A pesquisa Datafolha divulgada hoje sinaliza que o voto das famílias de baixa renda será o fator determinante nas eleições presidenciais de 2022.
A afirmação pode parecer óbvia, porque a maioria dos eleitores são pobres, mas não é bem assim.
Em 2018, o voto dos eleitores de classe média é que foi determinante. A partir de núcleos extremamente bem consolidados junto a famíilas mais abastadas, Bolsonaro construiu sua campanha fulminante, que dominou as redes sociais e se espraiou para o eleitorado mais humilde.
A força de Bolsonaro já era muito clara um ano antes das eleições.
Uma pesquisa Datafolha de setembro de 2017, ou seja, situada a mesma distância das eleições de 2018 que as pesquisas de hoje estão das eleições de 2022, trazia o então deputado Jair Bolsonaro com 17% das intenções de voto, no cenário com Lula. O seu tamanho crescia, contudo, quando se olhava para alguns segmentos. Entre homens, por exemplo, ele pontuava 24%. Mais importante, Bolsonaro liderava entre eleitores mais ricos: entre famílias com renda de 5 a 10 salários, por exemplo, ele já tinha 29%, contra 17% de Lula. Entre eleitores com renda superior a 10 salários, Bolsonaro igualmente estava à frente, com 30%, contra 19% para o petista.
O percentual de Bolsonaro era apenas aparentemente modesto. Apesar de ter ainda pouco voto entre as famílias mais pobres e menos instruídas, já era o campeão da classe média e das redes sociais. E dentro de seu campo, o da direita, não tinha rival a altura.
Esse é mais um dos desafios a serem enfrentados pelos candidatos alternativos hoje, da terceira e quarta vias. Além de uma pontuação baixa, eles não se destacam em nenhum extrato.
Não se tornaram populares junto àquelas camadas de renda média que, em setembro de 2017, já se empolgavam com Bolsonaro, tampouco são conhecidos do “povão”.
Lula, por sua vez, está bem mais forte hoje do que estava em qualquer outro momento do passado recente.
Em setembro de 2017, Lula tinha 35%. No Datafolha de hoje tem 44% (no cenário C, mais enxuto).
Em setembro de 2017, a rejeição a Lula era de 42% e de Bolsonaro, 33%. Hoje, setembro de 2021, a rejeição a Lula é de 38%, contra 59% de Bolsonaro.
Em 2017, a rejeição a Lula entre eleitores com ensino superior era de 60%; agora caiu para 46%. Já a rejeição de Bolsonaro neste segmento, que era de 43% em 2017, hoje é de 62%.
Entre eleitores com ensino médio, que são a maioria, a rejeição de Bolsonaro em 2017 era de apenas 30%; hoje é de 57%. A de Lula, que era de 45%, hoje é 40%.
Entre os eleitores mais pobres, com renda familiar até 2 salários, Lula tinha rejeição de 32% em setembro de 2017; hoje, nesse mesmo extrato, o petista tem 28% de rejeição.
O presidente Jair Bolsonaro, por sua vez, tem uma rejeição espetacular de 63% entre as famílias pobres.
Os cidadãos com renda familiar até 2 salários correspondem a 57% do eleitorado nacional.
Em 2017 e 2018, Lula estava condenado e vinha experimentando sucessivas derrotas na justiça, chegando a ser preso. Hoje o ex-presidente tem acumulado vitórias judiciais a um ritmo alucinante, e não tem mais nenhuma condenação em primeira ou segunda instâncias.
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Vamos examinar os números de intenção de voto estimulado (quando o pesquisador apresenta os nomes dos candidatos), por extratos de renda.
Lula parece bem consolidado entre os eleitores com renda familiar até 2 salários, pontuando 54%.
Ele caiu 3 pontos em relação a pesquisa de julho, mas subiu bastante em relação a maio, e a variação parece apenas estatística, dentro da margem de erro.
