrofe titânica nada mais pode ser feito senão estrangular todos os direitos sociais até aqui conquistados a duras penas, e não antes que décadas se passassem.

Primeira pergunta: todos que me leem já avaliaram, ainda que por uma só vez, que não tem faltado qualquer volume de recursos financeiros para comprar homens e mulheres dispostos a vender seus votos para manter um governo não apenas ilegítimo como alvo de todo o tipo de escabrosas denúncias e de desvios de toda a sorte?

O ataque mortal aos direitos sociais vem acompanhado de um movimento articulado com a ação dos mais altos níveis de autoridades públicas preocupadas em desossar a Constituição Brasileira de 1988, mantendo-a operativa do ponto de vista formal, mas completamente esvaziada em seu núcleo duro. O fato é que a nossa Constituição não foi tecnicamente revogada ou suspensa – o que não era conveniente nem necessário –, mas sim violada em diversos de seus eixos sociais e econômicos que emprestavam sentido a organização estatal. A Constituição já não existe tal qual pactuada em 1988, ela foi quebrada, e o pacto político democrático possível então elaborado foi brutalmente rompido por uma oligarquia capitaneada pela dupla PSDB-PMDB, secundada pelos também minúsculos capitães de outras agremiações.

A opção pela revogação ou suspensão expressa da Constituição de 1988 foi substituída por um movimento mais sutil, mas não menos agressivo ou cruel, a saber, a ação parlamentar, comprada junto a indivíduos destituídos de votos. O argumento público através do qual este conjunto de atores pretende apresentar alguma justificativa para as suas práticas bárbaras é que vivemos tempos excepcionais, e que estes momentos requerem medidas também excepcionais. Mas se acaso os tempos são realmente excepcionais, então, eles não requerem que todos sofram compartilhada e coletivamente estas consequências excepcionais? Segunda pergunta: todos que me leem já não pensaram que nunca faltaram recursos para aumentar os altíssimos salários de magistrados, membros do Ministério Público e outros membros da altíssima casta que exerce poder sobre os poderosos? Afinal, não está claro que o Estado de exceção econômico é absolutamente bem recortado e cristalinamente seletivo?

O cenário de exceção econômico (que a mídia assim não declara) é o discurso elaborado acima do andar em que aparece Meirelles, a mão-de-obra executiva mal articulada, em conjunto com os seus achegados, apresentando ao povo um país em “profunda crise”. Mas, ora, em nenhum caso Meirelles e a sua trupe de tecnocratas adestrados acreditam que esta “profunda crise” é suficiente para, por exemplo, não pagar auxílio-moradia para juízes e promotores públicos que tenha casa própria, senão que repetem pagamento mês após mês sem doer-lhes o fato de que crianças e idosos podem perecer por sua escolha.

A geronto-oligarquia no poder convive satisfeita de mãos dadas com João Doria apoiando política pública que veda que crianças famintas repitam a merenda na escola (se ainda tiverem uma para frequentar!). Esta abjeta geronto-oligarquia compartilha a convicção do já famoso juiz Renato Nalini de que os juízes não podem repetir ternos a cada dia da semana, e assim Nalini repete Maria Antonieta em seu profundo desdém pela vida de homens e mulheres empobrecidos. Tampouco podemos esquecer de que os tribunais são abastecidos robustamente com toda a espécie de iguarias em quantidades homéricas para que homens gordos satisfaçam a sua gula com recursos públicos que faltam para que crianças simplesmente repitam um pão com manteiga e um copo de leite. Nem sequer o opróbrio e o horror são capazes de descrever tal estado de coisas. Em síntese, é isto: não podem ser alocadas verbas para que as crianças repitam a merenda nas escolas, mas devem ser alocadas verbas suficientes para evitar que os magistrados repitam ternos! Afinal, o que causaria estupor e horror ao leitor(a), uma criança faminta ou a foto de um magistrado repetindo terno? Terceira pergunta: se a crise econômica é mesmo tão intensa e exige tanto do povo, quase a vida, por qual motivo não faltam cerca de R$10 bilhões ao Governo para concretizar o perdão às grandes empresas do setor agrário?

