Mais uma vez, a crise na segurança pública tomou os noticiários no país. Milicianos queimaram quase quarenta ônibus e até mesmo um trem na zona oeste do Rio de Janeiro. Durante as ações, não foi vista uma patrulha sequer numa região que conta, sim, com considerável patrulhamento policial.
Um dos milicianos mortos durante uma operação policial foi encontrado usando a arma de um PM. Do Rio de Janeiro até a Bahia, não é segredo que o descalabro da violência pública conta com a participação direta e indireta de membros das forças de segurança. Isso sem falar dos policiais civis pegos apreendendo cargas com drogas de traficantes para vendê-las para grupos rivais, também no Rio de Janeiro.
A solução dada pelas autoridades é uma velha conhecida do populismo penal: mais tiroteio, mais policiais nas ruas e um pacote de medidas pontuais que certamente serão descontinuadas ao longo dos anos.
Acontece que parte considerável dos problemas na segurança pública passa por um debate que nenhuma autoridade no Brasil tem coragem de enfrentar: não existe qualquer tipo de controle da atividade policial no país. E quem deveria fazer esse controle? Ele mesmo, aquele que busca sempre fiscalizar tudo e todos mas que tem horror a ser fiscalizado: o Ministério Público.
Deixo a reflexão: qual a diferença entre um agente de segurança e um bandido, quando o primeiro passa a transgredir a lei? Não existe execução sumária como pena no Brasil.
Infelizmente, a segurança pública é um problema estrutural que encontra no MP o seu principal fiador. Ainda em 2021, o Ministério Público do Rio de Janeiro extinguiu um órgão que apurava a má conduta de PMs – reforço, um dos deveres constitucionais do MP é fiscalizar a atividade policial. Depois da repercussão negativa, decidiram recriar o grupo com caráter temporário, à contragosto mesmo, na má vontade.
A queda da PEC 37 e a consolidação dos indevidos poderes de investigação agravaram ainda mais esse caso e completei: “A relação entre os Gaecos e as polícias militares nos estados são outro empecilho para o controle externo da atividade policial; o que é outro ponto de corrosão do Estado de Direito”.
Infelizmente, boa parte dos procuradores se enxerga mais como uma espécie de policial do que como membro de uma instituição que deveria realizar o controle externo da atividade policial.
Ainda em 2021, me recordo que conversei com a defensora pública Elisa Cruz que afirmou acreditar que a “falta de exercício do controle externo pelo MP sobre as polícias reforça que violações de direitos podem acontecer em espaços já marginalizados. A ausência de atuação torna permissiva a constante violação de direitos”.
Já o doutorando em direito e professor de direito penal Rômulo Carvalho deu algumas sugestões sobre o que fazer com a violência policial neste cenário: “Fazer o controle da força é tarefa que desafia gerações. No Brasil, o alarmante número de óbitos evidencia a ineficiência do modelo atual de controle em conter a perda de vidas. Como medida de melhora a pequeno prazo é urgente que as forças de segurança realizem operações com câmeras instaladas. Protege o bom policial e o Estado de direito”.
Se, em 2016, quase 100% dos entrevistados em uma pesquisa realizada com membros do MP perceberam que o controle externo da atividade policial não é prioritário dentro do MP. Em 2021, membros dos MPs estaduais empreenderam uma verdadeira cruzada contra os miseráveis do país,
Em um dos casos, o punitivismo foi levado até as últimas consequências contra dois homens que pegaram comida vencida e uma mãe que furtou sachês de suco em pó e alguns poucos alimentos para seus filhos.
Ao que parece 2021 foi o auge do descontrole do Ministério Público, já que foram eles – que deveriam fiscalizar a atividade policial – mas que pediram o arquivamento do inquérito que investiga os policiais militares envolvidos na chacina do Fallet.
Se a atuação do que começou como grupos de extermínio e hoje se chama milícia era feita “à paisana”, hoje, os extermínios são feitos de forma oficial e fardada. Basta ver o show de erros e assassinatos no Guarujá ainda no começo do ano. Muito se deve também aos chefes do Executivo estadual que fazem vista grossa para os crimes aliados aos membros do MP que não investigam os criminosos e homicidas entre as fileiras das forças de segurança.
E não é exagero, vamos aos números: um estudo inédito do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, publicado pelo UOL, mostrou que os MPs do Rio de Janeiro e de São Paulo pediram à Justiça, em 2016, o arquivamento de 90% de mortes cometidas por policiais em São Paulo e no Rio.
Em 2019, procuradores-gerais lançaram nota contra um debate sobre desmilitarização da Polícia que ocorreu na sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília.
Eis que o então presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG), Paulo Cezar dos Passos, seguindo religiosamente a escalada de autoritarismo que tomava conta do país naquele momento, decidiu publicar uma nota contra o evento. Qual é o problema de se discordar de algo? Nenhum, desde que a discordância seja feita com base em fatos e não em senso comum enquanto se omite de outras barbaridades cometidas por órgãos de segurança pública no país.
