Um artigo recente da Foreign Affairs lista as estratégias chinesas para driblar as hostilidades crescentes dos EUA. Uma delas chamou a atenção dos internautas, por lembrar um meme que tem viralizado nas últimas semanas, de um chinês fortão e sorridente, sob a chamada “Não faça nada. Vença.”
No texto de Yun Sun, ele menciona que “[os chineses] acreditam que as políticas de Trump prejudicarão a posição global dos EUA a longo prazo—e, quando isso acontecer, a China pretende estar pronta para tirar proveito da situação.”
É o que diz o meme. Não faça nada. Vença.
Mas agora tem outro meme circulando, com um acréscimo. Faça alguma coisa, e vença também. Esse último é mais condizente com a estratégia da China, pois se em alguns aspectos ela prefere apenas esperar, sem fazer grande coisa, os EUA de Trump continuarem a atirar nos próprios pés, em outros ela tem agido de maneira muito assertiva, conforme vocês poderão ler no artigo abaixo.
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A estratégia da China para Trump
Pequim se prepara para tirar vantagem da turbulência.
Nos meses desde a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos em novembro, formuladores de políticas em Pequim têm olhado para os próximos quatro anos das relações entre China e EUA com apreensão. A expectativa é de que o governo Trump adote políticas rígidas contra a China, potencialmente intensificando a guerra comercial, a guerra tecnológica e o confronto sobre Taiwan. A visão predominante é que a China deve se preparar para tempos difíceis em sua relação com os Estados Unidos.
A imposição de tarifas de 10% sobre todos os produtos chineses nesta semana pareceu justificar essas preocupações. A China reagiu rapidamente, anunciando suas próprias tarifas sobre determinados bens americanos, além de restrições à exportação de minerais críticos e uma investigação antitruste contra o Google, empresa sediada nos EUA. No entanto, mesmo com essas ferramentas à disposição, a capacidade de Pequim de superar Washington em uma disputa olho por olho é limitada pelo poder relativo dos Estados Unidos e pelo grande déficit comercial norte-americano com a China.
Os formuladores de políticas chineses, cientes desse problema, têm planejado mais do que simples táticas de guerra comercial. Desde o primeiro mandato de Trump, Pequim vem adaptando sua abordagem aos Estados Unidos e, nos últimos três meses, aprofundou sua estratégia para antecipar, neutralizar e minimizar os danos causados pela imprevisibilidade da política de Trump. Como resultado desse planejamento, um amplo esforço para fortalecer a economia doméstica e as relações exteriores da China está em andamento de forma discreta.
A estratégia da China reflete, em grande parte, a abordagem do governo Biden para a relação com Pequim, que se baseava na lógica de “investir, alinhar e competir”—investindo na força dos EUA, alinhando-se com parceiros e competindo quando necessário. O plano de Pequim para enfrentar os anos Trump se concentra, por sua vez, em tornar a economia doméstica mais resiliente, reconciliar-se com vizinhos estratégicos e aprofundar suas relações com o Sul Global. Trump pode conseguir algumas vitórias de curto prazo, mas Pequim pensa além dele. Os líderes chineses continuam convencidos de que o destino histórico do país é superar os Estados Unidos como a principal potência global. Eles acreditam que as políticas de Trump prejudicarão a posição global dos EUA a longo prazo—e, quando isso acontecer, a China pretende estar pronta para tirar proveito da situação.
Movimento de reformas
Fortalecer a economia interna tem sido um dos pilares da estratégia de Pequim. Diante da expectativa de que a presidência de Trump trará volatilidade por meio de tarifas, sanções e restrições de exportação, a China tem implementado medidas de estímulo para impulsionar a economia real e fortalecer o consumo interno.
Em 8 de novembro, três dias após a eleição nos EUA, Pequim anunciou um programa de US$ 1,4 trilhão para reduzir as dívidas dos governos locais ao longo de dois anos. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que as dívidas locais da China totalizam cerca de US$ 9 trilhões. Lidar com esse problema representa um esforço significativo do governo central para estabilizar a economia e restaurar a confiança no mercado chinês.
