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STF não conclui o julgamento e, outra vez, frustra povos indígenas

Quando houver a retomada do julgamento, os ministros deverão se debruçar sobre as incongruências das teses propostas Publicado em 10/06/2023 – 14h03 Por Onir de Araújo* e Roberto Antônio Liebgott** – Brasil de Fato – Porto Alegre (RS) Brasil de Fato — Na tarde do dia 7 de junho de 2023, o Supremo Tribunal Federal […]

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Fabiana Reinholz

Quando houver a retomada do julgamento, os ministros deverão se debruçar sobre as incongruências das teses propostas

Publicado em 10/06/2023 – 14h03

Por Onir de Araújo* e Roberto Antônio Liebgott** – Brasil de Fato – Porto Alegre (RS)

Brasil de Fato — Na tarde do dia 7 de junho de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento do RE 1.017.365, de repercussão geral, que trata da tese do marco temporal e dos direitos originários dos povos indígenas.

Paralisado há quase um ano, o processo foi retomado por ocasião da apresentação do voto vistas do ministro Alexandre de Moraes. No entanto, após sua leitura, houve novo pedido de vistas, desta vez do ministro André Mendonça, interrompendo, novamente, o julgamento.

Ao longo de mais de dois anos, esse julgamento foi paralisado três vezes. Uma, logo depois das manifestações dos advogados das partes e da Advocacia Geral da União, do Ministério Público Federal e dos Amicus Curiae – Amigos da Corte. A segunda se deu depois das apresentações dos votos do relator do processo, o ministro Luís Edson Fachin, e do ministro Nunes Marques.

O julgamento chegou a ser reagendado para abril de 2022, mas havia um ambiente de graves turbulências entre o governo Bolsonaro e o STF. Na ocasião, o ministro Luís Fux, devido as tensões, retirou o processo da pauta.

Nessa terceira etapa do julgamento, o ministro Alexandre de Moraes expôs seu voto buscando uma conciliação de interesses dos setores da economia e da política – contrários às demarcações de terras – e os direitos dos povos originários.

Alexandre de Moraes, ao expressar sua tese, fez três argumentações políticas e jurídicas. Num primeiro momento, enfatizou que o tema dos povos originários e a busca de uma solução – pacificação jurídica e social – são complexos. Segundo ele, em nenhum lugar do mundo houve adequado tratamento a essas demandas.

Na sequência fez a segunda argumentação, amparando-se no que denominou de jurisprudência do marco temporal, que se deu a partir do julgamento do caso Raposa Serra do Sol – PET 3338 de 2010 – o qual, segundo ele, foi determinante para que a AGU (Advocacia Geral da União) editasse o Parecer 001 de 2017, que vincula, na administração pública federal, as condicionantes do caso Raposa Serra do Sol e a tese do marco temporal.

Alexandre de Moraes assinalou que a tese constituiu-se numa espécie de radiografia ou fotocópia da situação indígena em 5 de outubro de 1988, por ocasião da promulgação da Constituição Federal. No entender dele, essa data tornou-se uma referência balizadora para as demarcações das terras.

Na sequência, fez o terceiro movimento argumentativo, destacando que, de fato, o marco temporal e o renitente esbulho não dão conta de superar as graves violências cometidas, ao longo da história, contra os povos originários. Ele sustentou seu argumento, referindo-se aos estudos do antropólogo Sílvio Coelho dos Santos, que pesquisou, por muitos anos, a história e a trajetória do Povo Xokleng, contra o qual foram cometidas as mais macabras agressões e chacinas. Portanto, segundo ele, não há como negar o direito originário daqueles que foram obrigados a fugir de suas terras para não serem dizimados.

A partir deste ponto, Alexandre de Moraes aderiu ao voto do relator ministro Edson Fachin, declarando, também ele, a inconstitucionalidade do marco temporal. Todavia, ele apontou – em defesa de sua tese – duas divergências ao posicionamento do relator, sendo: a) A possibilidade de pagamento de indenizações pelas terras – terra nua – e não tão somente as benfeitorias e reassentamento dos possuidores de títulos de propriedades – de boa-fé – afetadas por demarcações. O ministro faz uma ressalva, de que a indenização será possível desde que comprovada a boa-fé dos títulos; b) O ministro prevê, ainda, em sua tese, que se viabilize, havendo a concordância dos indígenas, a permuta de terras. Isto se dará, em dadas situações, onde ocorrerem dificuldades de se promover a remoção dos ocupantes não indígenas afetados por demarcações. Nesse caso, o governo deve comprar uma outra área para nelas assentar comunidades ou povos.

O que pretende o ministro com a abertura dessas duas janelas jurídicas? Segundo ele, pacificar e dar segurança jurídica no campo. Essa pretensão, na prática, não deve prosperar porque não são, exclusivamente, as indenizações econômicas que norteiam as relações dos povos indígenas e quilombolas com as sociedades. Há, para além disso, o racismo, a intolerância e as mais variadas formas de discriminação e preconceitos que se perpetuam.

O ministro Luiz Fux, num breve comentário, posterior à apresentação do voto do ministro Alexandre de Moraes, observou que haverá a necessidade de se estabelecer algumas modulações para atender possíveis condicionantes a serem propostas na decisão.

Portanto, há de se definir, por primeiro, a tese de repercussão geral e na sequência, de modo fundamentado e organizado, especificar as condições agregadoras à tese – as condicionantes – que deverão ser observadas pelos Poderes Públicos nas esferas administrativas ou jurídicas.

O ministro Alexandre de Moraes – na divergência exposta – com a ânsia de agradar setores agrários e agrícolas – contrários aos povos indígenas – agride, de uma só vez, o direito originário, propondo a permuta de terras – caput do artigo 231/CF – bem como afronta o Parágrafo 6º, deste mesmo artigo, quando propõe o pagamento pela terra aos detentores de títulos de propriedade em áreas da União – terras indígenas compõem o rol de patrimônios da União, artigo 20, XI, da CF.

A permuta, no caso, afastaria os indígenas de seus lugares de origem, das ancestralidades, de suas cosmovisões, de seus espaços sagrados e de seus habitats tradicionais.

Ainda, o pagamento pela terra nua, como caráter indenizatório, anula direitos da União, obrigando-a a pagar por sua própria terra, uma vez que o parágrafo 6º, do artigo 231, determina que os títulos incidentes sobre terras indígenas são nulos e não produzem efeitos jurídicos.

Quando houver a retomada do julgamento – e se espera que isso ocorra antes da aposentadoria da ministra Rosa Weber – os ministros deverão se debruçar sobre as incongruências das teses propostas, saneando-as, evitando, com isso, que o STF assuma papel que não lhe cabe, o de mudar, através de interpretações, alguns preceitos fundamentais contidos em nossa Carta Magna, como aqueles propostos na tese do ministro Alexandre de Moraes.

* Roberto Liebgott, advogado e missionário do Cimi Sul

** Onir de Araújo, advogado, integrante da Frente Quilombola do estado do Rio Grande do Sul.

Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko

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