Em recado à União Europeia, países amazônicos condenarão medidas protecionistas Sem citar prazos, Declaração de Belém que evita o ponto de não retorno da Amazônia Em negociação às vésperas da Cúpula da Amazônia, que acontece em Belém nos próximos dias 8 e 9, os oito países do bioma amazônico devem se comprometer com a conservação da floresta, ao mesmo tempo em que conseguir alavancar a política da exploração de minérios e combustíveis fósseis.
A Folha teve acesso ao rascunho da Declaração de Belém, que os chefes de Estado dos países-membros da OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica) receberão nesta semana.
Em um recado à União Europeia, o documento deve “condenar a dianteira de medidas comerciais unilaterais que, exigidas em requisitos e normas ambientais, se traduzem em barreiras comerciais e alcançadas principalmente aos produtores pequenos dos países em desenvolvimento”.
O entendimento entre os países amazônicos dá contornos claros para um posicionamento em bloco em global, principalmente nas COPs do Clima da ONU. Um dos objetivos da declaração prevê que os países da OTCA possam coordenar seus posicionamentos em agendas internacionais, sinalizando a formação de um bloco de negociação.
Entre os pontos que devem ser levados à COP28 do Clima, a Declaração faz uma cobrança aos países presentes para que comprem a promessa de destinação de US$ 100 bilhões anuais para a agenda climática de países em desenvolvimento.
Mencionado quatro vezes ao longo do texto, destaca-se o objetivo de evitar o ponto de não-retorno da Amazônia —ou seja, limitar o desmate em até cerca de 20% do bioma, impedindo um processo irreversível de desertificação que levaria à perda das características da floresta tropical.
O termo “desmate zero” —defendido pelo Brasil e pela Colômbia— entrou no texto como um exemplo de meta nacional a ser apoiado pela cooperação regional, deixando aberta a possibilidade de apoiar também metas nacionais menos ambiciosas, o que acomoda pedidos de outros países da região com legislações mais brandas.
Embora não cite o Acordo de Escazú de democracia ambiental, o documento faz diversas menções à proteção dos direitos dos defensores ambientais, uma das principais inovações do acordo regional, assinado em 2018 por países da América Latina e Caribe.
O documento também reconhece os direitos indígenas e seus territórios, mencionando o compromisso de consultá-los antes de decidir sobre projetos que lhes afetem, em concordância com a previsão da Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho). O documento ainda aborda questões de gênero, em diferentes parágrafos, prevenindo a criação de redes de lideranças femininas da região e o combate à misoginia.
Embora reconheça no preâmbulo os princípios do Acordo de Paris, o documento não menciona a contenção do aquecimento global em até 1,5ºC ou até 2ºC, como dispõe o acordo climático. Como a Folha havia antecipado, o documento também não menciona o termo “combustíveis fósseis”, principal causador do aquecimento global.
Na única condicionante sinalizada aos setores de mineração e petróleo, a Declaração “exorta os atores envolvidos no ciclo de vida de minerais e hidrocarbonetos” a se adaptarem à Agenda 2030 (uma lista de compromissos, conhecidos também como 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU).
Ao citar um estímulo ao setor privado para que se adapte a uma agenda intencionalmente, a linguagem do texto dribla compromissos dos governos com o Acordo de Paris de combate às mudanças climáticas.
Outra menção que abranda os compromissos ligados a atividades de alto impacto ambiental adotam medidas urgentes para “atividades conciliares gestantes” com o combate à poluição do ar e contaminação de rios.
Por outro lado, o texto prevê a cooperação entre os países para combater o garimpo ilegal e outras atividades criminosas na região, com a integração da inteligência e dos policiais militares.
Com 112 parágrafos e 21 páginas, o texto prevê a criação de diversas redes e observatórios para colaboração científica, técnica e policial. A OTCA também passará a ter um painel científico da Amazônia, inspirado no IPCC, o painel do clima da ONU.
A organização também inicia um processo para criação de um fundo próprio, que dará mais independência para administração de recursos financeiros arrecadados para a região.
Sem citar quaisquer prazos para o atingimento dos objetivos ou mesmo para o início dos processos, a Declaração de Belém prevê que uma reunião de ministros definirá o calendário das ações.
