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Os gritos da Praça XV ainda ecoam

A platéia estava lotada. O clima era de entusiasmo, mas também de belicismo. A esquerda carioca, historicamente ligada ao setor público, jamais esqueceu a papel da mídia durante o processo de privatização.

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A aliança entre o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, com o Partido dos Trabalhadores, para disputar as eleições municipais deste ano amanheceu quase certa nesta quinta-feira. Os principais ingredientes que a tornam possível já estão dentro da panela. Falta só manter o fogo aceso por mais um tempo para que o prato fique pronto. A refeição será consumida em outubro, pelo eleitor paulistano.

Os ingredientes deste exótico prato são:

  1. Apoio e benção de Lula, e portanto, de Dilma e do governo federal.
  2. Desistência de Serra, oficialmente anunciada ontem e repercutida amplamente hoje nos jornalões paulistas.
  3. A resistência dos petistas paulistanos, que se supunha renhida, já foi quebrada; a maioria entendeu sua importância para a consolidação do projeto nacional.

Agora só há um obstáculo importante para a concretização da aliança PSD X PT na terra da garoa: os tucanos aceitarem a condição imposta por Kassab, de indicar o cabeça de chapa, que seria Guilherme Afif Domingos, para fazer a aliança com o PSDB.  A condição é humilhante para Alckmin e para o partido em geral, pois corresponderia a uma admissão de fraqueza e insegurança. Dificilmente prosperará dentro do partido, em vista das ambições já desenvolvidas entre os précandidatos tucanos. Os serristas, hoje minoritários no partido, defendem que o PSDB aceite a proposta de Kassab; se o fizerem, talvez então tenhamos uma chapa PSDB e PSD.

Se houver, por outro lado, uma aliança entre Kassab e PT, o candidato Fernando Haddad gozará de uma máquina política extremamente competitiva, ainda mais considerando a poderosa influência de Lula sobre o eleitorado paulistano, e o ex-presidente dá sinais de que entrará nessa disputa de corpo e alma. Dentro de alguns meses, ele deverá estar totalmente recuperado do tratamento contra o câncer, e iniciará uma série de atividades políticas com vistas a divulgar o nome de seu candidato junto ao paulistano.

No xadrez nacional, a eleição em São Paulo é sempre importante, e cada vez de um jeito diferente. Se o PT vencer as eleições deste ano, aumenta a dificuldade para a oposição vencer Dilma Rousseff em 2014, pois obrigará o PSDB a concentrar esforços para não perder também o governo do Estado, o que levaria o partido a um período de trevas.

Atualização: Em entrevista à Folha, Haddad não demonstra entusiasmo com o apoio de Kassab à sua candidatura, alegando que tem informações de que a prioridade do prefeito é aliar-se aos tucanos. Haddad ainda não sabia, contudo, da desistência oficial de Serra, fator que restringe as opções de Kassab e o empurra um pouco mais na direção do PT.

*

Ontem eu fui ao lançamento do livro de Amaury Ribeiro Junior, a Privataria Tucana, no Sindicato dos Bancários do Rio, realizado no último andar da avenida Presidente Vargas 502. O deputado federal, Protógenes Queiroz, reiterou o seu entusiasmo pela aprovação da CPI da Privataria, lembrando que os movimentos sociais e populares, os estudantes e os partidos progressistas estão bastante organizados e mobilizados para pressionar o Congresso.

Amaury Ribeiro, por sua vez, atacou duramente os jornalistas e blogueiros da direita que tentam desqualificá-lo.

Gilberto Palmares, deputado estadual pelo PT, fez um discurso muito emocionado, lembrando as lutas contra a privatização, que as forças de esquerda perderam, nas décadas de 80 e 90.