No mesmo ano, 2021, policiais da tropa de elite da Polícia Militar do Pará, a Rotam, foram filmados em marcha ao governador do estado, Helder Barbalho, e cantando em coro: “Arranca a cabeça e deixa pendurada. É a Rotam patrulhando a noite inteira. Pena de morte à moda brasileira”.
E o que fazer quando a instituição que deveria coibir a violência policial subscreve a violência? Foi o que aconteceu com uma mulher negra que teve o pescoço pisoteado por um policial militar em uma abordagem em 2020 em um bar em Parelheiros.
O MP ACUSOU A VÍTIMA e depois acusou o advogado da vítima de má-fé por não mencionar vídeos disponíveis há um ano! Notem o traço lavajatista de depreciação do exercício do direito de defesa de qualquer acusado.
O descontrole do Ministério Público reflete no descontrole das forças de segurança. Se ninguém exerce o controle externo da atividade policial, significa que todo batalhão é uma milícia em potencial. Quem mais se propõe a fiscalizar é quem menos fiscaliza e quer ser fiscalizado.
Retomo a reflexão do reflexão do Promotor de justiça, Haroldo Caetano:
“Um tema que vamos ter de enfrentar é o papel do Ministério Público. A experiência desses pouco mais de 30 anos provou que a concentração de poderes no MP brasileiro, cujo desenho institucional é único no mundo, tornou-se armadilha contra o projeto de 1988”.
Luiz
27/10/2023 - 09h23
Acredito que a saída seria utópica demais, quase um devaneio: apenas usar a legislação pedagogicamente já existente! Punir quem, pela ação e principalmente omissão, deve ser punido à luz da lei, seja lá quem for ou apadrinhado por quem quer que seja. Agora quem será “macho” o suficiente para fazer isso?
Luiz
27/10/2023 - 09h20
Acredito que a saída seria utópica demais, quase um devaneio: apenas usar a legislação já existente e pedagogicamente! Punir quem, pela ação e principalmente a omissão, deve ser punido à luz da lei, seja lá quem for ou apadrinhado por quem quer que seja. Agora quem será “macho” o suficiente para fazer isso?
Ligeiro
26/10/2023 - 22h18
Acho que quando ficamos adultos, aprendemos que quanto mais camadas colocamos de autoridade, é porque as camadas anteriores estavam apodrecidas.
Pelo visto, o Ministério Público veio de uma tentativa de limpar a camada podre anterior (os entes de segurança do Estado, incluso justiça).
A Lava Jato mostrou que o maior problema é que quem entrou neste meio jurídico acabou se vendo como alguém com um valor maior. E agora esta camada está podre.
Já não sei mais qual a melhor forma de resolver estes problemas. “Jogar fora a água do banho com o bebê dentro” me parece uma boa quando pensamos que o bebê é na verdade o Chuck, o boneco assassino.
Refundar a segurança pública e a justiça brasileira me soa interessante. Pensar em formas de a segurança pública do país ser unificada, com uma “cabeça” voltada a investigar e buscar soluções não violentas ao invés de buscar às armas e à corrupção (porque se pararmos para pensar o tanto de coisa fora das regras e os luxos dos membros corrompidos do poder…).
Observar as formas jurídicas em outros países poderia ser uma boa. Pesquisar sobre como é buscado a tríade “investigação – punição – redenção” em países onde há uma redução da corrupção. Enfim, grato pela paciência de sempre.
Saulo
26/10/2023 - 21h53
Quem cria esse ambiente imundo onde o crime organizando proliferar sem ser incomodado são os brasileiros.
Os brasileiros são como crianças que vivem cada um no próprio mundo, são incapazes de olhar além da ponta do próprio nariz.
Os brasileiros normalizam tudo que é lixo, jogam lixo no chão, andam no meio do lixo, fazem apologia a tudo que é lixo…em troca de promessas de 10 R$ caindo do céu conseguem até eleger um notório ladrão e facção de apartenencia a presidência da República.
Os brasileiros não conseguem minimamente se organizar como uma sociedade sadia pois se comportam como animais, como lobos solitários que tentam se degolar um ao outro todos os dias.
Ainda não sabem que estão ao mundo como gente junto a outra gente mas contínuam vivendo como animais.
O processo civilizatório do Brasil faliu há muitos anos por caldos déficit de desenvolvimento mental.
Afinal de contas não somos absolutamente todos iguais.
William
26/10/2023 - 21h15
As cenas indescritíveis, imundas e impensáveis para qualquer país normal dos presídios entrando em festa comemorando a eleição do imundo da República dizem tudo e um pouco mais.
As imagens das redações da Globo também comemorando são inesquecíveis.
O Brasil é uma vergonha e a culpa é dos brasileiros.
Saulo
26/10/2023 - 20h46
A incompetência, a arrogância e a ignorância do Ministro Momo da Segurança pública eram notórios a todos.
Um comunistoide troglodita bom para pular num carro de som durante o Carnaval e nada mais.
Elisa
26/10/2023 - 20h34
É preciso coragem pra alguém dizer a verdade : procuradores de Justiça são muito bem pagas e vivem uma vida confortável. Eles não vão querer jamais encrenca com policiais pra defender os direitos de pobres que eles sequer enxergam. Não tem como isso funcionar