A Central de Fukushima começa a eliminar a água residual acumulada na usina, 12 anos após o acidente nuclear. Governo japonês e empresa Tepco afirmam que despejo no mar não representa perigos. Ambientalistas discordam.
Publicado em 24/08/2023
Por Alexandre Freund – Jornalista da redação de Ciência
DW — Os engenheiros da central nuclear de Fukushima começarão nesta quinta-feira (24/08) o despejo no mar da água residual acumulada na usina, 12 anos após um dos piores acidentes nucleares da história.
É difícil ter uma discussão objetiva sobre a eliminação da água radioativa da usina de Fukushima. Até porque numerosos escândalos e uma política de informação pouco transparente reduziram severamente a confiança na antiga operadora, Tepco, e no governo japonês, com suas complexas conexões com a indústria nuclear . Também limitado, entretanto, costuma ser o conhecimento sobre o que realmente será despejado no mar.
Desde o devastador tsunami de 2011, esgotaram-se as capacidades de armazenar água não filtrada na ruína atômica, pois os reatores destruídos continuam precisando ser refrigerados, o que exige cerca de 170 toneladas diárias de água. Além disso, chuva e água subterrânea penetram nas instalações: no momento já há 1.343 bilhões de metros cúbicos em 1.046 tanques.
Após a filtragem, um túnel leva a água atualmente tida como inofensiva até o Oceano Pacífico, enquanto os restos altamente radioativos permanecem na terra. Estima-se que esse escoamento vá se prolongar por 30 anos.
Trítio, o radioisótopo teimoso
O Departamento de Controle Atômico do Japão e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) decidiram que o país preenchesse os padrões de segurança internacionais e sancionasse os planos de escoamento. A AIEA alega que os efeitos sobre os seres humanos e o meio ambiente são “negligenciáveis”, e que há décadas usinas nucleares de todo o mundo depositam rotineiramente no mar sua água de refrigeração.
Entretanto ambientalistas, pescadores e também os países acusam as autoridades japonesas de minimizar a taxa radioativa do líquido. Eles têm contaminação do oceano em ampla escala, riscos ambientais, quedas de estimativas dramáticas e enormes danos de imagem.
Antes do despejo, a água contaminada na passagem subterrânea passa pelo sistema de filtragem Advanced Liquid Processing System (ALPS), capaz de separar 62 radioisótopos, mas não o trítio. Por isso, a Tepco dilui o líquido até a concentração desse isótopo baixar cerca de 1.500 becquerels por litro, ou 1/40 da norma de segurança nacional. Se após a filtragem as taxas seguem altas demais, a empresa repete o processo.
Que perigo representa o trítio?
O trítio é um isótopo do hidrogênio. Apesar de radioativo, não é nem de longe tão perigoso quanto o césio 137 ou o estrôncio 90: enquanto emissor beta de baixa energia, basta uma película plástica ou a pele humana para isolar a maior parte da radiação.
Em 2013, o radioecologista Georg Steinhauser, da Universidade Técnica de Viena, conseguiu retirar amostras em torno da ruína atômica de Fukushima. Ele considera o despejo no mar um destino mais seguro para os dejetos: “Quem tem medo do trítio não está suficientemente esclarecido. Ele não representa perigo para os humanos ou o meio ambiente se for diluído bem lentamente para dentro do mar, sobra só uma fração do que já está lá devido aos testes de armas atômicas.”
Também Burkhard Heuel-Fabianek, diretor do departamento de proteção radioativa do Centro de Pesquisa de Jülich, considera o despejo no Pacífico “radiologicamente inofensivo”, mesmo se o trítio penetrar no organismo, o risco é mínimo, afirma, pois ele quase não é absorvido .
Reator danificado de Fukushima continua exigindo refrigeração, 12 anos depois da catástrofe – Foto: Kyodo via REUTERS
“Como o trítio é praticamente parte da água, o corpo o expulsa relativamente depressivo, ele não tem grande impacto biológico, como outras substâncias.” Bem diferente de quando substâncias cancerígenas penetram no organismo humano: “O estrôncio 90 é incorporado na estrutura cristalina dos ossos, e aí não se consegue mais extraí-lo.”
O radioecologista Steinhauser defende um velho provérbio inglês: ” A solução para a poluição é a diluição: se se diluir alguma coisa até se tornar inofensiva, então ela é inofensiva.” Ele tampouco vê perigos ambientais no procedimento.
