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Reformas: o que 40 anos de privatizações, flexibilização do trabalho e terceirizações na Grã-Bretanha podem nos ensinar

foto: bbc O que mantém Temer em seu lugar? Para parafrasear um assessor do Presidente Americano, Clinton: são as reformas, idiota! O temeroso está fazendo de tudo para aprovar a reforma trabalhista e conseguir pôr em marcha a da previdência. Seria, portanto, interessante examinar os resultados de reformas similares na Grã-Bretanha, um dos países que […]

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foto: bbc

O que mantém Temer em seu lugar?

Para parafrasear um assessor do Presidente Americano, Clinton: são as reformas, idiota!

O temeroso está fazendo de tudo para aprovar a reforma trabalhista e conseguir pôr em marcha a da previdência.

Seria, portanto, interessante examinar os resultados de reformas similares na Grã-Bretanha, um dos países que primeiro as introduziram a quase 40 anos atrás.

Obviamente que não é possível transferir experiências diretamente de um país a outro. Mas o exercício de comparação é válido.

Primeiro já advirto, aqueles que esperam ver neste artigo os fundamentos de sempre para qualificar o que é uma ‘economia exitosa’, não os encontrarão aqui.

As seguintes perguntas norteiam este artigo:

Quais são as reais consequências para a sociedade da destruição da social democracia e do retorno do Estado liberal, que não proporciona proteção aos que necessitam?

O que acontece com as pessoas, quando elas vivem em sociedades individualistas e não se juntam em coletivos para lutar contra os mais fortes?

E considerando os anos do Thatcherismo e o surgimento do New Labour ou, se quisermos, os últimos anos da guerra fria até o tal ‘fim da história’: Mesmo se aceitarmos a anunciada ‘morte da ideologia’, será que realmente não importa qual agente (público ou privado) atua em prol do Estado, portanto que atue eficientemente e sob conceitos científicos (a chamada terceira via)?

E especificamente em relação ao Brasil: o que 40 anos de experiências britânicas de privatizações, terceirizações, flexibilização das leis trabalhistas e a forçada redundância dos sindicatos poderiam nos ensinar para que evitássemos os mesmos erros?

Recentemente, uma série de eventos, já bem documentados, tiraram a pacata política britânica dos eixos.

Relembremos:
– eleições que desembocaram na falta de maioria (ou maioria pequena) num parlamento acostumado com maiorias partidárias;
– o Brexit;
– maior polarização entre a direita e a esquerda, num sistema acostumado a apelar para o ‘centro’ e;
– o crescimento exponencial da popularidade de Jeremy Corbyn, líder dos Trabalhistas. Primeiro na sua base partidária e de esquerda e depois no país como um todo.

Isso tudo nos leva a uma pergunta:

A reviravolta da política britânica não estaria relacionada às consequências acumuladas das políticas liberalizantes aplicadas nos últimos 40 anos?

E, em relação ao Brasil, se isso for o caso, quais as lições que podemos tirar em relação às reformas que este Congresso e o Presidente ilegítimo querem forçar goela a baixo?

Já debati em outro artigo os ganhos dos Trabalhistas e as razões pela sua ‘inesperada’ popularidade. Sinalizei que um dos motivos seriam as políticas progressistas do programa de governo proposto.

Para que fique claro: apesar do que dizem muitos, não estamos falando do ‘ressurgimento do comunismo’. O que Corbyn propõe não é mais que um modesto retorno à social democracia.

O fim do consenso social-democrático

Em 1979, Thatcher assume o poder depois de um período de turbulência política e econômica.

Mais especificamente, o Partido Trabalhista não conseguia fazer maioria e – reza a mitologia política – nem manter o controle sobre os sindicatos, para poder estabilizar a economia.

Thatcher é eleita na primavera de 1979, depois do chamado winter of discontent (inverno de descontentamento), frase emprestada de Shakespeare para descrever as grandes greves dos setores públicos, que atrapalhavam o dia a dia das pessoas, inclusive com quantias de lixo não recolhido, que se amontoavam pelas ruas.

