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Juristas lançam carta-denúncia contra Estado policial fascista montado por consórcio midiático-jurídico

Dezenas de juristas assinaram carta, reproduzida abaixo, que denuncia o Estado policial fascista vigente no país, implementado por operações como a “Lava Jato”, “Carne Fraca” e “Ouvidos Moucos”, todas com postura similar: são conduzidas com grande suporte midiático, não respeitam a dignidade das pessoas investigadas e desprezam profundamente os princípios consagrados, em nossa Constituição, como […]

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Dezenas de juristas assinaram carta, reproduzida abaixo, que denuncia o Estado policial fascista vigente no país, implementado por operações como a “Lava Jato”, “Carne Fraca” e “Ouvidos Moucos”, todas com postura similar: são conduzidas com grande suporte midiático, não respeitam a dignidade das pessoas investigadas e desprezam profundamente os princípios consagrados, em nossa Constituição, como a presunção de inocência e o direito à liberdade.

A morte trágica do reitor Luiz Carlos Cancellier foi a gota d’água. Os operadores da Lava Jato – e seus seguidores em outras operações – estão copiando o que há de pior da operação italiana Mãos Limpas, que terminou melancolicamente com uma série de suicídios, a destruição de importantes partidos políticos, recessão econômica e, por fim, com vinte anos de hegemonia política de Silvio Berlusconi. Ao cabo, os próprios magistrados das Mãos Limpas admitem que a operação não diminuiu a corrupção no país, e que a única maneira eficiente de combater a corrupção é através da redução das desigualdades e do investimento em educação. Ora, a Lava Jato produziu um golpe de Estado que, justamente, está promovendo um aumento brutal da desigualdade e um corte profundo nos investimentos em saúde, educação e infra-estrutura. Além de ter levado ao centro do poder um grupo de corruptos que, antes, se limitava a lamber as bordas do prato.

Pode-se afirmar, portanto, que a Lava Jato não apenas contribuiu decisivamente para o aumento da corrupção no Brasil, como destruiu décadas de jurisprudência democrática e humanista, implementando um brutal regime de exceção, que prende e tortura pessoas, sem prova, e as expõe, cruelmente, para se legitimar, ao circo midiático que o próprio regime corrompe descaradamente através de vazamentos ilegais, que valem muito mais que malas de dinheiro.

A carta-denúncia é muito direta, como exige a gravidade da situação:

(…) Operação Ouvidos Moucos repete o padrão de atuação da Operação Lava Jato, que é similar ao padrão que se viu recentemente na Operação Carne Fraca, e de outras operações juridico-policial-midiáticas em curso no país. Delegados da Polícia Federal e Procuradores da República, numa reprovável sanha por holofotes e reconhecimento público, acusam pessoas a partir do que eles entendem como incriminador, quando muitas vezes o que possuem são informações desencontradas, denúncias anônimas, documentos incompletos e provas ilícitas, e sem realizarem antes qualquer diligência preliminar para verificarem a verossimilhança e a legitimidade da informação recebida.

O presidente da comissão de direitos humanos da OAB-PI, Marcelo Mascarenha, é um dos juristas que estão articulando as assinaturas. O documento será lido em sessão solene a ser realizada nesta terça-feira, 31.10, às 11h, no plenário do Senado. Quem quiser assinar a carta, enviar email para: mascarenha@gmail.com.

Os juristas conclamam todos a comparecerem presencialmente à sessão.

A íntegra da carta em PDF está aqui. O mesmo documento segue transcrito abaixo.

A grande imprensa tem responsabilidade direta sobre esta situação. As chantagens políticas que intimidam, até hoje, tribunais superiores, forçando-os a acatarem as violências e arbítrios de juízes de primeira instância, partem principalmente dos grandes meios de comunicação.

Alguns setores sociais importantes já perceberam que o regime policial fascista, que se imaginava apenas provisório, com objetivo de derrubar o governo Dilma e prender políticos de esquerda e empresários com os quais estes, eventualmente, tiveram algum tipo de ligação, saiu de controle e começa a atacar toda a sociedade.

***

O CASO DA MORTE DO PROF. CANCELLIER E A OFENSA AOS PILARES DO ESTADO DEMOCRÁTICO NO BRASIL:

No dia 02 de outubro de 2017, os brasileiros acordaram com a notícia de mais um evento trágico que marca este período sombrio pelo qual o país vem passando desde que se tornaram comuns operações jurídico-policiais com forte cobertura midiática: o suicídio do Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Prof. Dr. Luis Carlos Cancellier Olivo.

Após ver sua vida destruída por uma operação autoritária (denominada de “Ouvidos Moucos”) conduzida por agentes do sistema de justiça criminal (Polícia Federal, Ministério Público Federal e Justiça Federal), Prof. Cancellier se jogou de um vão do Beiramar Shopping em Florianópolis/SC, pondo fim ao tormento pelo qual passava por não suportar ter sido acusado e preso injustamente por crimes que não cometera.

A morte do Prof. Cancellier foi o desfecho trágico, mas anunciado diante da forma como os aparelhos de repressão penal vêm funcionando no Brasil. A sua prisão açodada e a exposição midiática do caso o transformaram do dia para a noite em inimigo do povo, colocando sobre seus ombros o dever de provar que era inocente, o que é mais clara subversão dos valores que regem a democracia.

