Grupo de deputados estaduais aguardam relatório da Polícia Federal antes de iniciar coleta de assinaturas para abertura de uma CPI para investigar o caso.
Carta Capital n? 778
Um Escândalo de Meia Tonelada
Minas Gerais: A apreensão de 445 quilos de cocaína no helicóptero da família Perrella abre caminho para uma disputa política no estado
Por Miguel Martins, de Belo Horizonte (MG)
Uma apreensão de quase meia tonelada de cocaína não é uma operação incomum para a polícia, acostumada a monitorar veículos que transportam grandes quantidades de drogas para distribuição nacional e internacional. Não é todo dia que uma aeronave pertencente a um parlamentar cai, porém, no radar das autoridades de combate ao tráfico. A descoberta pela PM do Espírito Santo de 445 quilos de pasta-base de cocaína em um helicóptero da empresa do deputado estadual mineiro Gustavo Perrella, do recém-criado partido Solidariedade, e filho do senador pedetista Zezé Perrella, pode colocar em xeque a proeminência política de uma das famílias mais poderosas do estado de Minas Gerais.
Na Assembleia Legislativa, o bloco Minas Sem Censura, composto de parlamentares do PT, PMDB e PcdoB, estuda sugerir a implantação de uma “CPI do Helicóptero”, mas prefere aguardar novos relatórios da Polícia Federal sobre o caso. Pressionado por sua base, o deputado petista Rogério Correia teme o desgaste político de abrir uma investigação parlamentar, caso a PF conclua que Perrella não tinha conhecimento do transporte da droga em seu helicóptero, apreendido em Afonso Cláudio, na região serrana do Espírito Santo. Uma possibilidade estudada pela bancada de oposição é aproveitar o caso para reforçar uma proposta do deputado pedetista Sargento Rodrigues por uma CPI do narcotráfico, que visa apurar a escalada da distribuição de drogas no Triângulo Mineiro. Deputado da base do governador tucano Antônio Anastasia e das mesma legenda de Perrella pai, Rodrigues não quer, no entanto, transformar sua proposta em um jogo político entre situação e oposição.
A lentidão para formalizar um pedido de CPI explica-se pelo choque de versões nos depoimentos colhidos até o momento. Segundo declarações à PF de Rogério Almeida Antunes, piloto do helicóptero, ele teria desconfiado da carga transportada em razão do alto valor combinado para o frete: 106 mil reais, mais as despesas da máquina. Antunes negou que Perrella tivesse conhecimento do conteúdo da carga. Em um primeiro momento, o deputado afirmou que o helicóptero pertencente à empresa Limeira Agropecuária, da qual é sócio majoritário ao lado da irmã Carolina Perrella, era usado apenas para transporte de passageiros. Negou ter conhecimento do frete e insinuou que o piloto iria responder criminalmente pelo roubo da aeronave. Abandonou a estratégia após a defesa de Antunes garantir que a autorização do transporte da carga pelo deputado poderia ser provada com a quebra do sigilo telefônico.
Segundo o advogado do parlamentar, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, seu cliente de fato autorizou um frete, mas no valor de 12 mil reais, com o objetivo de financiar a manutenção do helicóptero Robinson R66. “O deputado foi surpreendido com a presença de drogas na aeronave. Quem tem aeronaves particulares costuma fazer frete duas ou três vezes por ano, para garantir a manutenção. Mas sempre para transportar passageiros, pois não há autorização da Anac para a realização de transporte de carga”, afirma o advogado a CartaCapital.
Outro ponto bastante polêmico é o trajeto percorrido pela aeronave. Segundo o depoimento de Antunes, a droga teria entrado no helicóptero em Avaré, no interior de São Paulo. No trajeto até Afonso Cláudio, o Robinson R66 teria pousado em dois aeroportos para abastecer: Campo de Marte, em São Paulo, e Brigadeiro Cabral, em Divinópolis (MG). Versão que levanta desconfianças da PF, pois o helicóptero não teria autonomia de voo para transportar uma carga de 445 quilos no trajeto entre os dois aeroportos, um percurso de mais de 500 quilômetros. Leonardo Damasceno, delegado da PF do Espírito Santo, afirmou desconfiar da versão do piloto. De acordo com dados disponibilizados pela fabricante do helicóptero, a Robinson Helicopter Company, o peso máximo para a aeronave levantar voo é de 1.225 quilos, um limite de segurança estabelecido para cada tipo e modelo de aeronave. Se o teto máximo tiver sido respeitado por Antunes e o copiloto Alexandre José de Oliveira Júnior, a conta não fecha. Somados os 445 quilos da droga, o peso dos dois tripulantes, estimado em 140 quilos, e o peso do helicóptero, de 581 quilos, restaria espaço apenas para 59 quilos de combustível no tanque da aeronave, o que permitiria uma autonomia de voo de apenas 158 quilômetros, insuficiente para cumprir qualquer uma das etapas do itinerário. A PF determinou que seja feita uma perícia no GPS do helicóptero. Assim, hipóteses como a droga ter saído de Divinópolis ganham força, apesar de a distância entre a cidade mineira e Afonso Cláudio, cerca de 400 quilômetros, estar também acima da autonomia prevista para a aeronave carregada com a droga.