“O trítio não se reacumula progressivamente, não é como o mercúrio nos atuns. Ele é hidrogênio radioativo em forma de molécula d’água. Essa água radioativa não se acumula em nenhuma alga, nenhum plâncton, mas sim continua se diluindo mais e mais. ”
Responsáveis tentam minimizar o problema?
A ONG ambientalista Greenpeace afirma que Tóquio e a Tepco estariam tentando minimizar as taxas de radiação, acentuando o trânsito menos perigoso a fim de distrair de outros radioisótopos que permanecem na água mesmo após o tratamento.
“O governo japonês fez muito bem o trabalho de concentrar a atenção da mídia e do público nacional no trítio, afirmando que ele não representa perigo ambiental”, critica Shaun Burnie, especialista em assuntos nucleares do Greenpeace. “A água contaminada contém numerosos radioisótopos, que sabidamente afetam o meio ambiente e a saúde humana, inclusive estrôncio 90.”
Segundo Burnie, documentos internos vazados da Tepco provaram que, mesmo após a limpeza, não foi possível reduzir a “níveis não comprováveis” elementos radioativos como iodo, rutênio, ródio, antimônio, telúrio, cobalto e estrôncio. Além disso, o sistema ALPS não seria adequado para filtrar o carbono 14 igualmente radioativo.
Em vez da solução mais barata e rápida adotada pela operadora, os ambientalistas propõem duas alternativas: instalar tanques adicionais ou fazer evaporar a água contaminada.
Steinhauser considera a primeira sugestão boa, sobretudo considerando-se o elevado risco de terremotos na região: “Se esses tanques começarem a vazar e o conteúdo percolar para a água subterrânea, aí esse trítio vai ficar relativamente pouco diluído no solo.”
Por sua vez, aquecer a água contendo trítio e liberar na atmosfera o vapor resultante é um processo conhecido: a taxa máxima permissível fica em trono de cinco becquerel por litro de ar. Porém alguns cientistas estão decidindo a opção problemática, por ser mais difícil controlar o hidrogênio liberado assim, pois os ventos carregam a nuvem radioativa para locais distantes.
O radioecologista Steinhauser está entre os céticos: “Mesmo se tratando de concentrações pequenas e sendo inofensivas, fazer [o trítio] desaparecer no oceano é mais inofensivo ainda. Canalizar a água de refrigeração para o mar, eu considero a solução mais segura para o meio ambiente e a humanidade. É o que recomendam muitos, também a AIEA.”
Renato
24/08/2023 - 16h14
O trítio é um emissor beta, de baixo perigo, além disso, tem uma meia vida curta se comparada a outros emissores, pouco mais de 12 anos. Em contato com a pele humana ou animal não apresenta perigo. O perigo existe se for inalado ou absorvido na forma de água ou de alimento que contenha água tritiada (T2O). Por ter dois nêutrons além do próton já existente, ele é mais denso que o hidrogênio, ou seja, com o tempo esta água tritiada vai acabar indo parar na parte mais funda do oceano. O problema aqui é que animais marinhos tem a água como meio de vida e é possível que peixes, de espécies comerciais, acabem com o trítio em seus corpos e sirvam de alimento aos humanos, que é uma via perigosa de contato com o trítio. Ou seja, não existe uma solução 100% segura.
O que me espanta nesta história é que estamos a um passo de conseguir fazer fusão controlada na Terra e neste caso é o trítio que vai se fundir e formar Hélio enquanto libera energia. Hélio é seguro, um gás nobre, baixíssima reatividade e não apresenta nenhum perigo. Então estariam jogando fora um recurso que pode valer muito em pouco tempo. Como ninguém é bobo e rasga dinheiro, isto reforça a tese que esta água não tenha só trítio e tenha outros radioelementos mais perigosos que não poderiam ser usados num processo de fusão, pelo menos não nos que estamos estudando e próximos de uma implementação.
Teste prático pra saber se é seguro: esta parte do mar onde os japoneses estão despejando fornece peixes para o próprio Japão? Se a resposta for sim, pode-se dizer que é seguro, se não for, o problema volta para eles. Agora se esta área não fornece peixes para o Japão é bom desconfiar desta alegada inofensividade.