Por Rodrigo Perez, historiador na UFBA
Ainda era manhã de domingo (05/05) quando o helicóptero da Força Aérea Brasileira decolou de Brasília rumo ao Rio Grande do Sul, que vive aquela que talvez seja a maior tragédia climática da história do Brasil.
Seria pouco dizer que a bordo estava a comitiva presidencial. Sob a liderança do Presidente Lula, aquele helicóptero transportava a estrutura do Estado nacional brasileiro.
Chefe do executivo, presidentes das duas casas do Congresso Nacional, presidente em exercício do Supremo Tribunal Federal, presidente do Tribunal de Contas, ministros de pastas estratégicas.
O recado de toda essa articulação é claro e vai ao encontro daquele que é o grande dilema desta quadra histórica em que vivemos: a necessidade urgente de rebailitar a reputação do Estado nacional.
Desde o início da crise total inaugurada em junho de 2013, vemos o ataque sistemático ao Estado nacional, e à coisa pública em geral. O lavajatismo deu o tom e bolsonarismo levou adiante a narrativa que define o Estado como naturalmente corrupto e corruptor.
Consolidou-se, assim, uma semântica política que atribui todos os problema dos país à corrupção praticada pelos políticos profissionais e pelos servidores públicos, como se esse tipo de prática esgotasse tudo que acontece no serviço público, como se não existisse corrupção na iniciativa privada.
Pela porteira semântica aberta pelo lavajatismo/bolsonarismo passou uma verdadeira boiada. Professores estariam erotizando as crianças nas escolas públicas. Nas universidades, a comunidade acadêmica usaria os prédios públicos para produzir drogas e promover festinhas sexuais. Tudo que é público, portanto, já estaria maculado por um vício de origem. A solução não poderia ser outra a não ser a privatização, o desmonte do Estado, não apenas como agenda econômica, mas sobretudo como saneamento moral da sociedade.
Assim, o lavajatismo/bolsonarismo conseguiu aquilo que os tucanos tentaram fazer ao longo da década de 1990 e não conseguiram: tornar a pauta das privatizações palatável ao imaginário popular. No começo do século XXI, em entrevista à Revista Veja, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que o PT tinha vencido a batalha moral, levando a população a demonizar as privatizações. Hoje, definitivamente, a realidade é outra.
O encontro entre Jair Bolsonaro e Paulo Guedes não foi apenas instrumental. Foi também profundamente ideológico. O neoliberalismo radical de Guedes caiu como uma luva no familismo patriarcal e miliciano de Bolsonaro. O Estado deveria ser mínimo porque a família deveria ser máxima. Enquanto o Estado seria o celeiro da corrupção, a família patriarcal seria o espaço da virtude e da proteção.
Porém, a despeito da semântica política, a realidade não cansa de se impor. Aconteceu durante a pandemia da covid-19 e está acontecendo neste exato momento, no Rio Grande do Sul.
Quando o mundo desaba, quando soam as trombetas do apocalipse, é o aparato do Estado nacional que assume o controle da situação e comanda o esforço de reconstrução.
Não é o capital privado que irá amparar o Rio Grande do Sul. Não são as empresas multinacionais que abrirão mão de parte de seus lucros para recuperar a infraestrutura destruída pelas águas. Quem fará isso será o Estado brasileiro, e não somente através das lideranças progressistas. É o Estado como patrimônio coletivo, como guardião do bem-comum.
Mesmo que seja na figura de um Eduardo Leite, dizendo que o Rio Grande do Sul precisará de um Plano Marshall, ou na figura de um Hamilton Mourão, que junto com Rodrigo Pacheco e Paulo Paim simbolizam que a população gaúcha está representada no Senado da República. Ainda que seja na figura de Arthur Lira, prometendo direcionar a parte do orçamento que está sob seu controle à reconstrução do território afetado.
Mesmo que os sentimentos íntimos dessas lideranças não sejam os mais nobres, ainda que estejam pensando nas próximas eleições, eles representam o Estado. E se um problema de tamanha gravidade tem alguma chance de ser resolvido, a solução passa pelo Estado.
O Estado também está personificado em cada bombeiro, em cada militar, em cada profissional dos serviços de saúde e defesa civil que estão navegando em barcos e jet-skis, salvando vidas e resgatando corpos.
Ninguém melhor que o presidente Lula para liderar um esforço político que seja capaz de relembrar a população brasileira da importância civilizatória do Estado nacional, algo que precisa estar acima de qualquer ajuste fiscal ou meta de déficit zero.
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