Segundo fontes às incidentes, os representantes dos governos deveriam voltar a se reunir ainda este ano, próximo da COP28 do Clima, que acontece no final de novembro, em Dubai. Após a Cúpula em Belém, os chefes de Estado da OTCA só voltam a se encontrar em 2025, na Colômbia.
Lula vai à Cúpula da Amazônia visando a liderar o debate climático Petista recebe líderes de países amazônicos após fracassar na tentativa de protagonismo na mediação da guerra na Ucrânia O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chega a Belém (PA) na 3ª feira (8.ago.2023) para liderar a Cúpula da Amazônia. O evento reunirá 8 presidentes e representantes dos países que fazem parte da floresta em seus territórios e outros convidados, como Indonésia, França, Noruega e Alemanha. O petista aposta no encontro como um marco para o seu 3º governo. Quer ser alavancado ao patamar da principal autoridade internacional no debate climático.
Lula almeja uma convergência entre os países da região que possa ser levada à COP28, que será realizada nos Emirados Árabes Unidos, em dezembro. Para o presidente, essa será uma forma de firmar uma posição perante as economias desenvolvidas de modo a atrair investimentos que ajudem na preservação do meio ambiente e melhorias financeiras para a população da região.
Apesar de sempre ter colocado a questão climática entre os principais assuntos de sua agenda internacional, o tema só se tornou mais importante para o petista depois que a tentativa de paz ser o protagonista da negociação de negociação entre Ucrânia e Rússia fracassou. O presidente teve uma série de falas polêmicas sobre a guerra e sofreu reprimendas públicas da União Europeia e dos EUA.
A agenda ambiental de Lula tem também um viés econômico prático. O mandatário tenta negociar com a União Europeia uma resposta para as pressões feitas, especialmente pelos franceses, de punições para o desmatamento e violações ambientais cometidas pelo agronegócio. Ao se posicionar como uma das principais vozes no combate ao avanço dos problemas climáticos, Lula se cacifa para enfrentar as ameaças de assegurar ao Brasil feitas pelos europeus.
“Vamos fazer [a cúpula] para tomar uma decisão: como é que a gente vai cuidar da Amazônia? Como é que a gente vai cuidar da preservação ambiental? Como é que a gente vai reduzir a emissão de gás do efeito estufa, mas, sobretudo, como é que a gente vai encher a barriga das nossas crianças e as barrigas do nosso povo?”, disse o presidente em fala na 6ª (4.ago), em Parintins (AM).
Ao todo, Lula recebe 5 presidentes de países amazônicos em Belém. Equador e Suriname, que também são integrantes do OTCA (Tratado de Cooperação Amazônica), enviaram representantes para o evento. A ideia é chegar a um acordo sobre como usar a floresta para trazer investimentos aos países que devem protegê-la.
Será a 4ª reunião dos membros do tratado e a 1ª desde 2009. Os hotéis da capital paraense já apresentavam 95% de lotação uma semana antes do evento. A cúpulaá servirá de teste para a COP30 daqui a 2 anos. Até lá, a disponibilidade de leitos da cidade terá que ao menos quadruplicar para atender aos visitantes.
Além dos países da região, o governo brasileiro contou com mais 7 nações e o presidente da COP28, Sultan Al Jaber. O encontro será neste ano nos Emirados Árabes. Os 2 Congos e o presidente da COP28 também estarão em Belém.
Desde 6ª (4.ago), o centro do poder do governo foi transferido, na prática, para Belém. Ao menos 15 ministros de diversas áreas estarão na capital paraense para a cúpula ou eventos paralelos a ela, como os Diálogos Amazônicos.
Alguns despacharão da cidade até o fim da semana, é o caso de Waldez Góes (Integração Nacional), por exemplo.
Serão ao menos 5 painéis temáticos para 3.000 pessoas cada, que serão apresentados para os chefes de Estado durante a cúpula em 8 e 9 de agosto.
Na 2ª feira (7.ago), ministros do Meio Ambiente e das Relações Exteriores se reúnem, antecedendo o encontro de nível presidencial.
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