por Ivar A. Hartmann, no Jota (enviado pelo leitor Ben Alvez)
Recentemente, um cidadão brasileiro pediu ao Supremo o código-fonte do programa de computador que realiza a distribuição aleatória dos processos aos ministros. Usou a Lei de Acesso à Informação (LAI). Em resposta, o Supremo afirmou que a escolha do relator “é feita através de um sistema informatizado desenvolvido pela equipe de Tecnologia da Informação da Corte, o qual utiliza um algoritmo que realiza o sorteio do relator de forma aleatória”. E negou acesso ao algoritmo, tendo em vista a “ausência de previsão normativa para tal.”
A transparência de dados, dentro ou fora do Judiciário, é pressuposto geral da administração pública. Mesmo sem previsão normativa específica, pela LAI o Supremo está obrigado a franquear o acesso ao código-fonte. A LAI prevê a possibilidade de colocar informações sob sigilo, mas nunca por via da inércia do órgão público. De qualquer forma, o sigilo é explicitamente proibido quando se trata de “informação necessária à tutela judicial ou administrativa de direitos fundamentais.”
É difícil imaginar elemento mais decisivo para a tutela de direitos fundamentais do que o mecanismo de escolha do relator dos processos na mais alta corte do país. No Supremo, escolher o relator é quase definir o resultado. A vasta maioria das decisões do tribunal é tomada pelo próprio relator, sem a participação dos colegas. Muitas vezes, o relator controla o timing de suas decisões no processo de maneira decisiva para o resultado da causa. Ou então decide em nome do colegiado descumprindo o precedente deste.
Mas e do ponto de vista técnico? Haveria razão para o sigilo?
Computadores são previsíveis. Se você repete uma pergunta, vai receber sempre a mesma resposta. É necessário um programa diferenciado para que a máquina, ao receber a pergunta “Para quem será distribuído esse processo?”, não responda sempre com o nome de um mesmo ministro.
É possível orientar um computador para gerar resultados “aleatórios”. Mas, mesmo nestes casos, a máquina está sempre sujeita às regras da sua programação. Assim, programas tradicionais não permitem respostas ou resultados verdadeiramente aleatórios, porque o sistema estará seguindo sempre as mesmas regras. Estará executando sempre o mesmo algoritmo com a mesma sequência de comandos.
Mesmo assim, é possível simular aleatoriedade na distribuição de processos. O programa começa com um valor inicial, chamado de “semente”, e segue um padrão a partir daí. Esse ponto de partida pode ser suficientemente complexo para tornar o padrão difícil de ser identificado. Ainda assim, como não é nada mais que um conjunto de regras se repetindo, o algoritmo irá gerar uma distribuição de processos que não é verdadeiramente aleatória. O resultado pode ser imprevisível olhando de fora, mas será sempre previsível do ponto de vista das instruções do programa. Conhecendo a semente, qualquer um poderia prever para qual ministro seria distribuído o próximo processo sobre o impeachment da presidente Dilma ou o próximo inquérito sobre Eduardo Cunha.
Mas quando a semente usada é suficientemente complexa, mesmo algoritmos pseudo-aleatórios são praticamente impossíveis de quebrar. Se for desse tipo, o algoritmo de distribuição aleatória de processos do Supremo estaria vulnerável apenas a entidades com poder computacional semi-infinito, como o Google ou a NSA. Mesmo assim, seria necessário descobrir a semente. Ou seja, uma renovação periódica dela resolveria o problema. O algoritmo poderia ser divulgado sem risco.
Existem também formas de um computador dar respostas verdadeiramente aleatórias. Nesses casos, nem todo o poder computacional do mundo permitiria prever para qual ministro o próximo processo seria distribuído. Esses algoritmos tornam a engenharia reversa impossível. Eles se baseiam em dados imprevisíveis da realidade, como o ruído atmosférico ou a temperatura ambiente. Há soluções online neste formato, como o site random.org. Neste caso, não importa qual o algoritmo usado, pois o resultado é aleatório independentemente do código-fonte.
