por Fernando Nogueira da Costa, no Cidadania & Cultura
Já postei uma apresentação Ha-Joo Chang, autor coreano do ótimo livro “23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo” (São Paulo : Cultrix, 2013). Ele é professor na universidade de Cambridge e autor de best-sellers nesta área de conhecimento. O economista heterodoxo é autor do livro “Chutando a Escada”. Nele, comenta que os países de capitalismo retardatário (EUA, Alemanha, Japão) criticam hoje a adoção de política industrial e protecionista por parte dos países de capitalismo tardio (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, etc.), incoerentemente, quando eles a utilizaram no Século XIX para superar o capitalismo originário da Inglaterra.
Ele é critico do livre mercado. Tem uma capacidade extraordinária de síntese. Vou compartilhar algumas de suas ideias heterodoxas em uma série de posts.
Nesse livro, ele critica as ideias neoliberais em vogas. Por exemplo, no capítulo 13, faz uma avaliação crítica da ideia de que “tornar as pessoas ricas mais ricas não faz com que todo mundo fique rico”.
O que os neoliberais dizem é que “temos que criar a riqueza antes que possamos compartilhá-la. Quer isso nos agrade ou não, são os ricos que vão investir e criar empregos. Os ricos são imprescindíveis tanto para reconhecer as oportunidades de mercado quanto para explorá-las. Em muitos países, a política da inveja e as estratégias populistas do passado colocaram restrições na criação da riqueza aplicando elevados tributos aos ricos. Isso precisa ter um fim. Esta afirmação pode parecer cruel, mas as pessoas pobres só podem ficar mais ricas com o tempo se tornarmos os ricos ainda mais ricos. Quando damos aos ricos uma fatia maior da torta, as fatias dos outros podem se tornar menores a curto prazo, mas os pobres receberão fatias maiores em termos absolutos a longo prazo, porque a torta ficará maior”.
O que os neoliberais não dizem é que essa ideia, conhecida como “economia trickle-down”, tropeça no seu primeiro obstáculo. Apesar da dicotomia usual de “política pró-ricos que estimula o crescimento” e “política pró-pobres que reduz o crescimento”, as políticas pró-ricos têm deixado de acelerar o crescimento nas últimas três décadas. Portanto, o primeiro passo deste argumento — ou seja, a ideia de que dar um pedaço maior da torta para os ricos tornará a torta maior — não se sustenta. A segunda parte do argumento — a opinião que uma maior riqueza criada no topo com o tempo gotejará e cairá sobre os pobres — tampouco funciona. O efeito trickle-down acontece, mas em geral o seu impacto é muito pequeno se o deixarmos entregue ao mercado.
A partir do século XVIII, a ordem feudal, pela qual as pessoas nasciam em certas “posições” e ali permaneciam pelo resto da vida, passou a ser atacada pelos liberais em toda a Europa. Eles argumentavam que as pessoas deveriam ser recompensadas de acordo com as suas realizações e não com a sua origem.
É claro que se tratava de liberais da safra do século XIX, de modo que tinham opiniões que os liberais de hoje considerariam censuráveis (com menos intensidade pelos liberais americanos, que na Europa seriam chamados de “a esquerda do centro”, e não de liberais). Acima de tudo, eles eram contra a democracia. Acreditavam que dar votos aos homens pobres — as mulheres nem mesmo eram consideradas, já que se acreditava que a faculdade mental delas era incompleta — destruiria o capitalismo. Por que isso?
Os liberais do século XIX acreditavam que a abstinência era a chave para a acumulação da riqueza e, portanto, do desenvolvimento econômico. Depois de adquirir os frutos do seu trabalho, as pessoas precisavam se abster da gratificação instantânea e investir o dinheiro, para que pudessem acumular riqueza. Nessa visão de mundo, os pobres eram pobres porque não tinham o caráter necessário para praticar essa abstinência. Por conseguinte, se os pobres obtivessem o direito de voto, eles iriam querer maximizar o seu consumo na ocasião, em vez do investimento, impondo tributos aos ricos e gastando-os. Isso poderia deixar os pobres em melhor situação a curto prazo, mas os deixaria em pior situação a longo prazo por reduzir os investimentos e, portanto, o crescimento.
Na sua política antipobres, os liberais tinham o apoio intelectual dos economistas clássicos, sendo David Ricardo, o economista britânico do século XIX, o mais brilhante de todos eles. Ao contrário dos economistas liberais de hoje, os economistas clássicos não viam a economia capitalista como sendo formada por pessoas. Eles acreditavam que as pessoas pertenciam a diferentes classes — capitalistas, trabalhadores e proprietários de terras — e se comportavam de uma maneira diferente de acordo com a sua classe.
A mais importante diferença de comportamento interclasse era considerada como sendo o fato que os capitalistas investiam (praticamente) toda a sua renda ao passo que as outras classes — a classe trabalhadora e a classe dos proprietários de terra — a consumiam. Com relação à classe dos proprietários de terra, as opiniões estavam divididas. Alguns, como Ricardo, a encaravam como uma classe consumidora que obstruía a “acumulação do capital, ao passo que outros, como Thomas Malthus, achavam que esse consumo ajudava a classe capitalista ao oferecer uma demanda adicional para os seus produtos.
No entanto, com relação aos trabalhadores havia um consenso. Eles gastavam toda a sua renda, de modo que se os trabalhadores obtivessem uma parcela maior da renda nacional, o investimento e, portanto, o crescimento econômico, ambos cairiam.
É aqui que os ardentes defensores do livre mercado como Ricardo juntam forças com os comunistas da extrema esquerda. Apesar das suas aparentes diferenças, ambos acreditavam que o superávit que pode ser investido deveria se concentrar nas mãos do investidor, da classe capitalista no caso do primeiro e da autoridade planejadora no caso do segundo, a fim de maximizar o crescimento econômico a longo prazo. Isso é, em última análise, o que as pessoas têm hoje em mente quando dizem que “é preciso primeiro criar a riqueza para depois poder redistribuí-la”.
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