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2016: Do golpe na esperança à exploração do desespero

Imagem: O Grito de Edvard Munch Por Rudolph Hasan*, colunista do Cafezinho “A esperança descobre recursos, a desesperação os renuncia” Marquês de Maricá Do início da construção do golpe perpetrado contra Dilma ao rápido processo de implosão do Estado e de políticas sociais, observamos como plano de fundo uma intensa campanha político-midiática de desestabilização moral […]

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Imagem: O Grito de Edvard Munch

Por Rudolph Hasan*, colunista do Cafezinho

A esperança descobre recursos, a desesperação os renuncia

Marquês de Maricá

Do início da construção do golpe perpetrado contra Dilma ao rápido processo de implosão do Estado e de políticas sociais, observamos como plano de fundo uma intensa campanha político-midiática de desestabilização moral da sociedade, visando justamente a destruição das esperanças e o sepultamento da autoestima dos brasileiros.

Durante a Segunda Guerra Mundial, os alemães desenvolveram um caça-bombardeiro chamado Stuka – Ju87, que tinha por objetivo a realização de ataques precisos a alvos inimigos no solo ou no mar. Para efetivar os ataques, a aeronave mergulhava na direção do alvo liberando então suas cargas explosivas. Acontece que para maximizar os danos ao inimigo, os alemães instalaram poderosas sirenes nos Stukas, que eram acionadas quando o bombardeiro mergulhava na direção dos inimigos.

Conhecidas também como “Trombetas de Jericó”, as sirenes da aeronave alemã produziam um ruído extremamente assustador que de imediato gerava pânico e neutralizava qualquer tipo de reação do inimigo sob ataque. Mesmo não tendo a capacidade para carregar grandes cargas explosivas, o Stuka causava um efeito devastador no moral das tropas atacadas, sendo uma aterradora arma psicológica.

Na última terça-feira (29), acordei cedo e apressado pra uma reunião. Como de costume, ao abrir os olhos saquei logo o celular para me atualizar das notícias e das mensagens que já se avolumavam no whatsapp.

Antes de botar os pés no chão tomei conhecimento do acidente envolvendo o avião da chapecoense e logo senti que o dia seria longo. Em um desses chats do whatsaap, era informado da votação da PEC 55 no Senado e recebia notícias de companheiros que estavam se organizando para realizar uma grande manifestação em Brasília.

No decorrer da fatídica terça-feira fomos inundados com a tristeza da tragédia na Colômbia, faleciam ali jovens jogadores de um time promissor. Ao mesmo tempo, éramos bombardeados por notícias que chegavam de Brasília onde ocorria a votação da PEC 55 que, ao fim e ao cabo, representa o assassinato simbólico de uma geração.

Enquanto o País chorava a morte de uma geração de jovens jogadores e profissionais de imprensa, uma verdadeira batalha campal se desenrolava em Brasília onde milhares de outros jovens lutavam pela garantia de um futuro digno, ameaçado por um criminoso Projeto de Emenda à Constituição.

Nos dias seguintes, observamos uma cobertura dos órgãos de imprensa que se pautavam entre a divulgação sistemática da tragédia aérea e um tendencioso acompanhamento dos fatos em andamento em Brasília. Na madrugada de quarta-feira, os veículos de imprensa já tinham definido os jovens manifestantes como os responsáveis pela violência nos gramados do Congresso e cinicamente invisibilizavam a votação da PEC 55, em nome das vastas críticas às mudanças que começavam a ser feitas na Câmara dos Deputados ao projeto das 10 medidas contra a corrupção.

O comportamento dos órgãos de imprensa nos últimos dias, mediante principalmente aos desastrosos incidentes que parecem ter convergido nessa última semana de novembro, sintetiza de forma muito clara uma das estratégias utilizadas para a destruição da autoestima da população brasileira: a disseminação da desesperança e a exploração do desespero.

Em um breve exercício de pesquisa documental, busquei na internet as capas dos principais jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo entre fevereiro de 2015 e agosto de 2016 e os resultados foram chocantes. Praticamente todas as capas avaliadas alternavam suas principais manchetes entre exploração de tragédias, críticas políticas, morais, éticas ou relativas a supostos desmandos na área econômica.

Analisando com um pouco mais de cuidado cada matéria, nota-se a construção de uma narrativa que incide justamente sobre o comportamento do brasileiro. A exploração enviesada da temática da corrupção deixou de ser matéria informativa para tornar-se arma de destruição moral. Após o bombardeamento midiático do tema durante o segundo semestre de 2015, já se discutia sera corrupção um traço da cultura brasileira, como se nós estivéssemos marcados por um estigma perpétuo de banditismo ou coisa do tipo.

O pessimismo na área econômica e a difusão de relatórios tendenciosos relativos às agências de risco fizeram com que muitos recuassem em investimentos ou reduzissem o consumo, tornando agudo um cenário passível à época de soluções menos doloridas.

Para além dos alvos primários das ações midiáticas (como o PT, os partidos da base do governo à época, Dilma, Lula ou as políticas sociais e de inclusão) assumiu-se também o ataque ao moral de toda sociedade, causando danos irreparáveis a um País que foi da euforia de uma década de crescimento ao desespero de dois anos sombrios.

Em sua obra “Danos Colaterais” o autor Zygmunt Bauman trata de como alguns objetivos do processo de globalização geram danos colaterais e de como tais danos passam de processos imprevisíveis para efeitos naturalizados onde as próprias vítimas podem inclusive ser culpabilizadas pela desgraça a qual foram submetidas. A reflexão de Bauman nos oferece pistas muito precisas da ação dos meios de comunicação brasileiros ao transpormos sua análise ao tema que aqui abordamos.

