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É preciso controlar o maquinário usado no garimpo

O descompasso do controle ambiental das permissões de lavra garimpeira e a necessidade de controle ambiental das máquinas utilizadas nos garimpos do Brasil Publicado em 21/09/2023 Por Hugo Ferreira Netto Loss O Eco — A presente coluna visa apontar para a necessidade de adaptação e modernização normativa para o controle das atividades desenvolvidas sob o […]

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Ascom/MMA/Flickr

O descompasso do controle ambiental das permissões de lavra garimpeira e a necessidade de controle ambiental das máquinas utilizadas nos garimpos do Brasil

Publicado em 21/09/2023

Por Hugo Ferreira Netto Loss

O Eco — A presente coluna visa apontar para a necessidade de adaptação e modernização normativa para o controle das atividades desenvolvidas sob o regime de Permissão de Lavra Garimpeira (PLG).

A Permissão de Lavra Garimpeira (PLG) é um regime instituído pela lei nº 7.805, de 18 de julho de 1989, por meio do qual o poder público autoriza ao particular a exploração de certos minerais, tais como o ouro, minério de ouro e cassiterita

As atividades de garimpo legal e ilegal ampliam-se fortemente nos últimos anos, alcançando a marca de 600 km² em área desmatada entre 01 de janeiro de 2019 e 18 de setembro de 2023, conforme dados da plataforma Brasil Mais. Deve-se destacar que as atividades de garimpo, embora não representem um grande volume em perda de cobertura vegetal, se comparada com o desmatamento para a instalação de empreendimentos agropecuários, atingem outras áreas de grande relevância ambiental e social, como os igarapés, leitos de rios, drenagens naturais e corpos hídricos importantes. Essas áreas são fontes de obtenção de água, alimentação, transporte e lazer para populações. Existem ainda atividades de garimpo cujo dano sequer pode ser contabilizado por meio de alertas de perda de cobertura florestal, pelo fato de se desenvolverem nos leitos dos rios, abaixo da coluna d’água, com o uso de dragas e balsas onde o impacto torna-se imensurável a partir de análises temporais de alteração do uso do solo.

As atividades de garimpo se desenvolveram ao longo dos anos de forma a tornar cada vez eficiente a captura dos metais e minerais no meio ambiente. Contudo, a modernização dos mecanismos de controle ambiental não evoluiu no mesmo ritmo das técnicas empregadas no garimpo. Tal fato resultou no amplo uso de máquinas pesadas, produtos tóxicos e perigosos, transformando os garimpos em atividades amplamente impactantes e danosas ao meio ambiente, com baixo uso tecnológico, precarização das relações de trabalho e com fortes impactos às populações tradicionais e ao meio ambiente, gerando grande prejuízos à saúde e aos biomas. Sendo assim, é extremamente necessária a adaptação normativa para a devida regulação da atividade, visando a redução dos impactos ambientais e o atendimento aos dispositivos legais e constitucionais.

Nessa linha, devemos retomar primeiramente as definições legais que foram dadas à atividade garimpeira.

O art. 70 do Decreto-Lei n. 227/1967 classifica como garimpagem “o trabalho individual de quem utilize instrumentos rudimentares, aparelhos manuais ou máquinas simples e portáveis, na extração de pedras preciosas, semi-preciosas e minerais metálicos ou não metálicos, valiosos, em depósitos de eluvião ou aluvião, nos álveos de cursos d’água ou nas margens reservadas, bem como nos depósitos secundários ou chapadas (grupiaras), vertentes e altos de morros; depósitos esses genericamente denominados garimpos”.

A Lei 7.805/1989 define o regime de permissão de lavra garimpeira como sendo o aproveitamento imediato de jazimento mineral que, por sua natureza, dimensão, localização e utilização econômica, possa ser lavrado, independentemente de prévios trabalhos de pesquisa, segundo critérios fixados pelo Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM.

A Lei 11.685/2008 define como garimpo: a localidade onde é desenvolvida a atividade de extração de substâncias minerais garimpáveis, com aproveitamento imediato do jazimento mineral, que, por sua natureza, dimensão, localização e utilização econômica, possam ser lavradas, independentemente de prévios trabalhos de pesquisa, segundo critérios técnicos do Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM.

O Decreto 9.406/2018, em seu artigo 11 define lavra garimpeira como sendo o aproveitamento imediato de substância mineral garimpável, compreendido o material inconsolidado, exclusivamente nas formas aluvionar, eluvionar e coluvial, que, por sua natureza, seu limite espacial, sua localização e sua utilização econômica, possa ser lavrado, independentemente de trabalhos prévios de pesquisa, segundo os critérios estabelecidos pela ANM.