No mês seguinte, em 9 de dezembro, Pequim prometeu “políticas fiscais mais ativas e políticas monetárias moderadamente flexíveis”, o que, na prática, significa maior gasto governamental, ampliação orçamentária e redução das taxas de juros. Isso marca uma ruptura com a política de austeridade implementada desde 2010, sinalizando um novo ciclo de estímulos econômicos.
Em meados de dezembro, a Conferência Central de Trabalho Econômico da China, um dos principais encontros do governo para definir a política econômica do ano seguinte, reforçou essas promessas. Entre as medidas discutidas estavam mais investimentos estatais, cortes nas taxas de juros e outras políticas para estimular o crescimento econômico.
Embora a introdução dessas medidas tivesse motivos internos, como o crescimento econômico desacelerado e os resultados tímidos dos estímulos anteriores, as tensões crescentes com os Estados Unidos aceleraram a tomada de decisão. A conferência de dezembro citou explicitamente o “impacto negativo crescente do ambiente externo” como uma das razões para as novas políticas fiscais. O maior fator de mudança no ambiente externo da China, sem dúvida, é o resultado da eleição americana.
Diversificação comercial
A estratégia chinesa não se limita a ajustes internos. Pequim também busca diversificar suas opções comerciais. Nos últimos meses, autoridades chinesas reiteraram o interesse do país em ingressar no Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífica (CPTPP), bloco comercial de 12 países que sucedeu a Parceria Transpacífica original, da qual os EUA se retiraram em 2017.
A entrada da China no CPTPP exigiria reformas estruturais significativas, pois os critérios do bloco são rigorosos. No entanto, Pequim reconhece o valor de acordos multilaterais: a adesão à Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001 foi um dos fatores decisivos para o crescimento econômico chinês. Agora, com o declínio da influência da OMC e a ascensão de novos blocos, a China busca garantir que não fique de fora.
Diante de um cenário em que Trump pode dificultar o acesso chinês ao mercado americano, expandir parcerias comerciais globais se tornou prioridade.
Aproximação com Índia e Japão
Outra frente da estratégia de Pequim tem sido a reaproximação diplomática com países estratégicos. Antecipando maiores tensões no Indo-Pacífico, a China tem buscado resolver conflitos com Índia e Japão, dois vizinhos com os quais teve relações conturbadas nos últimos anos.
Em outubro de 2024, Pequim e Nova Délhi chegaram a um acordo inesperado para reduzir as tensões na fronteira disputada de Ladakh, encerrando um impasse militar de quatro anos. Após a vitória de Trump, Pequim convidou o conselheiro de segurança nacional da Índia, Ajit Doval, para negociações em Pequim, onde ele teve um raro encontro com o vice-presidente chinês Han Zheng, um gesto de boa vontade.
Já no Japão, Pequim suspendeu em setembro de 2024 um embargo sobre frutos do mar japoneses, imposto um ano antes. Em novembro, durante a cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC), Xi Jinping e o premiê japonês Shigeru Ishiba anunciaram a restauração do programa de isenção de visto para turistas japoneses.
O jogo de longo prazo
A China tem opções para reagir a novas tarifas e restrições que Trump possa impor: entre suas ferramentas estão controles de exportação, sanções contra empresas americanas, desvalorização da moeda e tarifas retaliatórias sobre produtos dos EUA. Pequim deve avaliar suas respostas com base nas ações de Trump, mas, ao contrário de 2016, agora o governo chinês não apenas reage—ele já tem um plano estruturado.
Desde o primeiro mandato de Trump, Pequim percebeu que Washington estava disposto a ultrapassar limites antes considerados intransponíveis, como discussões diretas sobre o Partido Comunista Chinês e Taiwan. Esse aprendizado fez com que o governo chinês perdesse qualquer ilusão de que haveria um “piso mínimo” para as relações bilaterais.
Ao longo dos últimos oito anos, Pequim se preparou para mitigar os danos das políticas de Trump, investindo no fortalecimento da economia doméstica e aprofundando alianças com o Sul Global.
O objetivo final da China não é apenas resistir a Trump—é aproveitar os erros americanos para consolidar sua ascensão como a principal potência global.
Por Yun Sun, para a Foreign Affairs
6 de fevereiro de 2025
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