A platéia estava lotada. O clima era de entusiasmo, mas também de belicismo. A esquerda carioca, historicamente ligada ao setor público, jamais esqueceu a papel da mídia durante o processo de privatização. Os gritos de guerra que tomaram a praça XV durante a privatização da Vale, e que levaram o governo FHC a fechar várias ruas usando até tanques do exército (o que, por uma dessas ironias da História, fez o governo tucano parecer-se ao PC chinês de 1989, que reprimiu os protestos estudantis na praça Celestial; e aos ditadores árabes atuais) ainda ecoam fortemente no Rio de Janeiro – e em todo país.

Todos disseram que o debate ideológico e político sobre a privatização jamais foi realizado a contento, e que o livro de Amaury permitia que este fosse recuperado. Os argumentos de que, não fosse a privatização, não haveria celular no Brasil, sempre usado por seus defensores, foi ridicularizado por vários oradores. Palmares lembrou que a telefonia no Brasil foi privatizada justamente pouco antes da revolução tecnológica que iria transformar o setor.

Houve ainda um debate sobre a regulamentação da mídia, defendida por algumas pessoas da platéia. Amaury se posicionou duramente contra qualquer intervenção do Estado na imprensa, alegando que a blogosfera já estava ganhando muito espaço, não havendo portanto necessidade de “um estatuto para proibir a imprensa no Brasil”.

“Sou contra a censura”, declarou.

O deputado federal Protógenes Queiroz também ponderou que não há sinais de que o Congresso Nacional tenha disposição ou clima para aprovar qualquer mudança constitucional efetiva no que tange à mídia brasileira, mas observou que o debate, sim, será feito. Ele argumentou que, sem um debate amadurecido, e sem o devido acúmulo de forças,  há o risco de que mudanças na legislação da mídia resultem numa situação ainda pior do que a atual.

De qualquer forma, independente das visões sobre a conveniência ou não de uma nova lei para regulamentá-la, o consenso geral era de que a mídia foi a grande arma do tucanato para levar adiante a privatização, e que é ela, hoje, o único trunfo político da direita para se manter influente e, eventualmente, voltar ao poder.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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elson

19/01/2012 - 15h56

Será algo bizarro ver Kátia Abreu e outros demotucanos no mesmo palanque de Lula . Eu pessoalmente acho que Lula não conseguirá dobrar a militância paulista e se associar a uma cria do PSdB . Uma coisa é voce emplacar seu candidato , outra é voce convencer seus fiéis seguidores que o diabo não é tão mal quanto se pinta .

    Miguel do Rosário

    19/01/2012 - 18h35

    Katia Abreu não é de SP. Outros demotucanos vão ficar na deles. Lula ficou no mesmo palanque com deus e diabo, e a mídia estampava na primeira página, por semanas a fios. lembra da foto de lula abraçando collor?

Mucuim

19/01/2012 - 11h28

"O único foco real de oposição é São Paulo, Estado que impõe muito respeito e sozinho já assusta. Se o PT ganhar a capital e o governo, acabou o PSDB. O PT vira partido único, hegemônico", diz um dirigente do PSB. …Leia mais: http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/n

    Miguel do Rosário

    19/01/2012 - 11h50

    Obrigado pela colaboração, Mucuim.

Rafael O. Leite

19/01/2012 - 10h51

Petistas bateram na administração Serra-Kassab durante anos a fio, com toda a razão e apoio da esquerda em São Paulo.
Agora anunciam uma aliança?
Que porra é essa?

    Miguel do Rosário

    19/01/2012 - 10h59

    Olá Rafael, pois é. Mas no Brasil inteiro, houve sacrifícios locais em função de objetivos nacionais maiores. Imagino que os formuladores dessa aliança, entre eles Lula, consideram que agora é a vez de São Paulo dar a sua cota de sangue. De qualquer forma, o PSD vai entrar (se entrar) apenas com o vice e deve assumir alguma secretaria, mas sem apitar nada. Kassab entra com um cacife político muito baixo, embora importante estrategicamente para ganhar eleição, em virtude do domínio da máquina municipal.

    As políticas públicas de SP serão ditadas pelo prefeito, seu partido, e partir de uma orientação a nível nacional.


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