A Primeira-ministra britânica estava determinada em quebrar o poder dos sindicatos, como de fato o fez, e introduzir uma nova ideologia, o neoliberalismo, acabando com o consenso socialdemocrata estabelecido durante o segundo pós-guerra.

O auge da sindicalização dos trabalhadores Britânicos se deu, justamente no final dos anos 70 e, de tudo que Thatcher fez, talvez o mais significativo tenha sido enfraquecer os sindicatos.

Quando Thatcher entrou, 13 milhões de trabalhadores (aprox. 50%) eram sindicalizados, número que se reduz para menos da metade em 2012, quando a força de trabalho total é maior do que era nos anos 70.

Thatcher mudou as leis trabalhistas, privatizou grandes empresas públicas, algumas das quais, como a mineira, desapareceram completamente e outras, como a siderúrgica, se mantém por um triz.

De uma economia de produção para uma economia de serviços

Como também já explicado em outro artigo, a base econômica do Reino Unido, mãe da revolução industrial, mudou da manufatura para os serviços, que hoje empregam aproximadamente 80% da força de trabalho, em setores como finanças, comércio, turismo e educação.

Atualmente, o Reino Unido vive de e exporta know-how. As poucas indústrias que sobraram são de alta tecnologia e empregam um número pequeno de trabalhadores (8% da força de trabalho; 10% do PIB).

Sem sindicalização a erosão dos direitos trabalhistas é fácil

Estas mudanças podem ter sido ótimas para a riqueza geral do país, mas não para grande parcela da população. Isso porque os chamados ‘serviços’, apesar de empregarem trabalhadores colarinho branco, incluem inúmeras profissões, muitas das quais não proporcionam boas condições de trabalho ou salários.

De acordo com estudo do OCDE, a incidência de trabalho meio período é maior no setor de serviços, os contratos mais curtos, e parcela dos empregos de menor qualidade.

Apesar das más condições, não há nestes serviços, um ‘chão de fábrica’, local propício para a sindicalização e a reivindicação de direitos. Situação que se aprofunda uma vez que boa parte de serviços públicos são terceirizados.

Depois de Thatcher, Major (Conservador) e Tony Blair (Trabalhista) continuam as reformas:

Major introduziu o ‘mercado interno’, trazendo a concorrência para dentro dos setores públicos, como saúde e educação, e fez das Parcerias Público Privadas (PPPs) formas corriqueiras de prestação de serviços públicos.

Assim, muitos serviços que antes eram executados diretamente por servidores públicos, e garantiam aos trabalhadores contratos formais e direitos, foram terceirizados ou diretamente privatizados.

Em outras palavras, em muitos setores, o Estado compra serviços de empresas terceirizadas que, por sua vez, também os terceirizam.

Assim, o Estado, que tem o dever de dar condições decentes para os trabalhadores, pode fechar os olhos para as más condições oferecidas pelas empresas contratadas por eles.

Os efeitos da flexibilização, gênero e classe

O mais emblemático exemplo talvez seja o que aconteceu com os serviços sociais, prestados principalmente por mulheres, com salários baixos.

Quando havia financiamento, durante os anos Blair e Brown, estas trabalhadoras conseguiam sobreviver.

Com a crise, os governos locais, buscando economizar, cortaram o que lhes parecia mais fácil: os custos da terceirização que, por sua vez, afetaram as condições destas trabalhadoras.

Estudos mostram, que mesmo as organizações voluntárias (das quais se esperaria melhor ética), optaram por modelos que não beneficiam os trabalhadores.

Resumindo: o mais ‘flexível’ mercado de trabalho da Europa resultou em baixos salários e poucos direitos.

Flexibilização e produtividade

Aqueles favoráveis à reforma trabalhista dizem que a flexibilização melhoraria a produtividade do trabalho.

Isso não se constata na Grã-Bretanha.
A produtividade do trabalhador britânico fica a baixo não só da Alemanha, mas da França e da Itália, países conhecidos pelas suas legislações inflexíveis.