O Datafolha sinaliza um cenário de acomodação, conforme dissemos em outro post, no qual Lula parou de subir e Bolsonaro, de cair, com modestas oscilações aqui e ali para outros candidatos, quase todas dentro da margem de erro.
A votação espontânea se dá quando não são apresentados nomes aos entrevistados; eles precisam lembrar espontaneamente de seus candidatos. É um número importante para se examinar. Alguns analistas até o preferem, em relação à estimulada, por serem mais “autênticos”.
A tabela mostra a evolução da votação espontânea para os quatro principais candidatos, nas últimas três pesquisas do Datafolha (maio, julho e setembro) divulgadas este ano.
Lula apresenta um crescimento firme: tinha 21% em maio, subiu para 26% em julho e agora tem 27%. Bolsonaro tem 20%.
Ciro, porém, não conseguiu passar de 2%, e Dória dá traço.
Comparando: em setembro de 2017, Bolsonaro já tinha 9% na espontânea, sendo 14% entre homens, e 18% a 20% junto aos eleitores de classe média.
Ciro pontua 4% nessa faixa de eleitores de classe média, enquanto Doria continua dando… traço.
Bolsonaro, por sua vez, tem 32% a 36% de votação espontânea junto a essa classe média. Ou seja, se Doria e Ciro querem deslocar Bolsonaro, tirando-lhe do segundo turno, ainda precisam trabalhar muito.
A pesquisa mostra que os pobres estão aderindo a Lula, e a classe média, a Bolsonaro, repetindo uma dicotomia conhecida da política brasileira, sobretudo a partir de 2006.
O Datafolha também traz alguns cenários de segundo turno, nos quais o ex-presidente Lula vence com folga todos os seus adversários: Lula vence Bolsonaro por 56% X 31%, e Ciro por 51% X 29%.
Colhemos os dados extratificados por renda do segundo turno, para analisar como as diferentes classes irão se comportar nesse embate final. O cenário classista é bastante claro: as famílias de renda mais alta tendem a votar novamente em Bolsonaro; as mais pobres, em Lula.
Entretanto, em virtude da altíssima rejeição de Bolsonaro entre os eleitores mais instruídos (o que não se viu nas eleições de 2018), é possível que a perfomance de Lula na classe média seja melhor em 2022 do que em anos anteriores.
O petista até que não vai tão mal assim junto as camadas médias. Entre famílias mais ricas, com renda superior a 10 salários, Lula chegou a liderar em maio, com 45%, contra 34% de Bolsonaro, mas os números se alteraram nos últimos meses, e hoje Bolsonaro lidera com 47%, contra 35% de Lula.
É importante destacar, todavia, que os números extratificados estão sujeitos a margens de erro maiores do que as registradas nas médias gerais, e isso explica essas oscilações bruscas.
Links dos relatórios completos de pesquisas Datafolha realizadas em 2021:
Datafolha Maio 2021.
Datafolha Julho 2021.
Datafolha Setembro 2021.
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Abaixo, outros gráficos feitos com base nas pesquisas Datafolha divulgada este ano.
Eu faço alguns comentários após um ou outro gráfico. Confira.
Nota-se que Ciro cresceu entre eleitores com ensino superior, atingindo 17% das intenções de voto, segundo o Datafolha.
Para efeito de comparação, um ano antes das eleições de 2018, o então deputado Jair Bolsonaro tinha 8% entre eleitores com instrução até ensino fundamental, 24% entre eleitores com ensino médio e 22% entre eleitores com ensino superior. Bolsonaro era líder ou vice-líder nesses extratos.
Hoje Ciro tem uma pontuação razoável entre eleitores com ensino superior, mas está num distante terceiro lugar.
O ex-presidente Lula tem liderança entre os eleitores com ensino superior, com 36%.
Outro obstáculo para o crescimento da terceira via é a hegemonia de Lula e Bolsonaro junto aos eleitores menos instruídos.
