Um dia depois de agências de notícias do Oriente Médio informarem, com grande alarde, que o príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman teria concordado em visitar Teerã, numa visita oficial ao presidente interino do Irã, Mohammad Mokhber, os EUA anunciam que pretendem voltar a vender armas à Arábia Saudita. Analistas geopolíticos experientes viram nisso uma tentativa, meio desesperada, de conter essa aproximação entre sauditas e iranianos, e evitar que o príncipe realmente se desloque à capital do Irã e ofereça essa imagem de reconciliação entre os dois países. O anúncio sobre o possível fim dos embargos de armas americanas à Arábia Saudita foi noticiado hoje pelo Financial Times e confirmado pela Reuters.
Curiosamente, porém, não foi um anúncio oficial do governo Biden, mas antes um vazamento de que esse embargo poderia ocorrer. A condicional é óbvia: a Arábia Saudita deve se afastar do Irã.
Uma foto dos chefes de Estado de ambos os países (Arábia e Irã) se dando as mãos seria uma terrível derrota diplomática e política para Israel e para os próprios EUA, cujas máquinas de propaganda vêm trabalhando a todo vapor para demonizar o Irã. No caso de Israel, o governo de Netanyahu inclusive bombardeou o consulado do Irã em Damasco, Síria, matando importantes oficiais iranianos, numa tentativa de arrastar o Irã para um conflito aberto, escalar as tensões no Oriente Médio, e atrair os Estados Unidos para a região, o que desviaria as atenções globais das atuais acusações de genocídio contra Israel.
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, declarou recentemente que os EUA e a Arábia Saudita estavam muito próximos de concluir um conjunto de acordos sobre energia nuclear, segurança e cooperação em defesa, compondo a parte bilateral de um acordo mais amplo de normalização com Riyadh e Israel. No entanto, o levantamento da proibição de venda de armas ofensivas não estava diretamente ligado a essas negociações.
Logo após assumir o cargo em 2021, Biden adotou uma postura mais dura em relação à campanha da Arábia Saudita contra os Houthis no Iêmen, que causou pesadas baixas civis, e em relação ao histórico de direitos humanos de Riyadh, especialmente após o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi. A Arábia Saudita, o maior cliente de armas dos EUA, ressentiu-se dessas restrições, que congelaram a venda de armamentos que administrações anteriores dos EUA forneceram por décadas.
A administração Biden agora sinalizou a Riyadh que estava preparada para levantar a proibição, potencialmente nas próximas semanas. Esta reviravolta parece ser um esforço, algo desesperado, para impedir que a Arábia Saudita se aproxime ainda mais do Irã, seu rival histórico, o que poderia mudar significativamente a dinâmica geopolítica do Oriente Médio.
Segundo analistas, porém, o esforço americano não deve ser bem-sucedido, porque a Arábia Saudita pode conseguir armas e tecnologia nuclear de outros países, como Rússia e China. O príncipe saudita sabe que não depende mais tanto dos EUA. Ademais, desde que voltou a produzir petróleo em grande quantidade, os EUA não são mais um comprador tão importante do petróleo saudita, tornando-se, ao contrário, um competidor. Em 2023, a China foi o maior comprador do petróleo saudita, respondendo por 23,2% das exportações de petróleo da Arábia Saudita, enquanto os EUA representaram apenas 4,1% das exportações sauditas.
Em 6 de abril de 2023, os ministros das Relações Exteriores da Arábia Saudita e do Irã se reuniram em Pequim para discutir detalhes importantes na retomada de suas relações bilaterais após um acordo histórico mediado pela China no mês anterior. Na reunião, o iraniano Hossein Amir-Abdollahian e o príncipe saudita Faisal bin Farhan Al Saud assinaram um acordo para reabrir embaixadas e consulados, reativando suas relações diplomáticas rompidas desde 2016. Embaixadas serão abertas em Riad e Teerã, e consulados em Jeddah e Mashhad.
Além disso, ambos os países concordaram em estudar maneiras de expandir sua cooperação, incluindo a retomada de voos, viagens mútuas de delegações oficiais e do setor privado, e a facilitação de vistos. As duas partes enfatizaram sua disposição para eliminar todos os obstáculos enfrentados pela expansão da cooperação entre os dois países.
A retomada das relações entre os dois países foi amplamente vista como uma vitória diplomática da China em uma região do Golfo que há muito tempo é considerada parte do domínio de influência dos Estados Unidos. O principal diplomata da China, Wang Yi, chamou o acordo de “vitória para o diálogo e uma vitória para a paz” e destacou o papel construtivo da China em facilitar a solução adequada de questões críticas em todo o mundo.
Riad cortou relações com Teerã em 2016, após manifestantes iranianos invadirem a embaixada saudita na capital iraniana em resposta à execução de um clérigo xiita na Arábia Saudita. Desde então, os dois países estiveram envolvidos em tensões regionais, incluindo o apoio a lados opostos na guerra civil do Iêmen. A Arábia Saudita, no entanto, está envolvida em negociações diretas com o movimento Houthi, alinhado ao Irã, e um cessar-fogo não oficial parece estar em vigor.
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