A caduca geronto-oligarquia brasileira que violou o sistema democrático-constitucional brasileiro apoia a concessão de auxílio-paletó para quem já ganha fortunas e já veste as mais famosas grifes, mas também lhes oferece auxílio-alimentação, paga motorista e veículo oficial (devidamente abastecido!), e verba para livros, em suma, penduricalhos-mil os mais incríveis e inenarráveis. Acaso realmente poderiam as instituições “não funcionar” recebendo tamanha carga de prebendas? Mas para quem? Orientadas por quais propósitos? Talvez não funcionassem se não dispusessem desta carga nobiliária de prebendas de fazer inveja aos magnatas do petróleo mundial, mas que aos favorecidos não causa o menor rubor, desde logo, salvo raríssimas exceções como o recentemente aposentado PGR e ex-Ministro da Justiça, Eugênio Aragão, incansável na denúncia destas condições inaceitáveis que fazem o enxofre parecer uma agradável, suave e entorpecente brisa de verão.

Especificamente no caso do Ministério Público de São Paulo, em torno de 97% dele, contando os penduricalhos, ganha ACIMA do teto constitucional previsto. Este conjunto de impolutos homens e mulheres que não hesita em apontar o dedo para as chagas do mundo com a pretensão de redimi-lo, o faz com pés de barro que a mídia insiste em ocultar. Qual a posição política dos pró-homens anticorrupção e moralização total da nação? Tergiversam sob o falso manto da neutralidade e enterram as cabeças na terra quando deveriam agir em desfavor dos seus, mas já voltam à ação quanto se trata de prestar apoio à reforma do Estado que corta aposentadorias, que extirpa direitos sociais, que elimina vidas ao recortar as verbas para a saúde e também hipoteca esperanças e o desenvolvimento do país ao reduzir drasticamente o investimento em educação. É um acinte, uma vergonha, um desrespeito, um abuso, uma ofensa, uma ignomínia. A pergunta que nunca é feita pela grande mídia é de dupla ordem: (a) para quem mesmo estas “instituições estão funcionando” desde a concretização do golpe de Estado de 2016?, (b) qual o real motivo que mantém a população inerte mesmo quando é exposta à morte?

Estes atores dispõem de um conjunto de privilégios econômicos mensais que cobre de suas necessidades alimentares (auxílio-alimentação) à vestimenta (auxílio-paletó) passando pela moradia (auxílio-moradia) e transporte (veículos oficiais com motorista e combustível), o que faz a cidadania que observa este circo de horrores habitado pela toga levantar uma pergunta crucial: afinal, se nada do que os homens e mulheres “comuns” pagam com os seus salários esta casta precisa pagar com o seu, então, para que mesmo serve o vencimento pago a eles(as) regiamente mês a mês? Não seria o caso de retirar-lhes o vencimento e deixar-lhes com o acessório específico que já cobre todas as necessidades da vida? Como o presente Governo que precisa pagar para manter-se no poder enfrenta esta questão?

Os detratores do Estado acusam o funcionalismo público de baixo extrato salarial de comprometer as finanças públicas, apontam-lhe o dedo, e culpam-no pelo suposto comprometimento do orçamento público. A ampla casta logo passa a redigir insanas políticas voltadas a eliminação de quadros que prestam relevantes serviços à população para proteger os seus interesses e os daqueles que a financia. Entre covardia e auto-interesse, aumenta pornograficamente os ganhos econômicos e todo o tipo de privilégios. É preciso que permaneçamos atentos todos os dias às decisões estapafúrdias e indiferentes aos mais caros princípios democráticos, insistentemente tomadas pelas mais altas cortes. Isto revela evidente dissociação das expectativas protetoras de uma política popular e democrática, concretizadora das aspirações de uma oligarquia e de um elitismo que desonram os anos de resistência popular contra uma elite que se revela inimiga da justiça social.

Ao longo do tempo a casta qualificou-se como braço executor judiciário do golpe de Estado de 2016 ao qual continua a prestar imprescindível apoio legalizador de toda a sorte de abusos, e assim constitui a sua atuação entre os mais pró-ativos e os omissos que recebem por seu silêncio obsequioso aos que destroem a república. Quarta questão: se a crise econômica é mesmo tão intensa por qual motivo não faltam recursos para os sucessivos aumentos para a nova face da nobreza, os membros privilegiados do Poder Judiciário e do Ministério Público, enquanto que, por outro lado, faltarão recursos para pagar a conta telefônica, de eletricidade e de água das Universidades públicas que preparam o futuro de todo um país de 200 milhões de homens e mulheres? Simplesmente não há justificativa, por nenhum ângulo que examinemos, exceto a pura violência e arrogância de quem detém muito poder e dele abusa de forma tão flagrante até mesmo quando o preço de sua ousadia seja a fome, a educação e a saúde de tantos miseráveis.