Em setembro de 2017, apenas Lula tinha boa pontuação nesse extrato; havia uma vaga aberta. Hoje são dois candidatos com força entre os eleitores menos instruídos, estreitando os caminhos para a passagem da terceira e da quarta vias.
Conclusão
As eleições brasileiras permanecem capturadas pela força de duas grandes lideranças populares, Lula e Bolsonaro, cada qual representando setores muito claros da sociedade.
Lula representa pobres, intelectuais progressistas, estudantes, liberais nos costumes, trabalhadores assalariados.
Bolsonaro representa os ricos, conservadores nos costumes, empresários, intelectuais reacionários.
Uma das tabelas divulgadas pelo Datafolha, com a pontuação espontânea dos candidato por ocupação principal, traz Bolsonaro com 47%, contra 8% de Lula entre eleitores que se identificaram como empresários. As vantagens mais expressivas de Lula nessa tabela estão nas colunas de estudantes, desempregados e donas de casa.
Seria importante, portanto, que o campo progressista começasse a trabalhar, desde já, numa plataforma de comunicação que conseguisse melhorar o diálogo com estes setores ainda tão atrelados politicamente ao governo Bolsonaro.
A terceira via de Ciro Gomes, por sua vez, cumpre um papel irônico. Com sua inegável energia, Ciro consegue se manter firme, com seus 9% a 12%, em condições absolutamente inóspitas. Não cair abaixo disso já é uma vitória para a campanha do pedetista.
Com isso, porém, Ciro bloqueia a entrada de uma quarta via, de orientação mais liberal (na economia), e conservadora (nos costumes), características que permitiriam a um candidato furar a muralha bolsonarista e roubar votos ali.
Esse “cinturão cirista” no entorno de Bolsonaro e Lula acaba contribuindo para a manter polarização, pois nem o eleitor de Bolsonaro nem o eleitor de Lula vêem em Ciro as qualidades necessárias para mudarem seu voto. Ciro tem um eleitorado próprio, lidera entre os cidadãos “nem-nem”, ocupando um espaço que a centro-direita gostaria de ocupar. Provavelmente seja esta razão pela qual Ciro tem feito tantos ataques a Lula e ao PT: para ganhar um espaço no coração do eleitorado conservador.
A aposta de que Bolsonaro poderia se esvaziar e ficar fora do segundo turno, por sua vez, é um sonho cada vez mais distante. O Datafolha mostra que o presidente e seu governo continuam perdendo popularidade, mas ainda mantém uma base sólida, entre 20% e 30%, e possui redes sociais abertas e fechadas excepcionalmente bem estruturadas. As redes fechadas de Bolsonaro, como o Telegram e os grupos de Whatsapp são blindadas contra influência externa. Quebrar essas bolhas, esse universo paralelo do ultraconservadorismo brasileiro, será um enorme desafio para a oposição como um todo, e tarefa quase impossível para a terceira ou quarta vias.
Lula tem a vantagem de ter a sua própria bolha. Ele não precisa penetrar na bolha bolsonarista. As vias alternativas, sim, precisam, porque desejam tirar Bolsonaro do segundo turno.
Neste sentido, talvez fosse saudável para todos que houvesse um entendimento entre os candidatos de oposição, para evitar ataques mútuos e focar no isolamento crescente do bolsonarismo. Por mais que o cenário hoje pareça promissor para a oposição, já temos experiência suficiente para saber que será, de uma forma ou de outra, um embate extremamente difícil, especialmente em virtude do poderoso aparato de comunicação montado pelo presidente da república.
Bandoleiro
20/09/2021 - 06h57
Ninguém gosta desse fdp, não precisa análise quilométrica pra perceber isso nas ruas.
Tiago Silva
18/09/2021 - 10h15
Incrível como a classe média continua radicalizada e muito em função de atores que não estão nesse tabuleiro das pesquisas que é o politiqueiro que praticou corrupção passiva e hoje está nos EUA vinculado a interesses estrangeiros (Sérgio Moro) assim como o PIG (principalmente a Globo para renda de 2 a 5 SM e GloboNews para rendas acima de 5 SM).