Os custos da flexibilização recaem sob os ombros da ‘sociedade’

Mas há outras consequências negativas da ‘flexibilização:

O governo britânico gasta £43bn ou R$181,5bn (17% da conta de segurança social) em benefícios para trabalhadores (complementação de salários baixos). E £27bn, R$ 113 bn (10%) em subsídios ao aluguel.

Em outras palavras, a Grã-Bretanha gasta £70bn ou R$295,5 bn, ou seja, mais de um quarto do gasto total da segurança social, para compensar a ‘flexibilização do mercado’ – seja complementando salários baixos, ou ajudando as pessoas a pagarem aluguel ao preço do mercado. Em ambos casos, em vez do governo ajudar os mais necessitados, está subsidiando os mais ricos.

É bem verdade que esta ‘flexibilização’ resultou em pouco desemprego (o nível o mais baixo desde 1975). Mas a que custo?

Salários baixos não só implicam nas empresas serem subsidiadas pelo governo, mas também em menos arrecadação de impostos.

Além do crescimento da chamada ‘gig economy’, onde os trabalhadores são pagos por serviços específicos e não têm contrato (porque, aparentemente, são autônomos), houve também o crescimento de contratos ‘zero horas’.

Uma grande parcela destes autônomos não trabalha tempo integral e metade ganha abaixo do mínimo.

Para dar um exemplo, algumas empresas preferem contratar 4 faxineiras para trabalhar 2 horas do que uma por 8 horas. Assim, se desvinculando do ônus empregatício e dos impostos devidos.

Alguns dizem que a ‘flexibilização’ é boa para os trabalhadores. Como sempre, ela pode beneficiar os trabalhadores altamente qualificados.

Porém esta não é a realidade da maioria, com menos qualificação.

É só prestar atenção em mais um fenômeno da economia britânica: o empobrecimento das famílias trabalhadoras.

A situação é tão séria que 55% dos denominados ‘pobres’ estão em famílias em que pelo menos uma pessoa trabalha. São 3,8 milhões de trabalhadores pobres, dois terços são mulheres.

E o que dizer do fato que na quinta maior economia do mundo, 8% dos adultos não tiveram o suficiente para comer em 2016 e uma boa parcela da população depende de cestas básicas para sobreviver?

O que pensar quando enfermeiras estagiárias do mais famoso sistema público de saúde do mundo precisam complementar suas rendas com um segundo emprego ou com ‘bolsas pobreza’?

Será que é de se surpreender, que num cenário destes, a população se recuse a continuar jogando o mesmo jogo político dos anos 80 ou 90?

Quem paga é o povo

Neste mundo em que as grandes empresas podem comandar a economia e ameaçar a se retirar de um país se não ganharem o que querem (sim, isto acontece aqui também) é o governo, e portanto os cidadãos, que acaba pagando.

Se é bem verdade que não seria possível reverter a queda de algumas indústrias, como a mineira, e que uma economia desenvolvida se transforma necessariamente em uma economia de serviços. Não foram feitos esforços suficientes para integrarem as pessoas que perderam seus empregos e nem assegurar que os empregos que surgiram das novas formas econômicas garantissem os direitos e os salários dos trabalhadores.

No meu artigo sobre o Brexit, citado acima, expliquei que as antigas zonas industriais não conseguiram se recuperar economicamente, mesmo 30 anos depois do desaparecimento de certas indústrias.

Depois de 40 anos de liberalização, o sistema político-econômico britânico está em crise.

Poderia falar sobre a crise de moradia e o fato que a maioria dos mais pobres já não se encontram em moradias sociais, mas em alugueis privados, e o custo socio-econômico disso para os indivíduos e para a sociedade.

Poderia mencionar aqui o incêndio na Torre de Grenfell, que mostra como governos locais, regidos pela tal “custo-eficiência” se esquivaram das regulamentações, e que depois de ter perdido absolutamente tudo, os moradores estão lutando para poderem permanecer em seu bairro e não serem enviados para localidades distantes, realidade relatada por Ken Loach em seu filme Eu, Daniel Blake.

Poderia falar de Kensington & Chelsea, bairro do incêndio, o mais rico e desigual do País. E mencionar o crescimento dos índices de desigualdade. Mas vou parar por aqui.

