Depósitos em espécie de R$ 641 mil, pagamentos em dinheiro para a empresa do próprio filho, diálogos sobre propinas entre investigados e decisões judiciais favoráveis a advogados que faziam transferências bancárias a pessoas próximas são alguns dos indícios que pesam contra o desembargador Ivo de Almeida, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), suspeito de venda de sentenças.
O magistrado foi alvo de busca e apreensão na Operação Churrascada, realizada na última quinta-feira (20/6) pela Polícia Federal (PF), por ordem do ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que também determinou o afastamento de Ivo de Almeida de suas funções por um ano. Detalhes da investigação foram revelados pelo jornalista Fausto Macedo, do Estadão.
A investigação começou com a Operação Contágio, deflagrada em 2021 para apurar supostos desvios milionários em hospitais públicos geridos por Organizações Sociais de Saúde (OSS). Um dos alvos era o guarda municipal Wellington Pires, suspeito de lavagem de dinheiro para o esquema e também advogado, flagrado em conversas sobre supostas compras de decisões do desembargador.
Pires é apontado como o intermediário entre representantes do desembargador e o advogado Luiz Pires Moraes Neto. O pedido de busca e apreensão da Procuradoria-Geral da República (PGR) na operação da semana passada contém dezenas de trocas de mensagens da dupla com esses intermediários. Valmi Lacerda Sampaio, falecido em 2019, era o primeiro a fazer essas tratativas.
Diálogos sobre propina
Formalmente, não havia vínculos entre Valmi e Ivo de Almeida, mas Valmi era amigo do desembargador. Valmi usava o codinome “churrasco” para se referir aos plantões judiciários de Ivo de Almeida, quando ele despachava os pedidos enquanto o relator natural estava de folga.
Em uma mensagem de 2018, Valmi avisa a Wellington: “Vamos fazer mais um churrasco no dia 23/08”. Dias depois, Wellington diz: “Eu tô em São Roque e tem uma picanha aí para levar procê ver se vai assar ela no dia 23 ou não”. Valmi pede pressa para enviar as “folhas” e “analisar rápido”. Wellington envia cópias de uma execução de pena de uma mulher condenada a 8 anos de prisão por furto de R$ 3 milhões.
Após a morte de Valmi, Wilson Vital Menezes Junior, que se apresentava como “filho” de Valmi, se tornou o interlocutor de Ivo de Almeida. Nessas conversas mais recentes, há indícios de que o desembargador mudou decisões para beneficiar condenados defendidos por advogados por meio de propina.
Negociações de HC
Um dos casos é o de Adormevil Vieira Santana, condenado a 7 anos de prisão por roubo e estelionato. Wellington abordou Wilson Vital por mensagens: “Esse HC, esse menino já puxou um bom tempo já, tá até cumprindo pena. Vê o que dá pra fazer. Se a gente consegue fazer alguma coisa, que dá pra fazer e quanto é?”. Após aceitar a propina supostamente para o desembargador, Wilson afirma a Wellington: “Estava com o nosso amigo ontem, falou para você ir mandando aos poucos. Assim ele já vai se acertando com os outros 2 que estão junto com ele”.
Os advogados discutiram a venda de obras de arte da família de Adomervil para fazer pagamentos ao magistrado. O desembargador concedeu prisão domiciliar a Adomervil, que cumpria pena em regime fechado. A PGR aponta que a decisão beneficiou Adomervil seletivamente e contradiz o próprio histórico de entendimentos do desembargador. A PF encontrou transferências de R$ 100 mil para o posto de Valmi feitas por Luiz Pires.
Em outro caso, um grande traficante de drogas, Romilton Queiroz Hosi, também seria beneficiado. Ele já foi foragido com documentos falsos e coordenava uma rota aérea de transporte de cocaína. Até mesmo propina a policiais ele teria pago para escapar da prisão.
Nesse caso, a PGR destaca que Luiz Pires buscou dinheiro no Paraguai em meio a uma negociação de propina de R$ 1 milhão para o desembargador. Wilson Vital pediu um rascunho do habeas corpus para Luiz Pires. O traficante acabou não sendo solto, mas as mensagens mostram uma suposta negociação da propina.
Rachadinha e depósito
Durante as investigações, a PF e a PGR identificaram supostos indícios de rachadinha no gabinete do magistrado no TJSP, alvo de busca e apreensão na Operação Churrascada. Entre 2016 e 2022, R$ 641 mil foram depositados nas contas de Ivo de Almeida. Havia transferências mensais de três servidores para as contas do magistrado. Um servidor transferiu R$ 33 mil e uma servidora enviou R$ 15 mil.
A PF identificou um depósito de R$ 65 mil na conta da incorporadora do filho do desembargador, Ivo de Almeida Junior, no mesmo dia de uma petição movida por Luiz Pires ao gabinete de Ivo de Almeida. Ele foi alvo da Operação Churrascada.
Em 2016, Luiz Pires defendia investigados presos em flagrante por tentar roubar um caminhão de alimentos avaliados em R$ 320 mil. Inicialmente defendido por outras advogadas, um dos investigados pediu habeas corpus alegando excesso de prazo, mas foi negado pelo desembargador. Após a negativa, as advogadas deram procuração a Luiz Pires, que reiterou o pedido com os mesmos argumentos. No mesmo dia, um depósito em espécie foi feito na conta da empresa do filho do desembargador, e o magistrado acolheu o pedido, mudando seu posicionamento.
A empresa do filho do desembargador também vendeu um apartamento à esposa de Valmi Sampaio, apontado como operador de propinas de Ivo de Almeida.
O advogado Alamiro Velludo Salvador Netto, que defende Ivo de Almeida, afirmou que ainda não teve acesso aos autos das medidas cautelares deferidas pelo STJ e aguarda a autorização ao conteúdo total das investigações para que a defesa possa se manifestar e reestabelecer a verdade e a Justiça.
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