Espiando o poder: análise diária da grande imprensa
Foto: Denny Cesare/Código 19
Por Luis Edmundo Araujo, colunista do Cafezinho
As manchetes são neutras, óbvias como as de ontem. Tratam das posses dos prefeitos, da passagem de cargo de Fernando Haddad para João Doria no Estado e na Folha de São Paulo, e de Eduardo Paes para Marcelo Crivella no Globo. Talvez pela localização do crime, o jornal carioca é o único dos três a não dar chamada na capa para a mais chocante das notícias da virada do ano, pelo menos em termos nacionais. “Homem mata a tiros ex-mulher, filho e mais dez”, diz a chamada no alto da capa da Folha, na altura da manchete em que “Doria prega conciliação e diz que recuará quando preciso”. No Estadão, o título no qual “homem mata ex, filho e mais dez em réveillon” vem quase no pé, bem abaixo da manchete em que “prefeitos tomam posse com discurso contra gasto e cargos”. O Globo deu a notícia lá dentro, dizendo no subtítulo que o “crime ocorreu durante a queima de fogos em Campinas”, e nenhum dos três jornais sequer insinuou nem pensou em colocar em discussão o que Kiko Nogueira afirma no título de seu texto no Diário do Centro do Mundo (DCM), que “o pensamento de extrema direita brasileiro produziu em Campinas sua primeira chacina”.
O texto da chamada da Folha informa que “um homem invadiu uma casa em Campinas (SP) e matou a tiros a ex-mulher, o filho de oito anos e mais dez pessoas durante festa de Réveillon. Depois, suicidou-se”. Em seguida o jornal conta que “Sidnei de Araújo, 46, travava uma batalha judicial pela guarda do filho”, informação complementada pelas últimas frases da chamada do Estadão, afirmando que “a ex-mulher obteve a guarda após denunciar Araújo por abuso sexual do menino”, e que “a denúncia estava sob investigação”.
Nem o Globo nem a Folha publicam, por exemplo, o seguinte trecho da carta deixada por Sidnei antes de invadir a festa de ano novo da família da ex-mulher dele com uma pistola 9mm carregada e dez explosivos: “A justiça brasileira é igual ao lewandowski, (um marginal que limpou a bunda com a constituição no dia que tirou outra vadia do poder) um lixo!” No jornal carioca, o sujeito que escreveu trechos como “na verdade somos todos loucos, depende da necessidade dela aflorar!” é apresentado como alguém que “trabalhava desde 1991 no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, em Campinas”, e que “tinha em seu histórico profissional vários trabalhos publicados, além de participação em congressos e cursos feitos nos Estados Unidos, na Holanda e na Inglaterra”.
Não existe, a propósito, qualquer trecho do texto do assassino na matéria do jornal carioca, que informa no primeiro parágrafo que “o técnico de laboratório Sidnei Ramis de Araújo, de 46 anos, aproveitou o barulho da queima de fogos, invadiu uma casa e matou 12 pessoas, entre elas sua ex-mulher Isamara Filier, de 41 anos, e o filho, João Victor Filier de Araújo, de 8. Depois, ele atirou contra a própria cabeça, usando uma pistola 9 mm.” Nada além do factual, da tragédia em si que, na opinião da deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), exposta no Brasil 247, pode ser atribuída “à ideologia do ódio”.
“‘Quando idiotas repetem ataques contra Direitos Humanos, criam monstros como esse assassino de Campinas’, disse Maria do Rosário no Twitter”, segundo o Brasil 247. E na abertura de sua carta de despedida Sidney diz, sem alterações na sua escrita original: “Não tenho medo de morrer ou ficar preso, na verdade já estou preso na angustia da injustiça, além do que eu preso, vou ter 3 alimentações completas, banho de sol, salário, não precisarei acordar cedo pra ir trabalhar, vou ter representantes dos direito humanos puxando meu saco, tbm não vou perder 5 meses do meu salário em impostos”.
Ex-ministra de Direitos Humanos, “Maria do Rosário afirmou que o assassino repete frase e diz impropérios e asneiras violentas que ‘gente bem conhecida diz em público. Inclusive aqui nas redes'”, conta o Brasil 247, e no DCM Kiko Nogueira afirma que “a carta do técnico de laboratório Sidnei Ramis de Araújo, que matou doze pessoas num réveillon em Campinas, é um catálogo de boçalidades bolsonarianas típicas”.
“É certo que a inclinação política de Sidnei não explica, sozinha, a tragédia, mas é absurdo desconsiderar seu consumo desse lixo e como isso o ajudou a articular o crime”, diz Nogueira, que como exemplo do que diz conta em seguida que “no Facebook do Estadão, que publicou a mensagem de Sidnei, há várias manifestações de solidariedade — ao criminoso”, como esta que ele reproduz: “‘Sim, texto de revolta de um pai, SIM, mulheres são capazes de tudo pra destruir um pai de família, simplesmente por não ser o homem delas… Agora, cabe a você julgar…’, afirma um certo Douglas Benvenutti”.
