A classe média da China está surfando numa onda de otimismo com o mercado em alta; até quando essa confiança vai durar?
Após o mercado de ações da China continental atingir sua pior baixa em cinco anos, em fevereiro, Gu Wenyi decidiu vender todas as suas ações, prometendo “nunca mais” voltar ao mercado. A mulher de 41 anos perdeu cerca de 80% dos 2 milhões de yuans (US$ 283.000) que havia investido ao longo de uma década.
No entanto, nesta semana, Gu se uniu a milhões de chineses que retornaram ao mercado com otimismo renovado, após o governo anunciar novas medidas para reativar a economia. “Acho que a liderança máxima está falando sério desta vez”, comentou Gu, uma dona de casa em Xangai. Ela destacou que, como uma veterana do mercado de ações, está “cautelosamente otimista” e acredita que o mercado está em alta, embora incerta quanto à duração desse ciclo.
Na terça-feira (1º), após o feriado do Dia Nacional, as bolsas da China registraram recordes de volume de negociação, impulsionadas por uma série de estímulos econômicos que aumentaram a confiança de investidores de classe média, ao menos a curto prazo. No entanto, muitos continuam inseguros sobre as perspectivas de longo prazo para a economia chinesa.
Queda no desempenho das bolsas chinesas
Desde 2021, o mercado de ações da China continental tem sido um dos piores desempenhos globais, impactado por uma recuperação econômica instável após a pandemia, e pelo foco de Pequim em questões como segurança nacional e tecnologia, em meio a tensões com os Estados Unidos e seus aliados.
No final de setembro, durante uma reunião do Politburo, o governo chinês lançou um apelo para apoiar o setor privado, estabilizar o mercado imobiliário e aumentar a confiança no mercado de capitais, além de ampliar o apoio fiscal. Essas medidas incluíram cortes nas taxas de juros e hipotecas, planos para priorizar a criação de empregos e promessas de introduzir “medidas poderosas e eficazes” para impulsionar o mercado de capitais.
Na terça-feira (3), a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma (NDRC) anunciou a liberação antecipada de 100 bilhões de yuans (US$ 14,1 bilhões) do orçamento de 2025 para projetos de infraestrutura. Analistas indicam que pacotes de estímulos mais robustos, na casa dos trilhões de yuans, podem ser anunciados até o final deste ano e ao longo de 2024.
Apesar dessas medidas, o crescimento econômico da China tem desacelerado, impactado por uma crise no mercado imobiliário, demanda doméstica fraca e pessimismo entre os investidores. Ainda assim, Gu está esperançosa: “Isso mostra que a alta liderança se importa com a economia e o mercado de capitais – nos dá esperança”, afirmou. “Para a classe média como eu, não há melhor opção de investimento.”
A classe média e o futuro da economia chinesa
O governo chinês tem como objetivo expandir a classe média, atualmente definida como famílias de três pessoas com rendimentos entre 100.000 yuans e 500.000 yuans por ano. Hoje, esse grupo representa cerca de um terço da população chinesa, que soma 1,4 bilhão de habitantes. Em comparação, a classe média abrange 50% da população dos Estados Unidos, e mais de 70% em muitos países desenvolvidos da Europa.
A expansão da classe média é considerada fundamental para a dinâmica econômica de um país, pois influencia a demanda por bens e serviços, impactando o mercado global. Contudo, as restrições da política de zero-Covid prejudicaram gravemente a economia chinesa. Empresas faliram, e o preço dos imóveis – que representa cerca de dois terços dos ativos das famílias de classe média – despencou nos últimos anos.
Para Gu, a recente recuperação do mercado de ações oferece uma chance de melhorar as finanças de sua família. “Os bons tempos ficaram para trás, especialmente agora que a China está envolvida nessa rivalidade com os EUA”, disse. “Vou aproveitar todas as oportunidades para garantir um futuro mais seguro.”
Imóveis e a incerteza do mercado
Enquanto alguns, como Gu, voltaram ao mercado de ações, outros continuam cautelosos. Zhang Shengying, um programador de 38 anos em Pequim, disse ser “avesso ao risco” e, por isso, não planeja investir em ações. Ele considerou vender um de seus dois apartamentos após o governo de Pequim reduzir as taxas de juros de hipotecas e facilitar a compra de imóveis. A medida segue ações semelhantes em grandes cidades como Xangai e Shenzhen.
Durante o feriado de 1º de outubro, o interesse por imóveis cresceu significativamente. Em 22 cidades chinesas, as transações de novas casas aumentaram 26%, enquanto as vendas de imóveis existentes subiram impressionantes 161% em comparação ao ano anterior. O apartamento de Zhang, localizado no subúrbio de Pequim, perdeu um terço de seu valor desde 2017, mas ainda vale 60% a mais do que quando seus pais o compraram há 13 anos.
Zhang, no entanto, está hesitante. “O mercado parece estar melhorando, mas não sei onde investir o dinheiro se vender o imóvel”, disse ele, destacando que o medo de demissão o mantém cauteloso. “Essas políticas podem funcionar no curto prazo, mas estou preocupado com o futuro, já que a população da China está diminuindo.”
O desafio populacional da China
A população chinesa está encolhendo e envelhecendo, o que pode resultar no maior declínio populacional já registrado em qualquer país. Um relatório da ONU de julho previu que há 50% de chance de que a China perca metade de sua população até 2100. Com a taxa de natalidade em níveis historicamente baixos, menos mulheres em idade fértil e um número crescente de pessoas optando por não ter filhos, a situação demográfica do país torna-se cada vez mais preocupante.
Pequim também tenta estimular o consumo, com o diretor da NDRC, Zheng Shanjie, enfatizando a importância de incentivar o consumo entre as classes de baixa e média renda, além de melhorar os serviços de assistência a idosos e creches. No entanto, nenhuma medida concreta foi anunciada.
Qian Yihang, de 34 anos, que administra uma agência de viagens em Suzhou, estava considerando aproveitar o subsídio de 20.000 yuans oferecido pelo governo para trocar seu carro a gasolina por um veículo elétrico. No entanto, após seu pai sofrer um derrame, Qian decidiu manter o carro, pois agora é o único provedor de uma família de seis pessoas.
“As políticas de estímulo são importantes, mas parecem insuficientes”, afirmou Qian. “Com um pai doente e dois filhos para criar, sinto muito estresse. Precisamos de ajuda mais significativa, como subsídios em dinheiro e melhorias no bem-estar social, para recuperar a confiança na economia a longo prazo.”
Com informações do SCMP*
Natalia
12/10/2024 - 18h39
Vive sem liberdade.