Qual dos dois o Supremo usa? Se o método depende do algoritmo é uma escolha muito perigosa, pois permite manipulação. A divulgação do algoritmo nesse caso é o menor dos problemas. Se não se baseia no algoritmo e sim em uma semente complexa ou em algo verdadeiramente aleatório, então o sigilo do código-fonte não faz diferença. De fato, muitos sistemas realmente seguros publicam voluntariamente seu algoritmo para corroborar sua segurança. Os tokens usados pelos clientes de bancos como o Itaú para gerar um número aleatório e garantir a segurança do internet banking são baseados em um algoritmo público. O Bitcoin, que já movimenta milhões no mundo inteiro, também tem seu código fonte divulgado ao público.
O Supremo poderia fazer o mesmo como gesto de boa vontade, visando assegurar aos brasileiros que a distribuição dos processos é adequadamente aleatória. Ou poderia divulgar o algoritmo apenas para cumprir a Lei de Acesso à Informação.
Ivar A. Hartmann é Professor da FGV Direito e coordenador do projeto Supremo em Números
Geraldoribeiro Magela
10/08/2016 - 19h39
O STF NÃO EXISTE, EXISTE ONZE OU DEZ HOMENS TOMANDO DECISÕES A BEL PRAZER, DE ACORDO COM A CARA DO CLIENTE.
eto
29/07/2016 - 23h10
O código não vai ser liberado mesmo? Isso é muito importante.
Saul Vibranovski
29/07/2016 - 12h43
Se um Gilmar Mendes ainda não recebeu qualquer censura, quanto mais um impeashment, com todos os seus pares fazendo ares de paisagem, vai querer saber de aleatório… onde anda a convicção de que a força de um povo está na força das suas instituições.
Abilio
28/07/2016 - 22h33
Transparência no judiciário? Tente saber o salário dos juízes no Portal Transparência.
Maria Aparecida Lacerda Jubé
28/07/2016 - 20h06
É que, o sistema aleatório de distribuição dos processos para os ministros do Supremo, como todo brasileiro com mais de um neurônio, já percebeu que ministro do Supremo só existe um, o resto é figuração.
Flávio Prieto
28/07/2016 - 19h09
Podemos pedir a formação de uma comissão com representantes da OAB, CNMP, CNJ e outros órgãos para auditar esse sistema e ver se realmente é usado, se existe de fato e se é imparcial, não direcionado.
Ben Alvez
28/07/2016 - 18h55
aleatoriedade na justiça:
o julgamento e as sentenças podem ser aleatórias, mas o ‘sorteio’?
Mannish Manalishi
28/07/2016 - 18h51
A recusa apenas ajuda a caracterizar o aparelhamento e o golpe.
Fernando Santos
28/07/2016 - 17h08
eu acredito na distribuição aleatória, superman, batman, papai noel, eles existem de verdade até os vingadores são de carne e osso..a globo que falou, e quando a globo fala é pq é verdade!!!
Antonio Passos
28/07/2016 - 16h38
Ah, esse algoritmo qualquer programador sabe.
If “LULA” then Gilmar
else if “Dilma” then Gilmar
else
Sorteionormal
endif
Andre Soares
28/07/2016 - 17h22
Esse codigo seria melhor escrito assim:
IF “Aecio” THEN Gilmar
José Junior Santos
28/07/2016 - 17h57
Algo do tipo. Kkkkk
Octavio Filho
28/07/2016 - 15h33
A distribuição dos processos aos ministros é aleatória. O número de juízes que constam no programa é que não o é! O funcionário do STF só deve ter colocado o nome do Gilmar Mendes para sortear o julgamento do Aécio Never!
statumquo
28/07/2016 - 13h44
Quando Lula foi impedido de ser nomeado ministro da dilma, dez processos de juízes federais foram direcionados para o STF, o que já é um tanto estranho esse número absurdo de processos… 7 desses dez processos caíram ” aleatoriamente ” no colo no nosso valoroso ministro gilmar mendes…. aleatório, seeeeeeeeeeeeeeeeeeeei
João Batista Kreuch
28/07/2016 - 13h28
De fato, demorou a alguém pedir pra conhecer esse método “aleatório” no mínimo suspeito!