A Operação Ouvidos Moucos repete o padrão de atuação da Operação Lava Jato, que é similar ao padrão que se viu recentemente na Operação Carne Fraca, e de outras operações juridico-policial-midiáticas em curso no país. Delegados da Polícia Federal e Procuradores da República, numa reprovável sanha por holofotes e reconhecimento público, acusam pessoas a partir do que eles entendem como incriminador, quando muitas vezes o que possuem são informações desencontradas, denúncias anônimas, documentos incompletos e provas ilícitas, e sem realizarem antes qualquer diligência preliminar para verificarem a verossimilhança e a legitimidade da informação recebida.

Com base em “meras suspeitas”, PF e MPF passam a requerer aos juízes federais medidas de força, como conduções coercitivas e prisões cautelares, muitas vezes à revelia dos requisitos legais. Tais medidas são quase sempre deferidas pelo Judiciário, que passa a ser avalista das operações policiais e consorte na destruição dos pilares do Estado Democrático de Direito.

Medidas como condução coercitiva, busca e apreensão domiciliar e prisão cautelar, medidas excepcionais que deveriam ser adotadas com cautela, tornaram-se a regra, com a finalidade de promover a exposição midiática de pessoas investigadas, uma vez que tais operações são sempre desenvolvidas sob os holofotes da imprensa para serem vendidas para opinião pública como a forma mais bem sucedida de se fazer justiça. Também é na imprensa que se fará desde logo o linchamento moral do suspeito, este sempre escolhido a dedo de acordo com as conveniências de quem conduz a operação.

As medidas de força também são deferidas com o intuito de submeter o investigado ao terrorismo de Estado. Agentes da Polícia Federal cumprem os mandados de condução coercitiva, busca e apreensão e de prisão sempre vestidos como se fossem combater inimigos (vestem coletes, roupas pretas, balaclava). Empunhando armas, entram em residências em grupos de vários homens, surpreendem os moradores ainda de pijamas ao raiar do dia, vasculhando tudo, submetendo o cidadão ao olhar desabonador de seus vizinhos, ao medo e ao desespero de não saber do que se trata tudo aquilo e o que lhe acontecerá a partir de então.

O mais grave: a condução coercitiva visa a impedir que o investigado possa ter acesso prévio aos elementos que constam da investigação e de ter contato prévio com seu advogado, o que é um ataque descarado ao direito à ampla defesa.

A cobertura midiática do cumprimento dos mandados amplifica o quadro de violações aos direitos fundamentais dos investigados. A ideia é com a cobertura midiática angariar apoio popular para a operação e fazer o justiçamento imediato de pessoas que sequer podem ou puderam defender a sua inocência pelo exercício do contraditório. Nesse contexto, a palavra do investigado fica descredibilizada e restam afastadas suas garantias constitucionais por ser ele tido como inimigo do povo.

Com a opinião pública a favor da operação, fica mais fácil para o Estado Policial seguir na sua sanha punitivista, destruindo vidas e, com elas, nosso novel Estado Democrático de Direito. Acuados pela imprensa e pelo público, os Tribunais de Apelação e Superiores se curvam aos desmandos de delegados, promotores e juízes, negando recursos da defesa e avalizando toda sorte de violações às garantias constitucionais.

O justiçamento midiático é instrumento do aparato de repressão penal para minar a garantia da presunção de inocência, facilitando a condenação do investigado pelo Judiciário sem qualquer prova cabal de sua culpa.

Deve-se alertar para o fato de que violação aos direitos humanos das pessoas acusadas da prática de crimes pode dar ensejo à responsabilização internacional do Estado brasileiro no sistema interamericano de proteção aos direitos humanos, uma vez que o Brasil é parte do Pacto de San José da Costa Rica de 1969 e está submetido à fiscalização da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Aliás, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em julgamento recente (caso Zegarra Marín vs. Peru, sentença de 15 de fevereiro de 2017), assentou que a violação à presunção de inocência constitui grave violação aos direitos humanos de pessoas acusadas pelos agentes do sistema doméstico de justiça criminal.

A trágica morte do Prof. Cancellier é a denúncia banhada de sangue de que o Estado Policial no Brasil faz suas vítimas à luz de holofotes, não poupando biografias e tampouco a dignidade humana. É preciso cobrarmos a responsabilidade pelo suicídio do Dr. Cancellier, cuja morte representa o ápice do Estado Policial que se instaurou no país! É preciso revelar a farsa das operações espetaculares que têm destruído vidas humanas e a democracia no Brasil! Só assim se colará um basta na atuação autoritária dos agentes de repressão penal que não medem esforços para minar o nosso jovem Estado Democrático de Direito.

REQUERIMENTO:

Ante o exposto, resta manifesto que está a se instalar no Brasil um verdadeiro Estado Policial que não respeita as garantias constitucionalmente asseguradas, motivo pelo qual se requer dignem Vossas Excelências a instaurarem procedimento investigatório para apurar os excessos e abusos no âmbito das operações jurídico-policial-midiáticas em curso no país, de um modo especial aquela que levou ao suicídio do Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Prof. Dr. Luis Carlos Cancellier Olivo.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Regina Maria

30/10/2017 - 22h13

O Reitor nos deu o exemplo e a senha da resistência. Por nossa vida ou por nossa morte, denunciar o estado policial, a ditadura da opressão estrangeira sobre a rica nação tropical, cada vez mais absurdamente desigual. Certo que a lição deve ter sido de uma dor imensa para o Reitor: física e moral, mas pode nos levar à libertação. Amanhã no Senado tb quero prestar minhas homenagens ao Reitor Cancellier. Paz, Reitor Cancellier!

Oleg

30/10/2017 - 17h21

A história ensina como se combate o fascismo.
Com bala de AK47.


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