Por sua vez, ANM definiu o regime de lavra basicamente pelo tamanho da área passível de autorização, conforme artigo 44 da Portaria ANM n. 155/2016:

Art. 44. No regime de permissão de lavra garimpeira o título ficará adstrito às áreas máximas de:

I – 50 (cinquenta) hectares, para pessoa física ou firma individual nos termos do art. 5º, III, da Lei nº 7.805, de 18 de julho de 1989; e

II – 10.000 (dez mil) hectares na Amazônia Legal e 1.000 (mil) hectares para as demais regiões, para cooperativa de garimpeiros.

Pode-se notar que a definição de garimpo, lavra garimpeira e conceitos correlatos ao longo dos anos deixou de ser uma definição baseada no porte ou características das atividades para se tornar uma definição mais focada na respectiva área de extração. Contudo, no processo de evolução da atividade garimpeira, essa atividade deixou de ser uma atividade caracterizada como de baixo impacto e utilizadora de materiais e equipamentos rudimentares para se tornar uma atividade com amplo emprego de maquinários pesados. A definição presente na Lei de 1967, portanto, está muito longe do que atualmente ocorre nos garimpos do Brasil, onde são encontradas escavadeiras hidráulicas, motores estacionários de seis cilindros, grande quantidade de combustíveis, dragas e rebocadores de grande porte, tratores, caminhões, caminhonetes e, inclusive, aeronaves de asa fixa e asa rotativa.

A questão atual é que o emprego desses equipamentos nos garimpos representa uma transição tecnológica dentro da atividade, que evoluíram de práticas rudimentares e sem o emprego de máquinas pesadas para atividades que atualmente fazem uso de grande quantidade de produtos tóxicos e máquinas pesadas.

Isso representa também a mudança de perfil socioeconômico na atividade, uma vez que essas máquinas e suprimentos demandam alto investimento, sendo um perfil de investidor diferente do garimpeiro artesanal.

Contudo, essa transição tecnológica esteve estritamente focada na celeridade e maior aproveitamento da extração mineral, sem qualquer medida de controle ambiental que acompanhasse o emprego dessas máquinas. Tais investimentos no garimpo também se tornam amplamente rentáveis em um ambiente em que o controle ambiental e social da atividade é ainda muito precário. O resultado foi o desenvolvimento de uma atividade que sintetiza o alto investimento em máquinas pesadas, o baixo controle ambiental e resulta em significativos impactos para o meio ambiente.

Esse resultado ocorreu porque tanto o controle ambiental, quanto o próprio controle para a emissão da PLG ainda estão adaptados para atividades com perfil rudimentar e de baixo emprego de maquinário, ou seja, adaptados para a definição de garimpo presente na normativa de 1967. Nesse contexto, os requisitantes de PLG aproveitam-se da falta de modernização normativa e de controle ambiental para instalar atividades de grande impacto como se fossem atividades de baixo impacto ambiental. Os garimpos hoje representam verdadeiros empreendimentos minerários regulados por uma simples permissão lavra, cujos requisitos de concessão são muito menos exigentes do que aquelas concedidas para mineração.

Outro exemplo da baixa exigência legal de que usufruem os permissionários de PLG é com relação ao recolhimento de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais – CEFEM. Segundo a Lei 8001/1990, fica obrigado ao pagamento da CFEM apenas o primeiro adquirente do bem mineral extraído pelo regime de PLG. O titular desse direito minerário é, portanto, isento desse imposto. Essa isenção foi criada, pois o permissionário de PLG era visto como um trabalhador mais rudimentar, sem possuir os meios adequados de executar o recolhimento. Contudo, o que se observa atualmente é que o titular da PLG possui perfil socioeconômico dotado de considerável capacidade de investimento, mas que continuam ainda se beneficiando da isenção de recolhimento de CFEM criada por uma legislação defasada, que enxerga a PLG como uma atividade artesanal e de baixo emprego de capital.

A Permissão de Lavra Garimpeira é concedida sem mecanismos mais complexos de verificação da documentação e de licenciamento ambiental, o que facilita principalmente a lavagem e esquentamento dos minérios. Admite também o uso de máquinas e equipamentos que extrapolam a área licenciada, bem como a interferência em áreas de preservação permanentes – APPs sem o devido controle ambiental proporcional às dimensões e o porte da atividade. A falta de regulamentação adequada acaba por favorecer as atividades clandestinas, que se utilizam das lacunas legais para o desenvolvimento da exploração mineral, amplificando os prejuízos sociais e ambientais.

