(Foto: Denise Assis)
Isabela Queiroz, presidente da AMES-RIO: “estão cortando o nosso futuro. Cortando as nossas asas”
por Denise Assis, especial para O Cafezinho
Aos 18 anos, Isabela Queiroz poderia estar, no domingo, jogando o cabelo longo e cacheado de um lado para o outro – um dos seus gestos freqüentes – na fila do cinema de um dos shoppings da cidade, esperando para ver um blockbuster. Mas este não é o seu perfil. Isabela optou por lutar por seus direitos e o dos seus pares, os estudantes. Por isto, a despeito do tempo feio e chuvoso, trocou de bom grado o programa típico das garotas da sua idade, para encontrar-se com O Cafezinho e falar sobre a defesa da educação e das ocupações organizadas nas escolas da rede do Ensino Médio, na qualidade de presidente da Associação Municipal dos Estudantes Secundaristas – AMES.
Com o mesmo charme com que repetiria o gesto à espera de um filme, Isabela joga os seus cachos, enquanto explica o significado desse movimento que Michel Temer disse que eles fazem, mas não sabem bem o porquê, nem para quê, e sobre o quê estão falando. Engana-se. Articulada e com um discurso bem organizado, a líder estudantil destrói a PEC 241 – (55 no Senado), a reforma do Ensino Médio e a ideia da “Escola Sem Partido”. Confiram.
– Como você entrou para a militância?
– Eu nasci e cresci em Brasília, porque a minha mãe veio morar e trabalhar aqui. Estou há uns três anos no Rio e estudava na Escola Estadual Pedro Álvares Cabral, em Copacabana. (Altura da República do Peru). No primeiro ano já não aprendia muita coisa porque não tínhamos vários professores, ficávamos a maior parte do tempo sem fazer nada e com policiais armados fazendo a segurança dentro da escola. Isto porque nós éramos os traficantes, nós éramos os marginais, o perigo (ironiza). A minha mãe decidiu que eu ia sair dessa escola, na metade do ano, e que eu iria estudar para passar em um concurso em alguma outra escola. Podia ser no Pedro II, na UFRJ, qualquer coisa. Fui procurar esta escola (onde estuda hoje, da rede FAETC), que tem técnica em Comunicação, uma das coisas que eu gosto. E a Escola Adolpho Bloch (localizada em São Cristóvão) tem tradição em movimento estudantil.
– Os seus pais trabalham em que?
– A minha mãe trabalha na Anistia Internacional e o meu pai é músico.
– Você estava falando do seu primeiro contato com o movimento estudantil…
– Sim, lá encontrei o movimento e me aproximei, porque foram as primeiras pessoas que me atraíram para conversar e ter mais afinidade. E aí foi que eu comecei a me encantar com essa história de poder mudar o mundo e poder mudar essa situação em que a gente está vivendo. A questão é que na época, foi há três anos, já encontrei os colegas falando: ‘pô isso aqui já foi muito melhor’… Mal eu percebia que era o início do desmonte da FAETEC, o que não me deixou em paz durante esses anos. Hoje eu vejo que nós não temos condições de estudar porque os nossos funcionários estão passando fome e com meses de salários atrasados. Quando ocupamos a escola eles estavam há meses sem receber, sem tíquete alimentação e transporte. Nem por isto deixavam de trabalhar porque são terceirizados e se param é justa causa, vão embora. Perdem o emprego. Esta é a situação que a gente vive na FAETEC.
– A sua luta é focada objetivamente na situação da escola, dos funcionários, dessas pessoas que estão envolvidas nesse ambiente escolar. Ao mesmo tempo, desde que você chegou, há três anos, houve uma mudança no país. Estas questões entram na pauta de vocês ou a sua preocupação é apenas com a escola e a ocupação?
– Claro que entra. A gente tem muitos embates na escola por divergências de opinião. Principalmente agora. A minha escola, é uma escola liberal, no sentido bom da palavra. Tem muita diversidade e liberdade para os LGBTS… E ao mesmo tempo, muitos pensamentos de esquerda. Embora nesse momento, em que o conservadorismo ascende, seja bastante surpreendente como isto chega até lá. Na última eleição de grêmio nós tivemos uma chapa ampla, que era no caso a nossa, e que comportava quem quisesse chegar e lutar em favor da educação, pelo fortalecimento do grêmio, mas também lutar contra a PEC-241, pela reforma, enfim, e tudo o que é o avanço da nossa escola e da sociedade. Vemos muita gente lá renegar a política. E isto não entra na minha cabeça: negar a política para mudar a realidade. A realidade já é política.
– E como você percebe esse conservadorismo chegar lá?
