Por Theófilo Rodrigues
Volta e meia surgem nas organizações da sociedade civil polêmicas que polarizam em campos absolutamente opostos as temáticas das identidades e das classes sociais. Uma falsa polêmica que parece ter vindo à tona na esfera pública após o maio de 68 e que até hoje não foi bem resolvida. A mais recente delas se deu com a publicação de um texto do jornalista Luiz Carlos Azenha (ver aqui) e com a resposta do professor Dennis de Oliveira (ver aqui).
Digo se tratar de uma falsa polêmica na medida em que tantos bons nomes já parecem ter desmistificado esse antagonismo. A primeira vez em que esse problema foi encarado de frente de forma magistral, pelo que me recordo, foi em 1985 com a publicação de “Hegemonia e estrategia socialista”, clássico de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe que só em 2015 foi traduzido para a língua portuguesa.
Laclau e Mouffe organizam aquilo que consagram como uma política de “democracia radical”. E o que seria essa política de “democracia radical”? Dizem os autores: “Defendemos que as lutas contra o sexismo, o racismo, a discriminação sexual e em defesa do meio ambiente, precisam ser articuladas às dos trabalhadores num novo projeto hegemônico de esquerda (…) É isto que queremos dizer por democracia radical e plural”.
Dez anos depois, em 1995, a cientista política Nancy Fraser reorganizou aquilo que definiu como uma agenda “pós-socialista” em termos de redistribuição e reconhecimento. Para Fraser, o programa da esquerda nesses novos tempos deveria ser capaz de aliar a velha luta de classes empreendida pelos sindicatos e pela velha social democracia com as novas lutas dos movimentos sociais por respeito a identidades como gênero, raça e sexualidade. Em suas palavras, aliar a luta do campo econômico – redistribuição – com a do cultural – reconhecimento.
O que Fraser havia observado é que grande parte das lutas sociais são, na verdade, híbridas e precisam que soluções aplicadas nos campos da economia e da cultura sejam empreendidas concomitantemente.
Em 2005, Fraser deu um passo além ao incorporar em sua teoria da justiça, para além da redistribuição e do reconhecimento, uma terceira dimensão: a da representação, própria do campo político. Por representação compreende-se aqui a criação de mecanismos de participação que permitam aos oprimidos acessarem às instituições obstacularizadas do Estado.
Aliar identidade e classe deveria ser, portanto, a estrategia da esquerda nos novos tempos. Contudo, quem executou esse aggiornamento programático com maestria parece ter sido a direita na década de 90. Primeiro, com os “Novos Democratas” liderados por Bill Clinton, em seguida com o “Novo Trabalhismo” de Tony Blair, mas também com Fernando Henrique Cardoso no Brasil, Ricardo Lagos no Chile e Gerhard Schroder na Alemanha. Era a chamada “terceira via”, referenciada teoricamente no sociólogo britânico Anthony Giddens.
O que essa “terceira via” operou foi um perfeito casamento entre as pautas identitárias – ações afirmativas, cotas, etc – com um programa econômico neoliberal de financeirização econômica e redução do papel do Estado. Foi a isso que Fraser, em recente texto sobre a vitória de Trump chamou de “neoliberalismo progressista” (ver aqui).
Enquanto a esquerda se dilacerava para apontar qual seria a verdadeira luta a ser travada, redistribuição ou reconhecimento, a direita, sem muita cerimônia, realizou. A vitória presidencial de Macron na França é exemplar disso.
Mas nem tudo está perdido. Apesar da vitória de Macron, também houve a derrota da terceira via proposta por Hillary Clinton nos EUA. Ao mesmo tempo, assistimos novas estrategias da esquerda avançarem por todo mundo – Bernie Sanders nos EUA, Jeremy Corbyn na Inglaterra, Podemos na Espanha, Mélenchon na França, Geringonça em Portugal etc – com uma narrativa clara de “democracia radical”.
Aliar a agenda identitária com a anticapitalista não só é possível, como urgente. Mas para isso é necessário mais generosidade e menos arrogância de quem sabe qual é a “verdadeira” luta.
Theófilo Rodrigues é professor de Teoria Política Contemporânea do Departamento de Ciência Política da UFRJ.
José Fernando Lopes
24/06/2017 - 01h37
É ISO AÍ A PALAVRA DE ORDEM ESA ACIMA NA FAIXA!!!!!!
Carlos Rocha
24/06/2017 - 00h21
A polarização é necessária, para cada um entender o seu papel e lutar por sua posição, o empresário deve lutar por si, os trabalhadores tem que lutar por si e nesse conflito não belicoso, aquele que ganhar, por sua força e na dialética que faça um bom uso de sua conquista.
José Antonio
22/06/2017 - 15h42
Artigo com várias imprecisões. Nunca existiu neoliberalismo progressista. Os dados do Banco Mundial confirmam esse fato. A terceira via demotucana foi uma fraude gigantesca levada à termo pela mesma orquestração golpista que governa hoje. Desde sempre aliados, as velhas oligarquias, o sistema juridico legal (promotores e juizes) e o instrumento da propagação ideológica, a Globo. Não existe termo de comparação entre uma rediscussão do papel das esquerdas na Europa frente à regimes de austeridade, com o imaginário escravocrata de uma elite atrasada, inerentemente fascista e que não hesita em destruir a ilusão eleitoral burguesa quando pressente perda de poder. Aqui, a classe trabalhadora tem que evoluir rapidamente em novas formas de luta, não descartando inclusive o enfrentamente institucional.
Roberto
22/06/2017 - 14h28
A classe média adora inventar teorias para negar a luta de classes.
Mas a luta de classes EXISTE. E não é nenhuma “nova esquerda” que vai extingui-la.
A “nova esquerda” está no governo na Grécia, e obedece caninamente os desígnios de banqueiros e rentistas. Quem paga o pato é o povo grego.
A “nova esquerda” é a direitista Marina Silva, a serviço do Itaú, contra o povo brasileiro.
Esse artigo me fará visitar menos (bem menos) o site “O Cafezinho”.