Enquanto sobram dúvidas a respeito do conhecimento do deputado acerca do conteúdo da carga e da veracidade do depoimento de Antunes sobre o trajeto, os parlamentares mineiros concentram-se no momento em duas frentes. Além de funcionário da Limeira Agropecuária, Antunes ocupava há um ano, por indicação de Gustavo Perrella, o cargo de agente de serviços da 3a. Secretaria da Assembleia Legislativa de Minas e recebia 1,7 mil reais por mês. O piloto foi exonerado logo após o escândalo. Sua contratação é agora alvo de investigação do Ministério Público de Minas Gerais, que vê indícios de incompatibilidade de horários para o cumprimento das duas funções.
O MP também investiga o uso de verba indenizatória da Assembleia para o pagamento de querosene usada na aeronave. Segundo o regimento interno da Casa, os deputados podem usar 5 mil reais mensais do recurso para a compra de combustível quando o uso do veículo particular está relacionado ao cumprimento de agenda política. Em 2013, Perrella teria recorrido a 14 mil reais do fundo para o reembolso de gastos com o abastecimento do Robinson R66. Kakay alega que o querosene utilizado no trajeto até o Espírito Santo não foi pago com dinheiro público. “A última vez que o deputado pediu ressarcimento para combustível foi em 14 de outubro”.
O deputado Correia abriu uma sindicância para levar o suposto uso irregular do recurso à Comissão de Ética da Assembleia, mas mantém o tom cauteloso em relação à CPI. “A pressão da sociedade é grande, mas não podemos transformar o caso em uma questão política. Primeiro, é preciso saber de onde veio a droga”. Por sua vez, o Sargento Rodrigues entende que a situação pode configurar crime de improbidade administrativa. “Se restarem provadas a contratação irregular do piloto como servidor e o uso indevido da verba indenizatória, eu votarei a favor de sua cassação”, afirma, sem se incomodar com o fato de sua postura poder levar a constrangimentos com a base do governo estadual.
O caso do helicóptero atrai atenção para outros negócios suspeitos realizados pela Limeira Agropecuária. O promotor Eduardo Nepomuceno investiga repasses do governo estadual para a empresa, entre 2009 e 2011. Segundo a ação civil pública que, promete o promotor, será encaminhada à Justiça “o mais breve possível”, a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas (Epamig) teria contratado sem licitação a Limeira Agropecuária para o fornecimento de sementes de feijão ao programa Minas Sem Fome, que repassa grãos a produtores rurais. O valor do contrato seria de 2,4 milhões de reais, mas, com aditivos, chegaria a 3 milhões.
Outro episódio a envolver a empresa é uma suposta ocultação de patrimônio por Zezé Perrella, alvo de investigação da Procuradoria Estadual. Em sua campanha de 2010, o senador declarou ao Tribunal Regional Eleitoral 490 mil reais em bens. A fazenda Guará, suposta propriedade rural do parlamentar em Morada Nova Minas, é avaliada, porém, em 60 milhões de reais. A fazenda está em nome de Limeira Agropecuária, empresa de seus filhos.
Além das investigações da Limeira Agropecuária, a família Perrella foi alvo da PF em duas operações recentes. O irmão mais novo do senador, Alvimar de Oliveira Costa, é dono da Stillus, fornecedora de marmitas a escola públicas e prisões estaduais. Seu apartamento foi alvo de um mandado de busca e apreensão durante a operação “Laranja com Pequi”. Sua empresa é acusada de coordenar um esquema de superfaturamento de contratos de fornecimento de refeições aos órgãos públicos. O valor desviado chegaria a 166 milhões de reais. Nepomuceno também cuida do caso. “As provas colhidas foram anuladas pelo Tribunal de Justiça de Minas, que entendeu não termos poder para presidir uma investigação criminal, mas conseguimos reverter a decisão”, afirma o promotor. “Estamos concluindo o inquérito”.
Situação semelhante ocorreu com o irmão mais velho de Zezé, Gilmar de Oliveira Costa, indiciado no início deste ano por formação de quadrilha. A empresa GN alimentos, da qual é dono, é acusada de alterar o peso e o valor nutricional de carnes fornecidas a órgãos públicos. A apuração surgiu após denúncia do empresário Antônio César Pires de Miranda Júnior, proprietário da rede de restaurantes Pizzaria Mangabeiras, famosa na capital mineira por reunir tucanos e parlamentares da base governista. A denúncia surgiu em meio à investigação de irregularidades no certame para o aluguel de um espaço destinado ao restaurante da Cidade Administrativa, em Belo Horizonte, sede do governo estadual, disputado por Júnior e a família Perrella.
Marcilio Landim Meireles
06/12/2013 - 20h20
este helicóptero veio foi do Panamá…..