“Mulheres, ele assegura, se beneficiam da lei ‘vadia da penha'”, afirma Nogueira sobre Sidney. No Brasil 247 Maria do Rosário indaga, “diante do ódio contra mulheres e deste crime”, “onde estavam os Direitos Humanos?”, para responder em seguida: “Buscando parar estes caras, criando a lei Maria da Penha”. E como conclusão de seu texto, Kiko Nogueira define o assassino como “uma mente perturbada que encontrou eco, conforto e coragem em todos os clichês da indigência direitista. Um ‘cidadão de bem’ inconformado com a degradação do Brasil, de sua família e das mulheres e que resolveu fazer justiça com as próprias mãos.”
Se não fala de nada disso, nem da carta nem das supostas inclinações políticas do assassino de 12 pessoas, o Globo avisa em negrito, no entretítulo do fim da matéria, que “Temer lamenta o crime”. “Pelo Twitter, o presidente Michel Temer lamentou a chacina. ‘lamentamos profundamente as mortes ocorridas em Campinas. Manifestamos nosso pesar junto às famílias. Que 2017 seja um ano de mais paz!’, escreveu o presidente”, segundo o Globo. Pode ter sido novamente uma das medidas de do “novo Temer” citado por Tales Faria no site Poder 360, no artigo “E Temer descobriu o marketing…”
“Não dava para continuar sendo em 2017 o mesmo Temer, nem oferecer apenas as mesmas promessas. Foi então que o presidente da República deixou-se convencer de que, em 2017, precisa mudar. Ser um novo Temer. E foi aí que Michel Temer descobriu o marketing. 2017 será o ano de um novo Temer. Se isso vai dar certo? Não se sabe”, diz Tales. Segundo ele, “se não dá para tentar convencer o povo com as mesmas promessas, o novo Temer resolveu trucar e apostar mais alto. À volta do crescimento e à estabilidade política, Temer acrescentou muitas outras promessas: 2017 será o ano também da queda das taxas de juros, da retomada dos empregos e até de água no Sertão”.
O jornalista alerta no texto sobre os “riscos do marketing excessivo. Ele pode trazer junto promessas inexequíveis que, depois de não cumpridas, só fazem aumentar a insatisfação e a impopularidade dos governantes”. E no editorial principal de hoje, “Reformas sem parar”, “a respeito das várias frentes de ataque do governo Temer”, segundo a chamada da capa, a Folha afirma que “Temer busca obter apoio por meio de diversas mudanças na economia, mas estratégia de atacar em várias frentes quase sempre termina mal”.
A prioridade do momento, porém, parece ser aquela que ganha chamada na capa do Estado de São Paulo, para a “Coluna do Estadão” onde o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), garante que a “Reforma da Previdência será aprovada no 1o semestre”. Na coluna Painel, da Folha, Natuza Nery informa já no título da coluna e da nota principal, “A volta do que não foi”, que “apesar das especulações de que faria uma reforma ministerial em fevereiro, após a eleição para o comando do Congresso, Michel Temer não tem na manga nenhum desenho de mudança estrutural em seu primeiro escalão”
“A reforma da Previdência é, portanto, o maior empecilho a uma mexida na equipe”, conclui Nery, e o editorial do Globo hoje trata justamente de tal reforma, com o contraponto republicano, do mesmo tamanho, ao lado. “Tóxico ideológico” é o título do editorial em que o jornal carioca diz que “não se pode perder o foco, no debate, em que o sistema não reflete a realidade demográfica e econômica”. Ao lado o deputado federal Pepe Vargas (PT-RS) afirma, já no título de seu texto sobre a Previdência, que “Não há déficit”.
“Concentra-se no debate sobre a imprescindível reforma da Previdência, forçada por motivos aritméticos, uma série de equívocos derivados da intoxicação ideológica da defesa de um modelo de Estado tutor da sociedade, responsável único pelo combate à pobreza e desníveis sociais”, acredita o Globo. Pepe Vargas, por sua vez, afirma que “é preciso discutir o futuro da previdência social sem mistificações”, e que “o governo Temer, sem a legitimidade das urnas, com meias verdades e omissão de informações, busca legitimar uma reforma para o ajuste fiscal de curto prazo, à custa dos contribuintes da Previdência”.
“Hoje, já em 2017, com uma população de 220 milhões de habitantes, e numa crise fiscal ironicamente plasmada por uma política econômica assentada naquele tipo de visão míope de mundo, o Estado quebrou e o governo precisa fazer, entre outras reformas, a previdenciária”, afirma o editorial do Globo, para em seguida dizer que “só assim, poderá reequilibrar as contas públicas, base de qualquer processo de crescimento sustentável.”
Para Pepe Vargas, “desde 2008 a previdência dos trabalhadores urbanos é superavitária”. Ele ressalta que “com a política econômica atual o resultado vai cair, em função do desemprego e da queda dos salários”, e que “só uma política que distribua renda e aumente a produtividade e os salários produzirá crescimento, com benefícios à Previdência.” “Uma reforma para o equilíbrio atuarial seria do interesse dos contribuintes e do crescimento da economia, pois os benefícios previdenciários distribuem renda e estimulam o consumo. A que Temer quer aprovar é de interesse dos rentistas, que já ficam com 45% do Orçamento, mais que o dobro do destinado à Previdência”, conclui o deputado petista.
Eduardo Albuquerque
02/01/2017 - 20h36
Aquele ódio que emergiu em 2013 todos os dias faz vítimas…