Outra constatação triste é saber como Bolsonaro conseguiu politizar quem se acha empresário e que aprofunda ainda mais o embate entre Capital e Trabalho.
Lula está bem posto no tabuleiro, pois o povão vive a expectativa de ser vingado contra tudo que passou (Deforma Trabalhista, Desemprego, Deforma Previdenciária, etc) e quer dar o troco a quem se identifica que praticou o Golpe que os fez sofrer privações (como Aécio, Temer, PMDB, PSDB, DEM, etc). Falta a Lula apresentar um “Time” para os ministérios (principalmente da economia que poderia ser Paulo Nogueira Batista Jr), assim como apresentar ou apoiar projetos “coletivistas/solidários” para que seu eleitorado tenha mais confiança – apesar de o candidato buscar não apresentar nada nesse momento para evitar ruídos e rejeições (porém a qualquer lugar que se vá ou para a esquerda como fazia em campanhas eleitorais passadas ou ao Centrão como querem empurrar para recompor um sistema desgastado, sempre trará rejeições… espero que a pressão de suas bases o façam ser mais ousado até para que se assemelhe com o início de governo Biden). Aliás pode-se emular as eleições dos EUA com Lula como um “Biden” e talvez acompanhado de um “Obama” (Paulo Paim) ou “Kamala Harris” (Djamila Ribeiro) para um embate contra o “Trump Brasileiro” (Bozo).
Ciro busca a classe média radicalizada e tem grande penetração no público de universidades privadas e recém formados, porém enquanto o PDT tinha grande força no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro… O Cirismo busca se consolidar em São Paulo através de uma classe média radicalizada que é disputada também por MBL, PSDB, Vem pra Rua e Sérgio Moro. Porém enquanto a sociedade estiver polarizada terá como papel apenas ou ser “escada” de algum candidato do PSDB/DEM ou ser um “Bernie Sanders” para trazer um debate mais para questões anti-neoliberais (o que vai ser difícil em acreditar com tanto cortejo do Ciro ao DEM). Ocorre que Ciro e o ex-Marqueteiro do PT sabem que ele só conseguirá ir para o segundo turno ou com votos de petistas ou com votos da direita que não quer ser taxada de Golpista… mas não tem a confiança de nunhum desses pólos e hoje se consolida apenas via fanatização dos “Nem-Nem” .
Há ainda a possibilidade de se embaralhar esse tabuleiro com uma candidatura à esquerda que seja mais Bolsonarista que Bolsonaro (apostam em Sérgio Moro, Datena e Gentilli) ou alguém que tenha mais simbolismo (como Luiza Trajano, mas acho que ela não quer correr esse perigo para seus negócios como o da Havan correu)… assim como a disputa pela classe média jovem pode ficar mais acirrada se tiver algum candidato do PSOL ou PC do B com mais carisma (como Gregório Duvivier ou Manuela D’Ávila ou Djamila Ribeiro).
Uma tendência que parece mais duradouro é a polarização Capital x Trabalho que foi bem evidente de 2014 para cá (a radicalização de Aécio e depois a imposição de sufocar o Trabalho pelos Golpistas Cunha, Temer, Rodrigo Maia, Lira, PSDB, DEM, Novo, MBL, etc)… E essa polarização tem expoentes que não parecem perder seus núcleos (e mantendo uma oscilação entre um mínimo de 20% a 40%), o que parece bem difícil dos “Nem-Nem” de Sapatênis Paulistizados conseguirem aglutinar tanto em relação ao Capital que está dividido, como em relação ao Trabalho que não está dividido e encontra em Lula sua esperança de dias melhores.
