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Análise crítica da cobertura do Jornal Nacional sobre relatório da Transparência Internacional

Por Eliara Santana, Jornalista e Pesquisadora em Comunicação Política A edição do Jornal Nacional (JN) de 11 de fevereiro reacendeu um padrão perigoso de cobertura ao repercutir, de forma seletiva e tendenciosa, o relatório da Transparência Internacional sobre a percepção da corrupção no Brasil. A abordagem remete à antiga parceria midiática com a Operação Lava […]

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Uma diretora da Transparência Internacional postou em suas redes sociais uma foto com o boneco de Lula presidiário.

Por Eliara Santana, Jornalista e Pesquisadora em Comunicação Política

A edição do Jornal Nacional (JN) de 11 de fevereiro reacendeu um padrão perigoso de cobertura ao repercutir, de forma seletiva e tendenciosa, o relatório da Transparência Internacional sobre a percepção da corrupção no Brasil. A abordagem remete à antiga parceria midiática com a Operação Lava Jato (2014-2018), que transformou narrativas jurídicas em espetáculos de condenação política. Desta vez, o alvo é o governo Lula, e o método é familiar: generalizações, descontextualização e o retorno de um jornalista emblemático dessa época, Vladimir Neto.

Metodologia frágil e interesses não declarados
O relatório da Transparência Internacional, construído a partir de entrevistas com nichos específicos (empresários e analistas de risco), colocou o Brasil na 137ª posição em um ranking de 180 países. O JN destacou o resultado como o “pior em 12 anos” e vinculou a queda ao “silêncio de Lula sobre corrupção”. A escolha de Vladimir Neto — cujo histórico inclui reportagens alinhadas aos interesses da Lava Jato — para narrar a matéria não é mero acaso. Seu tom grave e a ausência de perguntas críticas reproduzem o roteiro que transformou Sergio Moro em “herói” e o PT em vilão permanente.

A crítica ao “número de menções à palavra ‘corrupção’ nos discursos de Lula” é particularmente falaciosa. Como bem lembra a professora Maria Luiza Alencar Feitosa, pesquisadora da Universidade Federal do Ceará, em debate público em 2023, “o discurso da corrupção será reativado para atacar políticas estratégicas, como o PAC”. A observação dela se confirma: o relatório ataca o PAC por “falta de transparência”, ignorando que o programa retomou critérios técnicos após anos de desmonte sob Bolsonaro.

O timing suspeito e a descontextualização
A reportagem do JN surge em um momento político revelador: dias após a PF concluir o relatório sobre o envolvimento de Bolsonaro em tentativas golpistas e em meio a escândalos de corrupção no Congresso. Enquanto aliados do ex-presidente são investigados por rachadinhas e milicianos, o foco midiático recai sobre Lula. O relatório ainda menciona a “captura do Estado pelo crime organizado”, insinuando — sem provas — que isso ocorre sob a gestão atual. A generalização é perversa: o crime organizado avançou justamente durante o enfraquecimento das políticas de segurança e controle social nos últimos anos.

A hipocrisia do elogio à Lava Jato
O documento citado pelo JN critica as anulações de condenações da Lava Jato pelo STF, classificando-as como “prejudiciais”. Omitem, porém, que essas decisões responderam a ilegalidades gritantes: colaborações premiadas sem fundamento, vazamentos seletivos à imprensa e conluio entre juízes e promotores. A Lava Jato não foi um combate à corrupção, mas um projeto de poder, como comprovam as mensagens vazadas do caso Vaza Jato. A reportagem do JN, ao reviver esse imaginário, reescreve a história.

A CGU responde, mas a narrativa prevalece
A única brecha para contraditório na matéria foi uma nota da Controladoria-Geral da União (CGU), que rebateu a metodologia do relatório: “Países que combatem a corrupção ativamente tendem a ter piora na percepção inicial, pois as investigações tornam o problema mais visível”. A CGU também destacou avanços como a extinção do orçamento secreto e a retomada de transparência em licitações. Esses pontos, porém, foram mencionados de forma breve, sem desafiar a narrativa principal.

Conclusão: o falso discurso anticorrupção como arma política
A matéria do JN não é sobre corrupção, mas sobre a reativação de um repertório para criminalizar o governo Lula. Quando a narrativa da “crise econômica” perde força, resurge o fantasma da “corrupção sistêmica”, ainda que sem bases concretas. A professora Maria Luiza Feitosa alertou para esse movimento: o discurso anticorrupção será usado para sabotar programas como o PAC, essenciais para reduzir desigualdades.

É sintomático que, em meio a um Congresso marcado por escândalos e um ex-presidente acusado de golpe, o JN escolha reacender o tema com o mesmo jornalista e a mesma lógica de 2014. A democracia brasileira merece mais do que espetáculos midiáticos: exige análise crítica, contextualização histórica e respeito aos fatos.

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