Com efeito, torna-se essencial o maior controle ambiental da atividade mediante a adaptação normativa, tendo em vista principalmente o recrudescimento dos impactos ambientais e sociais decorrentes do garimpo no Brasil.

Sugere-se como primeiro passo para o controle ambiental a regulação do porte dos equipamentos utilizados nos garimpos. Tal controle pode inclusive beneficiar justamente aqueles garimpeiros de baixo poder aquisitivo, que não dispõem de grandes maquinários e que desenvolvem atividades de baixo impacto devido a incapacidade econômica de promover altos investimentos em equipamentos.

Assim, resulta que é amplamente necessário como medida de controle ambiental a proibição da utilização de escavadeiras hidráulicas, dragas escariantes, balsas e motores estacionários nas áreas de PLG. Tal medida é fundamental para conter a evolução dos impactos ambientais e a destruição dos corpos hídricos na Amazônia. Também, torna-se amplamente necessária a proibição do uso do mercúrio ou azougue em qualquer fase do processo de lavra e beneficiamento.

Essas medidas de controle dos equipamentos empregados na lavra garimpeira não são novidades e já foi adotada em outros países:

Na Colômbia, a Lei 1658/2013 erradicou o uso de mercúrio na mineração no prazo de cinco anos.

No Peru, o Decreto Legislativo 1100 estipula um controle do maquinário utilizado na mineração:

Prohíbase en ámbito de la pequeña minería y minería artesanal lo siguiente:

5.1 El uso de dragas y otros artefactos similares en todos los cursos de agua, ríos, lagos, lagunas, cochas, espejos de agua, humedales y aguajales.

Entiéndase por artefactos similares a los siguientes:

a) Las unidades móviles o portátiles que succionan materiales de los lechos de ríos, lagos y cursos de agua con fines de extracción de oro u otros minerales.

b) Draga hidráulica, dragas de succión, balsa gringo, balsa castillo, balsa draga, tracas y carancheras.

c) Otros que cuentan con bomba de succión de cualquier dimensión y que tengan o no incorporada una zaranda o canaleta.

d) Cualquier otro artefacto que ocasione efecto o daño similar

Mudanças no Brasil

Concomitantemente a essa necessidade de adaptação regulatória, deve-se realizar alterações no Decreto 6.514/2008, de forma a adaptar a redação do artigo 63. Atualmente o artigo 63 do referido Decreto tem a dosimetria da multa calculada a partir da área explorada irregularmente. Contudo, é tecnicamente impossível, na maioria dos casos, estimar a área de exploração irregular executada por determinada máquina ou grupo de garimpeiros, já que as áreas de exploração ocorrem de forma concomitante e vários infratores concorrem na exploração da mesma área ou áreas contíguas. Além disso, trata-se de cavas de minas com profundidades variadas. Nos casos das explorações de aluvião, é também impossível o cálculo da área explorada, pois as extrações minerais em leitos de rios são cobertas pela coluna d’água, sendo improvável executar o cálculo da área. Com efeito, é inviável estimar o valor dos autos de infração nesses casos, e torna-se igualmente inviável a aplicação do artigo 63. Sugere-se, assim, que a dosimetria da multa siga conforme a dosimetria relacionada ao artigo 66 do Decreto 6.514/2008.

No caso de delimitação dos equipamentos a serem utilizados no garimpo, também deve haver adaptação do artigo 63 do Decreto 6.514/2008, de forma que deve incorrer nas mesmas multas quem utiliza equipamentos, instrumentos ou produtos sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença da autoridade ambiental competente ou em desacordo com a obtida.

Conclui-se que as atividades garimpeiras deixaram de ser atividades rudimentares com baixo uso de recursos econômicos para se tornarem atividades com uso de máquinas pesadas e de grandes investimentos. Tal fato aponta para a necessidade de ampliação do controle ambiental da atividade, sendo necessária a modernização normativa para controle dos impactos ambientais visando acompanhar as transformações tecnológicas e o perfil socioeconômico presente atualmente nas frentes de garimpo. Essa modernização normativa passa sobretudo pelo maior controle dos equipamentos e maquinários utilizados nas lavras garimpeiras na Amazônia Legal.

Hugo Ferreira Netto Loss é analista ambiental do IBAMA desde 2013. Atua na fiscalização ambiental com ampla experiência no combate ao desmatamento e ao garimpo na Amazônia.

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