Alexandre Neres
18/09/2021 - 01h10
A análise do Miguel é percuciente. Já há algum tempo bate nesta tecla e o cenário das eleições está se cristalizando. Tem muita água pra passar embaixo da ponte, é claro. O napoleão de hospício pode cometer uma insanidade, sem dúvida. Mas já perpetrara tantas e tudo foi normalizado. Entrementes, Pacheco quer a harmonia entre os poderes, mesmo com quem quer destruir as instituições. Fico pensando se Lula dissesse algo parecido contra o STF, e olha que teve motivo para tanto, o que não aconteceria. Se os filhos de Lula tivessem envolvidos em tantos negócios escusos e vivendo da política, vixe! Tiveram a vida devassada e nada foi encontrado. No caso de Bolsonaro, parece que o aparato jurídico-policial tem receio de causar melindres ao manter os pimpolhos intocáveis.
Com o tempo, as pessoas vão se dando conta da acuidade da leitura de cenário feita pelo Miguel. Deve ser por isso que meu chapa Alan C anda sumido. Ciristas como o Netho e o Miramar raramente dão as caras, devem ter se apercebido que suas profecias não vingaram. Aliás, meu amigo Gabriel Barbosa já deixou claro que a candidatura do Ciro está isolada de há muito, mas alguns querem brigar com os fatos. Torcedor é assim, dentre os quais me incluo. A sacada mais sagaz do Miguel foi ter percebido essa posição paradoxal do Ciro, não vi nenhum outro analista destacar este ponto. O Ciro constitui uma barreira instransponível que impede a terceira (ou quarta) via de centro-direita de decolar. Creio que a direita limpinha, costumeiramente ajudada pelo Partido da Mídia, poderia tirar Bolsonero do segundo turno, mas, talvez a contragosto, o cearense continua como sempre do lado progressista prestando um papel inestimável de conter a turma que pôs o jabuti em cima da árvore. Ciro tem de ser resgatado. O Brasil não pode prescindir de um homem público desse quilate, já falei aqui várias vezes.
Vou fazer uma digressão que quero dirigir aos progressistas. Tivemos três grandes presidentes no Brasil: Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Lula. JK era um pouco liberal para o meu gosto, mas fez um bom governo. Alguns vão dizer que nossa dívida externa começou em seu governo ou abordar a corrupção na construção de Brasília. Ah, os moralistas… Todavia, vou abordar a trajetória dos outros dois presidentes.
Getúlio Vargas e seu trabalhismo são fundamentais para entendermos o Brasil que desaguou no que estamos vivendo hoje e a sina que se repetiu dos diversos golpes que sofremos de lá para cá. Vargas sem dúvida cometeu vários erros. Foi ditador durante uma época, mas sob o paradigma do Estado de Bem-Estar Social deixou um legado que não podemos deixar de enaltecer: a CLT, a Petrobras, o BNDES, a CSN, o salário mínimo e assim por diante. Foi hábil em negociar com alemães e americanos à época da Segunda Grande Guerra, trazendo indústrias de base para o país.
Não adianta idealismos, por exemplo pensar em comunistas que passaram ao largo durante todo este período, o campo progressista genuinamente brasileiro foi gestado por ele. Lógico que São Paulo morre de raiva, tem a Revolução de 1932 que muito quatrocentão chora até hoje, inclusive galinhas verdes. Só em São Paulo não tem uma Av. Getúlio Vargas.
Vargas propiciou as condições para que fosse surgir um líder operário no final dos anos 70.
O PT foi criado no começo dos anos 80 e é o maior partido de esquerda da América Latina. A meu ver, o pior período do PT foi quando ele era o porta-voz da moral na política brasileira. Não cabe a um partido ser o portador da bandeira da ética, o avanço tem que vir pelas instituições. Brizola tinha razão quando chamava os petistas de udenistas de macacão. O PT era um partido xiita, pedia impeachment toda hora e sem motivos robustos. Parecia a banda de música da UDN que nos anos 50 e 60 infernizava os governos trabalhistas com aquele discurso moralista insuportável. Não se pode deixar de reconhecer que isso gerou dividendos eleitorais para o partido que se beneficiou disso para eleger seus presidentes, contudo teve que pagar um alto preço por isso quando em vez de arengar teve de botar a mão na massa, governar o país e lidar com a real politik, com todos os meandros e problemas estruturais que permeiam o campo político, eminentemente conservador e movido por interesses pessoais, inclusive a questão dos financiamentos eleitorais por empreiteiras que vem desde que essas estranhas catedrais foram erguidas durante o regime militar.