Se durante os governos Lula e Dilma foi feito um esforço para o resgate da autoestima do brasileiro por meio de vários fatores, como os bem sucedidos programas de distribuição de renda, a ampliação ao acesso às universidades ou através do reposicionamento do Brasil no âmbito das relações internacionais, agora o que observamos é a desconstrução da autoimagem dos cidadãos por meio da exploração contundente das desgraças ou tudo que possa representar o pior de nós enquanto sociedade e nação.

Não quero aqui, em absoluto, desqualificar a importância do jornalismo ou o papel fundamental dos meios na difusão das informações, contudo, é vexatória a forma através da qual as notícias são selecionadas e como são meticulosamente vinculadas, seguindo uma lógica que leva inexoravelmente ao cumprimento dos mais odiosos fins, como a indução dos brasileiros ao desespero.

As consequências dos ataques à esperança são inegáveis. Nem os mais aguerridos “batedores de panelas” demonstram satisfação com Temer e sua tropa. Movidos pela vergonha ou algum sentimento de apego, alguns ex-opositores de Dilma ensaiam panelaços contra o mesmo Congresso que aplaudiram meses atrás quando do impeachment da Presidenta.

Da desesperança, dois desdobramentos prováveis começam a surgir, pondo em alerta os próprios indutores do desespero. A apatia com a política, objeto preferido dos meios de comunicação, parece se alastrar, entretanto, não com a mesma velocidade e intensidade que o sentimento de ódio e as manifestações de intolerância, que crescem dia após dia em progressão geométrica.

Não é de agora que a baixa estima ou a destruição da esperança conduz sociedades à violência. Foi através da exploração de fragilidades ou da construção de estigmas sobre a República de Weimar, na Alemanha do Pós-Primeira Guerra Mundial, que Hitler e o Partido Nazista difundiram a desesperança que deu lugar ao ódio nos anos que se seguiriam.

No Brasil a desestabilização moral parece ter surtido efeito. A manipulação de informações relativas à violência do cotidiano, à exploração de tragédias ou à oferta de notícias de caráter panfletário, fazem crescer um sentimento de revolta que clama por uma ordem baseada na violência. A aplicação da pena de morte voltou a ser debatida em praças, ruas e avenidas e muitos parecem não ter mais vergonha em reivindicar o retorno de um regime autoritário, como o da ditadura implantada em 1964.

Para desarticular a militância e drenar a confiança da população em relação à esquerda, foi necessário golpear a autoestima do brasileiro e retirar-lhe a memória dos bons ventos soprados nos anos anteriores. Tendo imposto à população as rédeas da desilusão, observamos o erigir da mistura perigosa entre apatia e violência.

O sentimento de desesperança que paira hoje na sociedade brasileira não é algo absolutamente incompreensível ou fruto do acaso. A indução ao desespero e a irresponsabilidade da classe política e do judiciário, ao promoverem o golpe, resultaram na configuração de uma sociedade marcada pela apatia, desconfiada das instituições e que agora, de forma cada vez mais contundente, clama por soluções que passam à margem da democracia.

Que a dor de nossas tragédias não nos faça ter parte com o autoritarismo e a intolerância e possamos nos reconciliar com a história através da retomada da democracia.

Em todas as lágrimas há uma esperança.”

Simone de Beauvoir

 

 

*Rudolph Hasan é Bacharel em Ciências Sociais (UERJ), Mestrando em Sociologia (UFF) e Membro do Coletivo Brizolistas Contra o Golpe.

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Comentários

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Roberto

03/12/2016 - 10h12

Na carcomídia, o jornalismo morreu faz tempo. Só acompanho notícias pela internet, acessando sites e canais de tv, tanto de direita (BBC, Al Jazeera, RT TV e outros) como de esquerda (OCafezinho, por exemplo). Jornalismo de verdade não existe mais na carcomídia.

Breno Pacheco

02/12/2016 - 21h28

Muito bom, muito lúcido!
É um aprofundamento importantíssimo daquilo que muito já sente e se fala, que é o risco de fascistização da nossa sociedade. No Brasil isso se dá pela campanha de ódio/solapamento da autoestima do povo com vistas a solapar as possibilidades (começando pelo PT) de projetos mais à esquerda – que via de regra se combinam com autoestima coletiva e empoderamento da política pela população (o que, observe-se, o projeto lulista deixou bastante a desejar, embora indiretamente isto também tenha ocorrido, mas sempre de forma demasiadamente indireta e, podemos dizer, “passiva”).

No mundo, mesmo que não tenhamos tido uma guerra a nos devastar 15 anos atrás, é interessante notar que a tendência de radicalização política (tanto à esquerda quanto à direita, que podemos constatar eleitoralmente na maioria dos países europeus) teve seu último grande momento justamente na década de 1930 (quando isso foi muito mais intenso, é verdade, e levou a golpes e guerras civis como a espanhola). Mas há paralelos: naquela ocasião, as esperanças e a autoestima coletiva foi solapada, além do pós-Guerra nos países perdedores, pela desilusão da crise de 1929 em todo o mundo. Hoje, a desilusão mundial talvez parece ser pelas consequências da própria globalização e suas consequências que as populações dos países centrais sentem neste início de século: imigração, perda de direitos sociais e trabalhistas etc, tudo isso muitas vezes sob governos de “centro-esquerda”. Analogamente, nos EUA, foi a própria política liberal do PD, de total servidão ao sistema financeiro, indústria bélica e os servidores de sempre o principal fator para o sucesso de Trump (mais que o ódio reacionário)…


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