-Tem muita gente lá que vota no Bolsonaro (Partido Social Cristão- PSC) na Carmem Migueles (que foi candidata a prefeita do Rio pelo Partido Novo). Ou seja, eles negam a política, mas a direita está saindo do armário. Antes de o golpe acontecer nós já vínhamos alertando: sim é golpe, não vamos deixar, mas também tinha uma galerinha que falava: ‘ não, a Dilma é horrível, fora Dilma’. Hoje em dia se consegue ver melhor o que está se passando.
– E estes grupos reavaliaram posição?
– Então, a gente está conseguindo se mobiliar para mostrar o que é a PEC – 241, a reforma do Ensino Médio, o que vai além da FAETEC. Este é um movimento que abrange todas as tendências políticas. A gente está percebendo que se você é estudante, tirando aquela parcela que se define como “neoliberal” (Isabela imposta a voz, em tom jocoso). Ou seja, os capitalistas sem capital (ri da própria ironia), todos estão percebendo que a PEC – 241 e os retrocessos pautados pelo governo Temer – que já veio tirando o “Ciências Sem Fronteiras”, que já veio tirando o FIES e as medidas de democratização do ensino, agora com a PEC- 241, com a reforma do Ensino Médio e com essa tal de “Escola sem Partido” – são uma verdadeira guilhotina, um verdadeiro pacote contra a educação. Eles estão cortando o nosso futuro. Cortando as nossas asas. E isso começou desde o momento em que eles quiseram aprovar a maioridade penal.
– Como foi esse momento, para vocês?
– Ali nós conseguimos demonstrar que a juventude não vai se calar. Houve uma grande mobilização. Houve uma caravana, até o Congresso Nacional para barrar aquela calamidade que estava sendo feita. Hoje a gente está vivendo tudo isto em grande escala.
– Na luta contra a maioridade penal, você diria que vocês passaram a enxergar além do muro da sua escola? Vocês passaram a ter uma preocupação maior com a sociedade, ou já havia esta preocupação?
– Olha, eu acho que ali nós conseguimos trazer muita gente para ver a realidade fora da escola. Eu acho que aquilo ali conseguiu acordar muita gente. Eu não sei como era antes, mas hoje em dia o estudante não tem como viver só dentro da escola.
– E como isto entra na pauta de vocês?
Nós entendemos que o Ensino Médio precisa ser reformulado, ma isto que estão tentando fazer, hoje, com a gente, é nos colocar dentro de uma caixinha, para que a gente consiga aprender só o que eles querem. O que é útil para o mercado deles. E como a gente vive na era da Comunicação, da Internet, da Globalização, da informação, não temos como viver só do que o professor fala. Enfim, a gente vê TV, a gente vê Internet, temos acesso à informação. E naquele momento (o da redução da maioridade), foi o momento que muita gente veio para o debate.
– E tinha estudantes também a favor da redução, não?
– Sim. Ali já se conseguia ver a ascensão do conservadorismo. A ascensão do “fora Dilma”. Muitos estudantes também se tornaram a favor do “fora Dilma”, mais por uma questão midiática.
– Você atribui, então, uma forte influência da mídia na cabeça dos jovens?
– Sim, e não só dos jovens. Da sociedade toda.
-Mas você acha que o efeito foi maior nos jovens por serem mais imaturos politicamente?
– A gente vive a era do acesso à informação, mas para uma parcela a informação ainda é restrita. E a Rede Globo tem um forte papel nisso. Quando o estudante, quando o trabalhador, qualquer pessoa chega em casa, a primeira coisa que ele faz é ligar a televisão. Em todas as classes sociais. Então a opinião da Globo, e não só dela, como dos demais canais, tem uma forte influência na população. Todas as emissoras de TV. A juventude em geral acessa também a informação que está no celular, que está na Internet, que tem mais pluralidade e que pode levá-lo a formular opiniões melhores, também. A partir de 2013 houve um boom na imprensa alternativa. Então acho que a opinião da grande mídia tem muita influência, sim, mas a juventude conseguiu equilibrar um pouco mais.
– Graças à Mídia alternativa?
-Não só. Às redes sociais… E neste ponto a juventude conseguiu avançar muito, graças ainda ao trabalho das entidades estudantis, como a UNE, a UBES e à UMES. Em Brasília, nós tivemos informações de que a UESDF – União dos Estudantes Secundaristas de Brasília – passava nas salas para dialogar com os estudantes e esclarecer que aquilo que estava sendo pautado lá (a redução da maioridade penal) era contra eles. Por isto tinha tantos estudantes nas galerias na votação.
– Nessa última semana o Michel Temer ironizou as ocupações dizendo que os estudantes estão lutando contra uma coisa que não leram e não conhecem. O que vocês têm a dizer sobre isto?
– Isso em relação à PEC-241, ou à reforma do Ensino?
