Por Rogerio Dultra dos Santos
Com a saída de Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal, Lula precisará nomear um novo Ministro da Justiça e Segurança Pública.
Alguns nomes têm aparecido na mídia e em conversas de bastidores. Lula tem até fevereiro para decidir.
A disponibilidade de excelentes nomes dificulta a escolha pelo Presidente. E se sabe que Lula detesta ser pressionado numa prerrogativa que é sua e tão somente sua.
Dentre as possibilidades que representem a continuidade da brilhante gestão de Flávio Dino, Wadih Damous aparece como uma escolha não tão óbvia no momento que escrevo esse texto.
Muitos destes nomes estão em “campanha” para um cargo que, na realidade, sequer é eletivo. Vimos isso acontecer na recente vacância para o STF. Campanhas inundaram as redes.
Ao fim e ao cabo, Lula optou pela segurança de quem já estava bem próximo e que já demonstrara capacidade política e técnica da envergadura de um Ministro do Supremo.
Ficou óbvio para o país que Flávio Dino tem a capacidade e a responsabilidade de, inclusive, inaugurar uma nova era no STF: a era garantista, de respeito literal à Constituição, com o consequente reforço do Estado Democrático de Direito.
Ao lado deste novo STF que se apresenta numa quadratura histórica de superação do fascismo e do extremisto, o Ministério da Justiça e da Segurança Pública permanece como um vetor seminal enquanto instituição capaz de promover a normalização jurídica e democrática que o Brasil tanto necessita.
Vemos hoje as grandes metrópoles afundarem numa expiral de violência e anomia. Vemos as polícias assistirem a tudo impotentes, na medida em que alguns de seus quadros desperdiçam energias para lutar por uma autonomia política indevida, promotora de corrupção endêmica, da simbiose com a criminalidade organizada e de um modelo fascista de Estado Policial.
Por outro lado, temos a crise humanitária do consumo de drogas mortais pela população mais carente (um problema de Saúde Pública) e o crescimento exponencial do encarceramento em massa (problema que é não só responsabilidade do MJ como também do Judiciário).
Neste cenário quase apocalíptico, considero que o Presidente Lula irá escolher um nome capaz de compreender analiticamente estes problemas, um nome que, como o próprio Flávio Dino, já deu extensas provas de capacidade técnica e intelectual e que, para além do básico, tenha uma sólida formação intelectual e uma carreira política diferenciada, com experiência no legislativo, no executivo, na sociedade civil e na própria vida partidária.
Wadih Damous preenche todos estes requisitos.
Senão, vejamos.
Wadih é Ex-Deputado Federal pelo PT, Ex-Presidente da OAB-Seccional e Ex-Presidente da Comissão da Verdade Estadual da OAB-RJ. É o atual Secretário Nacional do Consumidor no Ministério da Justiça, na gestão de Flávio Dino.
É formado em direito pela UERJ e Mestre em Teoria do Estado e da Constituição pela PUC-Rio.
Apesar do currículo de advogado militante, é um nome que transcende em muito as bancas de advocacia.
É uma liderança reconhecida e é da confiança absoluta do Presidente da República e do próprio Ministro Flávio Dino, com quem, inclusive, escreveu um livro que ainda é referência sobre Medidas Provisórias no Brasil.
Wadih, alguns não sabem, foi um dos fundadores do PT no Maranhão e deu a cara a tapa contra a Lava-Jato no seu auge, diferententemente dos aderentes de última hora. E Lula sabe disso.
Wadih esteve com Lula não por interesse de banca, mas por amizade, aderência ideológica e lealdade partidária. Foi o principal vetor de críticas à Lava-Jato, temido por Sérgio Moro e seus asseclas muito antes de que se descobrisse o conluio espúrio que jogou um mar de lama na reputação de juiz e procuradores, o que sepultou de vez a operação que queria prender Lula para que não disputasse as eleições em 2018.
Além disso, Wadih tem história política contra os abusos da ditadura. Coordenou investigações que responsabilizaram notórios torturadores.
Enquanto Deputado, foi também um dos incentivadores diretos dos estudos e pesquisas sobre a Segurança Pública no Brasil, na Universidade Pública. E foi autor de 27 projetos de lei, a maioria sobre a questão da Justiça e da Segurança Pública.
O projeto de que mais se destaca no mandato do Wadih é o que exige a realização de estudos estatísticos e sociológicos para a apresentação de qualquer legislação na seara penal. Objetiva reduzir os danos da hiperinflação legislativa. Outros projetos dizem respeito à redução do encarceramento desnecessário (especialmente de crimes que não envolvem violência contra a pessoa).
Wadih possui envergadura política e histórica que vai além de sua Presidência na Comissão da Verdade no Rio de Janeiro.
Esteve nas ruas, na defesa jurídica de Lula. Sabe o que fazer e tem condições para tanto. É um legítimo representante da esquerda democrática, com conhecimento técnico, notório saber jurídico, com reconhecimento dos pares para ocupar o cargo.
Por fim, poderá cumprir com folga o papel histórico de aproximar o Ministério da Justiça do Poder Judiciário, sabendo tratar adequadamente os extremistas que insistem em ameaçar nossa democracia, assim como o próprio Dino fez, desde o primeiro dia que entrou no Ministério.
E mais: já está lá dentro e é um braço direito do próprio Flávio Dino.
E nunca é demais lembrar, como o Presidente Lula sempre diz: não se deve mexer em time que está ganhando.
Por Rogerio Dultra dos Santos é professor associado IV do Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense.
Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!