No Brasil, o auge da liberalização se deu nos anos 90, interrompido pela ascensão do Partido dos Trabalhadores ao poder. Tanto que, o objetivo econômico deste governo é fazer as reformas, parte intrínseca da aliança entre empresários, banqueiros, políticos de direita, e os corruptos envolvidos na Lava Jato.

É importante que nos demos conta do que isso significa.

Temos um Congresso comprado, em um Estado de exceção.

Se há algo que os verdadeiros donos do poder têm consciência é da dificuldade de passar tais reformas na democracia. Por isso tem que ser agora. Já! Com ou sem Temer.

Já deixamos passar a PEC do teto dos gastos, um absurdo mesmo em termos de economia ortodoxa. Como podemos fixar um teto para vinte anos num mundo volátil? A desvinculação da arrecadação do governo e suas despesas é a instalação do Estado Mínimo.

Deixamos também passar o absurdo da PEC da terceirização, múmia retirada de seu túmulo pelos mesmos Congressistas desdenhosos da população.

Não podemos deixar que passem a reforma trabalhista. Porque a não ser que consigamos anular todos os atos que foram passados durante este Estado de Exceção, os danos que estas reformas trarão serão imensos. E isso é quase impossível.

Como tentei mostrar aqui, quarenta anos de liberalização transformaram a Grã-Bretanha em outro país.

Sim, continua sendo a quinta maior economia do mundo. Sim, continua ditando o que deve ser feito nos outros países, exportando o seu know-how, mesmo sem saber se os resultados serão bons. A confiança que os britânicos têm em suas ideias não necessitam de provas.

Junto com os americanos, os britânicos exportaram o liberalismo para o mundo. Agora tentam lidar com as consequências.

E nós ainda queremos imitá-los? A que custo?

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Mariana T Noviello

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Comentários

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Silvio Elias

05/07/2017 - 23h57

    tunico

    05/07/2017 - 23h25

    olha um coxinha arrombado! kkkk

eu

05/07/2017 - 19h15

Recomendo o filme ‘I, Daniel Blake’, vencedor de vários prêmios, incluindo a Palma de Ouro em Cannes, que mostra a dificuldade de se obter benefícios diante da extrema burocracia inglesa.

Heloísa Coellho

05/07/2017 - 17h21

O que mais me deixa perplexa é o apoio da classe média assalariada e de servidores públicos ao Golpe de 2016 com seu pacote de neoliberalismo, e o silêncio da classe trabalhadora proletária. Quando cair a ficha, estaremos vivendo num país parecido com o México e com índices sociais subsaarianos. Dá uma tristeza!

    Clá

    05/07/2017 - 18h37

    Para Heloísa Coelho:
    Heloisa, acabei de abrir os comentários porque eu ia dizer a mesma coisa que você. Realmente, é impressionante! Já li reportagens dizendo “A população não quer as reformas”, “A população não quer o Estado Mínimo”. E eu pergunto: a população é retardada? Não quer mas não faz nada para fazer valer sua vontade? Não quer, mas boicota a greve do dia 30 de junho que, aliás, foi um grandíssimo fracasso. Não quer, mas continua inerte, como se nada estivesse acontecendo? Será que colocaram alguma coisa na água que é fornecida à população? Ou será pura burrice mesmo? Eu fico com a segunda opção. É desesperador!

Fausto Amaral DE Barros

05/07/2017 - 20h06

Ah!… Mas lá tem ‘fog’… fleuma… rainha…

Vera Moura

05/07/2017 - 19h40

Por exemplo: olha a merda que a Samarco fez. Olha quanto deve a Brasken de imposto e se faz de boazinha trazendo o Fronteiras que foi criado pela COPESUL, empresa nacional e gaúcha??? Com pesquisa de ponta no plástico verde? FHC vendeu, entregou tudo, comprou APS na EUROPA e nem aí. Importante um triplex fantasma. Inclusive venderam as fórmulas, resultantes de anos de trabalho, adoecendo os pesquisadores…


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