O fato é que o citado momento de excepcional crise econômica, malgrado tudo quanto se diz, não se configura enquanto tal, senão que a crise está no coração e núcleo duro do atual Governo geronto-oligárquico e de todos aqueles que se apoderaram da órbita do poder federal. Inversamente à lógica da política de procurar ocupar o poder e tomá-lo de um fragilizado grupo de saqueadores, eis que os parasitas preferem cobrar alto preço para não retomá-lo. Eles consideram-se à gosto, plenamente confortáveis na posição de sanguessugas sem nenhum ofício ou dever, e cobram altíssimo preço para chancelar o crime político cometido e o fazem sucessivas vezes para apoiar a continuação do processo de espoliação do país. O núcleo da crise, o seu alto preço, não está em algum lugar do passado como querem fazer crer os violadores do poder, mas está hoje, aqui e agora constituído, e tem nome e endereço: Temer. Quarta pergunta: se os recursos estivessem absolutamente esgotados para sufragar gastos essenciais com a saúde e a educação do povo brasileiro, como o atual Governo teria conseguido desembolsar cerca de 15 bilhões de reais para beneficiar e praticamente perdoar a íntegra da dívida de empresários milionários e reiteradamente devedores do Estado? Mas o preço precisa continuar a ser pago, e a venda de 47% da Eletrobrás deve disponibilizar aproximados R$20 bilhões para que Temer continue a pagar para manter-se no poder.

O Estado de exceção econômico é do tipo que onera os pobres e privilegia os ricos e milionários. O Estado de exceção econômico inverte a função estatal de atender as necessidades básicas da população e, no caso brasileiro, desobedecendo princípios constitucionais que apontam para a redistribuição, o combate à miséria e a tributação progressiva. O Estado de exceção econômico é apresentado para a população brasileira com o objetivo justificar a barbárie desenhada e executada por janotas como Henrique Meirelles, cuja paga de bem mais de R$250 milhões apenas no último ano de 2016 foi o suficiente para convencê-lo a aplicar políticas que radicalizam a miséria e extraem os parcos recursos dos mais pobres para enriquecer ainda mais a oligarquia que contrata os seus serviços, prestando-se ainda mais para a defesa dos interesses promotores da derrocada da economia brasileira e de suas vias de desenvolvimento, e tudo sempre em nome do suposto esforço para “superação” da profunda crise econômica.

O grupo que se apossou do poder reitera o discurso do déficit público, da necessidade de “ajuste das contas públicas”, esquecendo de que as centenas de bilhões que são devidos ao Estado pela criminosa oligarquia constitui a verdadeira razão de déficit nas contas públicas, e nunca os gastos com postos de saúde e com educação para os mais pobres, sendo exemplo gritante disto os altos créditos que a Previdência Social deixa de receber de seus contumazes devedores. Quinta pergunta: considerando este cenário pérfido que é desenhado com o objetivo de legitimar a carnificina dos direitos sociais, então, como justificar os recursos financeiros disponibilizados pelo Governo Temer quantificáveis em aproximados 5 bilhões de reais, ou os outros 100 para as telefônicas ou ainda a venda de ativos do pré-sal para a francesa Total pela Petrobrás de Pedro Parente/Temer por 2 bilhões e não pelos 20 que realmente vale?

Mas se é realmente verdade que vivemos em tempos que o conjunto dos direitos sociais constitucionalizados podem ser alterados, profundamente prejudicados e, em alguns casos, até revogados, então, se a crise é tão intensa como diz a geronto-oligarquia no poder, logo, a medida precisa ser clara e bem compreendida: quem é detentor de grandes recursos financeiros é que deve ser o primeiro e direto alvo das medidas de exceção. A geronto-oligarquia não entende que o direito de propriedade deva ser alvo de idênticas medidas de excepcionalidade, através, por exemplo, do confisco de 70% dos ativos e bens que os possuidores de mais de 2 milhões de reais disponham. Inversamente, propõe que o ônus da reversão da crise recaia sobre amplo conjunto da população que não terá postos de saúde, hospitais ou médicos em face dos “recortes orçamentários”, o que equivale a aceitar passivamente a morte de homens e mulheres.

