Por Wilson Ramos Filho, o Xixo
Menos de 30 anos depois da publicação do Manifesto Comunista (1848), com o capitalismo europeu em profunda crise decorrente, inclusive, da contestação dos movimentos sociais dos trabalhadores socialistas e anarquistas, 15 governos se reuniram em Berlim, entre 15 de novembro de 1884 e 26 de fevereiro do ano seguinte, para, sob o argumento de prevenção de novas guerras, partilharem o continente africano. Fora os EUA e o Império Turco-Otomano, todos os demais participantes do pacto imperialista eram países europeus ocidentais.
Literalmente, a Europa dividiu a África segundo critérios que não guardavam relação com aspectos culturais dos povos originários ou com alguma racionalidade geográfica. A partilha foi feita segundo interesses econômicos e presença de entrepostos comerciais no litoral. Quem tivesse o litoral teria o interior do continente (princípio do hinterland).
Grande parte da riqueza europeia, desde então, decorreu das deliberações de Berlim em 1885. A exploração dos africanos e de suas riquezas produziu a opulência que garantiu o desenvolvimento econômico e os “trinta gloriosos anos” do capitalismo administrado, que proporcionou a construção da social-democracia europeia na segunda metade do século XX e a atual União Europeia.
Todavia, desde os anos 1960 do século passado, um potente movimento anticolonialista varreu o continente africano. O atual mapa político é consequência desse processo e das guerras que se estabeleceram em quase todos os países depois das independências políticas, a maioria delas fomentadas por países europeus continentais. Mas, de um modo ou de outro, desde então as antigas metrópoles mantiveram mecanismos de exploração semicolonial e imperialista, turbinando o capitalismo europeu à custa da miséria na África, pelo menos até o final do século passado.
No início do século XXI, começaram a aparecer fissuras no neocolonialismo europeu pelos investimentos em infraestrutura chineses e russos em muitos países, como contrapartida da exportação de produtos primários para alimentar o desenvolvimento econômico nesses novos parceiros comerciais.
De outra parte, o capitalismo estadunidense se expandiu em direção às Américas, ao Oriente Médio e, de um modo bastante agressivo, por intermédio da globalização neoliberal, em todo o mundo.
Seja como for, a Europa foi se tornando, pouco a pouco, cada vez mais irrelevante do ponto de vista econômico, embora mantivesse certa importância geopolítica. E, por conta da mediocridade dos líderes europeus, ao cabo de algumas décadas tornou-se vassala das decisões políticas dos EUA.
A guerra inventada pela OTAN na Ucrânia só fez piorar as relações internacionais e escancarou a fragilidade da União Europeia, que embarcou em uma guerra sem sentido para agradar os EUA.
Agora que o pragmatismo do Partido Republicano estadunidense e dos oligarcas bilionários que chegaram ao poder com Trump quer terminar a guerra contra a Rússia, de modo ridículo, como um poodle ladrando para um urso, a Europa tenta vender ao mundo a mentira de que haveria um risco iminente de uma expansão russa sobre os países europeus ocidentais.
É muita dissociação cognitiva a imprensa mundial comprar a falsa ideia de que a Europa estaria em perigo. Por que razão o país com maior território no planeta iria querer invadir a decadente Europa Ocidental? Um continente que não tem riquezas minerais, é dependente energético crônico, está envolto em profundas crises de identidade, humanitária, de valores e em irremediáveis crises econômicas, imigratórias e sociais que propiciaram o ressurgimento do fascismo e o fim da Europa Social, convenhamos, não parece ser alvo da cobiça de nenhum dos outros centros de poder global.
De maneira deprimente, vemos Inglaterra, França, Alemanha, Itália, entre outros, tentando se agrandar, falar grosso, como se ainda vivêssemos em 1885 e como se a Europa ainda possuísse a importância que teve no século XIX e no curto século XX (como dizia Hobsbawm), fazendo ameaças nucleares. Obviamente, a Rússia não tem nenhum interesse em invadir a Europa Ocidental. Só trouxas embarcariam nessa narrativa tacanha.
Lamentavelmente, a guerra na Ucrânia vai continuar como decorrência da inútil tentativa de uma Europa decadente de se afirmar como interlocutora de uma nova partilha dos mercados (produtores e consumidores) em um cenário de afirmação dos BRICS, da China, da Rússia, da Índia e do Brasil nos negócios internacionais. Espero que o mundo tenha a lucidez que falta às elites políticas e econômicas europeias. Caso contrário, o risco real será o de uma terceira guerra mundial de consequências inestimáveis para o futuro da vida na Terra.
Wilson Ramos Filho, o “Xixo”, 10 de março de 2025
Original: https://www.facebook.com/share/p/15V6YrKuyB/?mibextid=wwXIfr
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