Um aspecto interessante é que alguns acusam o PT e Lula de serem neoliberais. Diferentemente da Era Vargas, o governo do PT transcorreu sob o paradigma do neoliberalismo, do qual ainda não conseguimos nos livrar. Um líder tem de saber que de uma forma ou de outra tem de levar a cabo um bom governo, pouco importando se não pôde escolher as circunstâncias e as condições. Pegando a classificação de Max Weber, não basta a ética da convicção, da qual se gabam os moralistas, um bom governo se rege pela ética da responsabilidade. Lula com um faro apurado sabia que não conseguiria avançar em muitas áreas, não teria por exemplo como se entrincheirar contra um sistema financeiro que dava as cartas. Devido a nossa história de desigualdades e de miséria, enveredou pelo caminho da inclusão social e conquistou feitos notáveis, saindo do governo com 87% de aprovação segundo o Ibope. No entanto, aqui mesmo vejo vários críticos dizendo que o governo do PT foi neoliberal e que nunca os banqueiros lucraram tanto, olvidando-se do papel que teve de liderança na América Latina e nas relações sul-sul, as quais deixaram as potências ocidentais irritadas. Se o governo do PT ajudou tanto assim os banqueiros e que tais por que os representantes do tal mercado fazem qualquer negócio para evitar a eleição de Lula? Por que os banqueiros aceitam se aliar até mesmo com Bolsonaro, com tudo de ruim que isso representa para o Brasil internacionalmente, mas de Lula querem distância? As elites rentistas, do agronegócio e assim por diante abominam o PT e não querem vê-lo no governo nem pintado de ouro. Estranho, não?
Por sua vez, não me parece nada crível que alguém reproduza acriticamente o discurso de que o PT patrocinou a maior roubalheira que aconteceu no país, sobretudo jornalistas e políticos que sabem como a banda sempre tocou e até se beneficiaram disso ao longo do tempo. Não se afigura razoável que quem queira roubar fortaleças as instituições de controle e de combate à corrupção, dê autonomia à Polícia Federal e possibilite um crescimento exponencial de operações, que nomeie o indicado pela própria categoria para ser o Procurador-Geral, fornecendo condições e autonomia para que cumprisse seu papel a contento. O avanço nessa seara tem de vir pela via institucional e foi isso que aconteceu nos governos petistas. Hoje, retrospectivamente, podemos chamá-los de ingênuos, pois cevaram os monstros que viriam devorá-los. As corporações jurídico-policiais, que sempre foram um braço das nossas elites perversas que trataram a própria população como inimiga e desceram o cacete ao arrepio da lei para mantê-las afastadas dos homens de bem, foram pra cima do PT com unhas e dentes.
Eu acho engraçado quando as pessoas tratam o PT e Lula como se fossem ricos, endinheirados, poderosos, que mandam no país, como se o fato de serem presos significasse que o Brasil estaria mudando, consertando, afinal peixes graúdos estavam indo para a cadeia. Vale registrar que o primeiro político a ser condenado por corrupção em decisão definitiva foi José Genoino. No país de Maluf, de Sarney, de ACM, de Serra, de Cunha etc. Todo o poder que o PT tinha decorria da soberania popular, a qual foi usurpada. O PT mesmo elegendo presidentes em sequência, nunca foi considerado um membro nato do clube, nunca esteve no núcleo duro do poder. Chegou apenas nas franjas, comandar a máquina no Brasil não é para amadores nem principiantes, tampouco para quem chegou recentemente. Na primeira oportunidade, os donos do poder nem pestanejaram para excluir os intrusos, convidados indesejáveis.