A única medida política plausível para a excepcional situação econômica que nos persuadem que estamos a viver é a retirada do dinheiro das mãos daqueles que tortuosamente o obtiveram e, se a situação é realmente limite, retirá-lo de onde ele sobra para além das necessidades básicas, ao menos temporariamente, e que o Estado trate da emissão de bônus resgatáveis a quem disponha de fortuna arrecaddaa em tempos de bonança para que, quando novo bom momento atingir a nação, então, recebam parte desta fortuna, o que não implicaria restituir recursos enviados ilegalmente para o exterior. Muito dura a medida talvez dissessem alguns, mas e o que dizer das milhares de pessoas que se aglomeram à espera de atendimento médico todos os dias em filas intermináveis de hospitais ou que neles não tem sequer a chance de atendimento e morrem ali mesmo, dada a deficiência de atendimento ou pela pura falta de recursos? Acaso isto não é muito radical? O que dizer, objetivamente, destas pessoas que morrem nestas condições quando o argumento contrário é “proteger a propriedade” de devedores contumazes do Estado? O que dizer dos milhares de jovens que veem seu futuro negado pelo recorte dos recursos na educação em todos os níveis e o comprometimento do desenvolvimento da nação? O que dizer das massas de homens e mulheres que trabalharão até o seu último dia sem conhecer o descanso antigamente conhecido como direito à aposentadoria? Onde, realmente, está o mal?

Direitos violados, embora tempo incerto, cidadãos que migrarão velozmente do espanto à reação. Não há outra via para a racionalidade humana ordinária, e o fato de apressar os atos de violência contra a massa serve como catalisador deste movimento de desfecho imprevisível. O colapso do poder político tal como presenciamos no Brasil o conhecemos no dia 17 de maio de 2017, quando a tristemente célebre e reveladora gravação de Temer o expôs visceralmente na calada da madrugada na garagem do Palácio do Jaburu. Este fato precificou o poder e virtualmente determinou o fim do Governo Temer que apenas permanece em (más) funções à custa de pagamento de aluguel cujos locatários compõem a habitual e bem conhecida malta. É então que os atores que tripudiam sobre o povo e abusam do poder através de medidas de exceção começam a perder a sua utilidade, malgrado os esforços do trio Temer-Gilmar-Aécio observados à distância por Cunha. Creem torpemente que o seu triunfo é ilimitado e eterno, creem poder realizar toda a sorte de arbitrariedades e resultar impunes assim como os piores marginais.

Mas eis que algo habita o coração dos homens, mesmo nos momentos mais adversos, sentimento presente ainda naqueles mais modestos e recatados, dos mais propensos à resignação, um sentimento de apreço à liberdade, à dignidade e ao autorrespeito. O cenário contraditório de pressão contra homens e mulheres e seu sentimento de irresignação enseja o fim de uma época enquanto gesta uma nova, assim como ocorreu em seu momento o ocaso da nobreza que um dia rodou sob a afiada guilhotina francesa. A crueza com que são falsificadas as relações humanas e o grau de opressão com que a geronto-oligarquia exerce o poder dispõe de potencial inesgotável para despertar o mal com inaudito rigor. Forçar os dias, forçar e massacrar os homens e corromper as instituições é uma grave culpa da qual apenas a história poderá dar o real testemunho. Forçar o horizonte e as suas possibilidades, e não os homens e mulheres. Para fazê-lo a estratégia é justamente aproveitar-se de quando os dias estão bloqueados, e é então que devemos sonhar os sonhos que o tempo quer frear cristalizando a vida. Reverter o sinal da história é possível, mas nunca sem a reunião de todas as nossas forças coletivas em só e incontido rumo. Não saber ao certo o porvir nunca nos absolverá de empregar-nos para prevenir desfechos tétricos.

Roberto Bueno. Professor universitário.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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