– Às duas coisas. Mas principalmente ele disse que vocês não sabem o que é a PEC.
– Eu vi isso… O que eu acho sobre isto? Acho que nesse momento ele deveria calçar as sandálias da humildade e entender que não são somente os estudantes secundaristas e nem são só os universitários que estão ocupados. O que já não é pouca coisa. As ruas nesta semana foram inundadas, o que está acontecendo de mês em mês. Ele tem que ver que não são apenas os estudantes secundaristas. E que dentro das escolas estamos recebendo explicações sobre isto. Nesta semana a deputada federal Jandira Feghali esteve dentro do Pedro II – diga-se de passagem, ela foi atacada pelos estudantes do MBL (Movimento Brasil Livre) – coisa que está acontecendo no Brasil inteiro, por conta dessa direita raivosa. A gente sabe, sim, o que está acontecendo. E a gente entende muito bem qual é a intenção dele, tentando deslegitimar o movimento que a gente está fazendo. Tentando desqualificar o que é o senso crítico de um estudante, seja ele secundarista, seja um universitário, porque é basicamente isto que ele está fazendo, quando não reconhece a luta Afinal de contas, parece agora ele está reconhecendo, pois está falando sobre o assunto.
– Em que momento ele os criminaliza, em sua opinião?
– Quando o MEC, por uma medida totalmente arbitrária, adiou a prova do ENEM para os estudantes que fariam a prova em escolas ocupadas, como se simplesmente isso não pudesse ser dialogado. As escolas têm consciência de que os estudantes estão lutando pelo ENEM, que é uma conquista dos estudantes também… Então, assim como em Minas Gerais, e em outros estados as eleições foram realizadas nas escolas ocupadas, por também ser uma luta em prol da democracia, a nossa luta é por educação. Tivesse o MEC dialogado com os estudantes, e eles teriam aceitado que as provas fossem feitas. O Colégio Pedro II, aqui no Rio de Janeiro, já havia decidido que os estudantes tomassem esta medida.
– Como você percebe esse desprezo deles pelo diálogo?
– O MEC não procurou as unidades ocupadas. Apenas suspendeu a prova para criar um conflito, esta tensão, jogando os estudantes contra os próprios estudantes e a sociedade em geral. O que é uma das armadilhas que ele usou e já estão conhecidas. Aqui no Rio, eles entraram em contato com a Secretaria de Educação para criminalizar as ocupações, denunciando que as ocupações depredaram escolas, e eu não vi isto acontecendo.
– Como estão os professores de modo geral? Alguns a gente sabe que estão dando apoio ao movimento. Como está a situação deles?
– Olha, o MEC também, no início das ocupações, pediu para que a direção e os professores delatassem os estudantes. Então, assim, há claramente uma percepção disso. Mas eu confesso que eu não tenho elementos para avaliar. Nem sei direito das condições dos professores, mas já aconteceu do movimento dos professores ser indiciado pelo Ministério Público, como foi o caso do próprio Pedro II, por conta de faixas que os estudantes colocaram, de “Fora Temer”. Isso impede completamente a manifestação política deles.
– Na sua opinião, o movimento das ocupações está refluindo ou ganhando força?
– Eu acho que está ganhando força.
– Vocês agora ganharam um reforço das universidades?
– Bom, acho que a partir do momento que o MEC tomou essas medidas, as de criminalizar os estudantes, e de jogá-los contra os estudantes, por conta do ENEM, que é uma das principais preocupações de qualquer estudante, hoje, o número de ocupações deixou de crescer, mas eu também não acho que tenha diminuído. Acho que ele cresceu enormemente em um mês. Nós tivemos 1200 escolas ocupadas. De setembro até agora, quando começou a questão do ENEM. Algumas escolas foram desocupadas, mas em meio a isso, a UNE também ocupou várias universidades. Tem mais de 100 universidades ocupadas no Brasil. E não são só ocupações. São ocupações muito mobilizadas. Todas as federais estão ocupadas. Até a PUC, que é particular teve ocupação. Aqui só não teve na UERJ e na UEZO – (Universidade Estadual da Zona Oeste). E não estão, no momento, mas já estiveram no final do ano passado. E nós das escolas estaduais continuamos mobilizados contra a PEC- 241 e contra a mudança no Ensino Médio e a “Escola sem Partido”. Não temos condições de ocupar agora, de novo. Caso isso ocorra, o movimento não vai ter força, porque temos que correr atrás do conteúdo que não tivemos, no período da ocupação, por exemplo. Temos que recuperar o que não foi dado nesses três meses.
– Nesses três meses que tipo de balanço você faz dessa experiência para a sua vida?
