Hoje um artigo de Daniel Aarão Reis trata daquele monstro da Noruega, Breivik Behring, que matou 76 pessoas. Ainda não achei um link para a íntegra do artigo, mas a síntese do texto é a sua conclusão. Ele faz uma comparação à condenação de Eichmann, um nazista que, julgado pelo tribunal de Nuremberg pela matança de milhões de judeus em campos de extermínio, alegou que apenas cumpria ordens. E finaliza, com frase que vai copiada em destaque na página:
Eu quero comentar este caso porque, há algumas semanas, quando o tribunal que julga o assassino havia decidido que ele era esquizofrênico, o Globo também publicou uma chamada na primeira página, no dia 30 de novembro de 2011, expressando o mesmo incômodo.
As aspas que cercam a palavra esquizofrênico tem o valor semântico de uma crítica amarga. É como se o editor dissesse: “oram, vejam só! Esquizofrenia! Ele é um monstro e deve ser punido, isso sim!”
Quando eu li a matéria na íntegra, porém, tive uma surpresa. A decisão foi interpretada, na Noruega, de uma maneira oposta ao que o senso comum o fez no Brasil, como agora eu pude confirmar lendo o artigo de Reis. Os altos círculos intelectuais e políticos, incluindo familiares das vítimas, comemoraram a decisão dos juízes de declararem Breivik como um esquizofrênico (sem aspas), porque com isso desacreditaram que houvesse qualquer valor em suas ideias. Ao declararem-no insano, eles atacaram sobretudo suas ideias, consideradas apenas delírios de um doente mental.
Os políticos de direita de toda Europa, que (incrivelmente) haviam feito declarações mais ou menos justificadoras do crime de Breivik, dizendo que ele se excedera mas fora movido por desejos legítimos de proteger a Europa, sentiram-se profundamente incomodados com o veredicto de loucura. E manifestaram abertamente esse incômodo.
Ou seja, Reis dá a vazão, na verdade, a um mesquinho e populista senso comum de que o veredicto de “esquizofrênico” beneficia o psicopata, que irá assim para “um confortável manicômio”. A expressão denota a típica (e melancólica) vendeta latina, tão distante da maneira desapaixonada e objetiva com que os nórdicos trataram o problema. Em primeiro lugar, as prisões da Noruega também são confortáveis. Então Breivik ficaria “confortável” tanto em manicômio quanto numa prisão convencional. Em segundo lugar, não existe propriamente nenhum manicômio “confortável”. Ao usar o adjetivo “confortável”, Reis expressa apenas a visão de uma consciência “bárbara” falando de um país civilizado. Ou seja, o historiador demonstra irritação com a famosa qualidade e conforto das instituições públicas escandinavas, características essas que beneficiam também os pervertidos e degenerados destes países. A maneira que eles combatem a criminalidade (aí incluindo crimes monstruosos, como o de Breivik) é apostando altivamente no poder da civilização. O fato de ostentarem as menores taxas de criminalidade do mundo prova que estão no caminho certo. No entanto, manicômio judiciário é manicômio judiciário em qualquer lugar; pode ser limpinho, cheiroso e organizado, mas continua sendo um espaço onde o ser humano é privado não apenas de sua liberdade, como também de sua idoneidade psíquica fundamental.
Há ideias políticas que se convertem em obsessões paranóicas, esquizofrênicas, e como tal devem ser tratadas. Claro que entramos em terreno perigoso aqui também. Não estou falando de criminalizar nenhuma ideologia. Refiro-me a ideias que toleram crimes como os cometidos por Breivik, que matou friamente 76 pessoas, a maioria jovens de partidos democráticos de esquerda que se reunia numa ilha.
Ser considerado “esquizofrênico” não é nenhum prêmio, assimo como também não o é passar o resto de seus dias “num manicômio”. Os monstros não são normais, caro Reis. Os noruegueses, a meu ver, reagiram com muita sabedoria do início ao fim neste episódio. O primeiro-ministro declarou que o país não deixaria que a qualidade de sua democracia fosse arranhada pelo crime, pois isso seria lhe conferir prestígio. E agora, declarando-o insano, mostraram o desprezo profundo por suas ideias reacionarias, ao mesmo tempo em que poderão estudar o caso de Breivik em instituições especializadas, de maneira a entender como um indivíduo atingir um grau tão doentio de frieza emocional e radicalismo ideológico.
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