Com IA e engenharia genética, cientistas criam antivenenos inovadores que prometem salvar milhares de vidas e eliminar riscos de reações alérgicas graves
A MORDIDA de uma mamba-negra (foto) causa paralisia dos músculos respiratórios. E morte. Perturbe uma víbora-de-Russell e o encontro pode levar a danos nos rins e hemorragias excessivas. E morte. Quanto à jararaca, bem, você já entendeu.
Seja qual for o atacante, entretanto, o tratamento para picadas de cobra tem sido o mesmo há um século: injetar um antiveneno contendo anticorpos produzidos em um cavalo ou ovelha.
Médicos gostariam de substituir essa abordagem antiquada e arriscada, que pode provocar reações alérgicas, por uma solução que ofereça produtos isentos de alérgenos de maneira barata e em grande escala. Resultados iniciais de dois grupos de pesquisa, um em laboratórios tradicionais e outro usando inteligência artificial (IA) de ponta, são promissores.
Do laboratório tradicional ao design computacional
Os pesquisadores em laboratórios tradicionais vêm do Scripps Research, em San Diego, do Instituto Indiano de Ciência (IIS), em Bengaluru, e da Escola de Medicina Tropical de Liverpool. De acordo com Kartik Sunagar, do IIS, o problema que enfrentam é a diversidade de tipos de veneno, tanto dentro de uma espécie quanto entre espécies diferentes de cobras. Para simplificar, estão inicialmente focando em moléculas chamadas alfa-neurotoxinas de cadeia longa e três dedos, componentes importantes do arsenal dos elapídeos, grupo que inclui as mambas.
O caminho da IA é liderado por David Baker, da Universidade de Washington, ganhador do Prêmio Nobel de Química de 2024 por seu trabalho em design computacional de proteínas. Ele e sua equipe também têm como alvo essas alfa-neurotoxinas.
Ambos os grupos estão buscando proteínas capazes de neutralizar diversos tipos dessas toxinas-alvo ao se ligarem a elas, tornando-as ineficazes.
Superanticorpos e proteínas projetadas por IA
No laboratório tradicional, como descrito em um artigo publicado na Science Translational Medicine, a equipe tenta “supercarregar” anticorpos — ou imunoglobulinas — eliminando o uso de animais no processo. Atualmente, os antivenenos são produzidos injetando veneno de cobra em animais para provocar uma resposta imune, com anticorpos sendo extraídos do sangue dos animais.
A equipe gerou bilhões de fragmentos de anticorpos em laboratório usando células de levedura geneticamente modificadas e os testou contra oito alfa-neurotoxinas representativas. Os fragmentos vencedores foram injetados em camundongos junto com venenos de mamba-negra, krait-de-faixas-múltiplas e cobra-monóculo. Todos os camundongos sobreviveram.
Já a abordagem de Baker, descrita na revista Nature, ignorou os anticorpos e projetou, do zero, novos tipos de proteínas. Usando IA, ele calculou o formato ideal que uma proteína precisaria ter para se ajustar ao sítio ativo das toxinas. Em seguida, determinou quais aminoácidos, em que ordem, seriam necessários para criar essas proteínas. Por fim, o design foi testado em leveduras, gerando proteínas que, quando testadas em camundongos, alcançaram taxas de sobrevivência de 80% a 100%.
Um futuro sem antivenenos tradicionais?
Como isso se aplicará a seres humanos ainda é incerto. Há muito trabalho a ser feito para transformar essas descobertas em medicamentos. No entanto, caso sejam bem-sucedidas, essas inovações poderão reduzir significativamente as mortes e incapacidades causadas por picadas de cobra, que atualmente resultam em cerca de 100 mil mortes e 300 mil casos de invalidez por ano.
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