– Nesse período nós fizemos muitos debates, trocamos muitas ideias, conseguimos chamar muita a atenção, principalmente com relação ao que estava acontecendo com os nossos funcionários. Nós nos colocamos no lugar deles. Limpávamos a escola, fazíamos a comida, cuidávamos da burocracia, de tudo. Teve ventilador pegando fogo na escola e a gente sem saber o que fazer, passamos muitas noites com medo. Imagina a nossa situação. Na frente da nossa escola tem a linha do trem. Do outro lado tem a Mangueira, do outro, a Quinta da Boa Vista e atrás, o presídio. E só tínhamos nós, os estudantes. Estávamos desamparados. Mas aprendemos muita coisa. Hoje, além de conseguirmos conquistar coisas que há 14 anos não se via acontecer no Rio de Janeiro, como a eleição direta para a direção, vimos avançar um processo de democratização dentro da escola. Os estudantes estão participando da eleição do grêmio. Os pais que antes nem iam às reuniões estão participando.
– Como eles se posicionaram, com relação às ocupações?
– Alguns apoiaram, mas muitos estavam ali sabendo que os filhos estavam participando, mas sem apoiar a perda de aula. O importante de tudo isso é que hoje a gente tem conselho escolar, a associação de pais e responsáveis ativa, os professores ativos. Tudo ali agora se transformou em processo político. A escola está efervescente. Até a direção assume outra postura. Qualquer decisão é levada para a assembleia. Democratizamos a escola.
– Você acha que isto pode ser ampliado para o país?
– Deve. As ocupações têm esse dever. Esse é o nosso principal compromisso. Porque esse foi o momento em que a democracia no país foi dilacerada e ela precisa ser recuperada. Ela precisa, inclusive, não só ser recuperada, como também reconstruída. Há uma avaliação de que os cidadãos se descolaram da noção de que tudo é político e que se ele não estiver decidindo, alguém vai decidir por ele. E durante a ocupação nós nos batíamos por isto: se você não concorda com algo, você precisa ir para a assembleia dizer, porque do contrário alguém vai decidir por você. E é assim que está acontecendo. E é assim quando a maior parte dos votos é nula ou em branco e quem ganha é o Crivella, quem ganha é o Dória, quem ganha é o “não político”, mas que também não representam aqueles que estão votando. Nós que temos a necessidade de mudar as coisas, e eles nos vêem como políticos também. Essas pessoas nos vêem como esquerdopatas. O que eles não vêem é que nós estamos voltando para os tempos obscuros que a gente já viveu. Basta lembrar todos os direitos trabalhistas que estão nos tirando, e da frase do Temer. “Não pense em crise, trabalhe”.
– Os conservadores definem vocês como “esquerdopatas”. E vocês, como se vêem?
– Como defensores da nossa educação, e do futuro do nosso país. Eu não tenho como dizer por todos os estudantes, mas se eu tivesse essa propriedade eu diria isto. Somos defensores do futuro.
Denise Assis é Jornalista
Tutameia
16/11/2016 - 11h18
mas se é tudo tão sombrio e tenebroso….ela ta rindo de que????
marcelo jose
15/11/2016 - 19h16
Acho, se bem que achismo é peculiar aos ignorantes, então vou começar novamente. Penso que a contradição do discurso da jovem entrevistada, ocorre exatamente pela pouca idade dela, sem querer desmerecer ou desqualificar, muito menos desdenhar, comportamento típico da arrogância e presunção de jovens imaturos que se ACHAM (o achismo é peculiar aos ignorantes) conhecedores da verdade. Dizer que o movimento abrange todas as tendências políticas e desdenhar em tom jocoso sobre os que intitulam neoliberais, ainda criticar os votos em alguns dos que foram candidatos a prefeitura do Rio e, a eleição do Crivella; demonstra uma confusão de idéias muito grande.Seria muito interessante se em 20 ou 30 anos, essa mesma jovem hoje, pudesse analisar suas posições apresentadas nessas respostas. Me recordo de um professor de filosofia que tive na faculdade, citarei o nome dele pois faço uma homenagem ao sempre mestre Antonio Jardim: De vez em quando, num determinado momento de suas palestras em sala de aula, ele parava de fazer a sua apresentação, voltava-se para nós alunos e dizia com bastante ênfase :” Quando alguém disser pra vocês : A VERDADE É! DESCONFIEM, QUESTIONEM, CRITIQUEM, pois essa mesma verdade tem no mínimo uma outra versão, um outro lado.” Ficou gravado em minha mente, minha personalidade, tal atitude. Ambos os lados mentem, ambos têm interesses que vão além dos que eles apresentam, nós, eu, você e todo mundo, somos instrumentos deles. Não estou pregando a anti-política, ou a não politização da massa, somente creio que devemos estar conscientes do que somos e representamos para os donos do poder, seja lá quem forem eles.