Não posso deixar de abordar aqui a guerra político-jurídica-midiática contra Lula. Peço simplesmente que me leiam de boa-fé, pois muita gente boa foi induzida a erro pela Lava Jato. Muitas pessoas se regozijaram com o lawfare e um tratamento injusto que não deveria ser dispensado a nenhum ser humano, nem a meu pior inimigo.
Lula foi alvo de uma perseguição política, judicial e midiática implacável. Foi vítima de uma caçada atroz, sem paralelo no nosso país, sendo submetido a processos kafkianos, nos quais as condenações eram definidas de antemão, originadas em provas forjadas e transacionadas em delações negociadas por juízes e procuradores inescrupulosos cujo objetivo precípuo era encarcerar Lula e tirá-lo do páreo nas eleições de 2018. Afinal de contas, de nada serviria apear Dilma da presidência para entregá-la de mãos beijadas para o sapo barbudo.
Depois que a trama farsesca foi desmascarada, porquanto Lula não foi julgado por juiz natural, o processo foi conduzido por juiz incompetente que o atraiu para si com o fito de condenar o acusado de qualquer jeito. Não só isso. O STF, que durante muito tempo participou da pantomima, se redimiu do seu erro, proferindo decisão definitiva proclamando alto e em bom som para quem tiver ouvidos para ouvir que o juiz do caso foi parcial e suspeito, conspurcando o bem mais nobre a ser tutelado pela magistratura. Sergio Morto corrompeu o sistema judicial e maculou a imagem da Justiça ao protagonizar o maior escândalo judiciário de que se tem notícia por essas plagas.
Seria tudo mais simples se a mídia não tivesse participado de todo este processo, porém infelizmente estava imbricada com a força-tarefa e abdicou do papel de investigar, passando a ser mera correia de transmissão da Lava Jato. Merval Pereira, a mídia dita profissional e os editoriais dos jornalões continuam a todo vapor querendo fazer prevalecer sua narrativa. Já Noblat ensaiou um mea culpa tardio: “Por que nós, jornalistas, acreditamos facilmente nas informações da Lava Jato? E agora, só com muita dificuldade, que ela também errou feio?”. Agora que a Lava Jato está em maus lençóis, muita gente vai procurar se desvencilhar para não se contaminar com o odor fétido que emana dela. Depois de os processos contra Lula terem caído por terra, nem todos se dão por vencidos. Tentam de forma atécnica inverter o ônus da prova, pois cabe a quem acusa provar o alegado. O edifício da acusação foi desarvorado, não pesa mais nenhuma sobre Lula, quer dizer, está para sair uma decisão relativa ao processo dos caças suecos, o último dos moicanos. Malferindo o princípio constitucional da presunção de inocência, aduzem que Lula não foi “inocentado”, sabe-se lá o que isso signifique se após passar por essa perseguição toda nenhuma acusação restou de pé. Não consigo vislumbrar um atestado de bons antecedentes melhor do que passar ileso por tamanho escrutínio e todo o furor acusatório se esboroar. O pior cego é aquele que não quer ver.
É preciso que fique evidente por que Lula sofreu uma saraivada de processos, diferentemente de todos os outros presidentes que o antecederam, alguns deles inclusive todo mundo sabe que não são flor que se cheire, envolvidos em esquemas obscuros. Jamais foram perturbados. Lula é um estranho no ninho, diferentemente de todos os demais tem origem popular, operário, retirante nordestino, enquanto todos os outros são pelo menos da classe média ou pertencentes às nossas elites. O tratamento dispensado a Lula foi o mesmo que recebem nossos jovens negros e pardos acostumados a levar sopapos, identificados por fotos, que passam anos e anos mofando nas enxovias sem o devido processo legal e nosso país sempre normalizou este tipo de conduta. Um peso e duas medidas, um tratamento para nossas elites, outro para o povo. Um país moldado por uma cultura escravagista entranhada em seu tecido social que ainda hoje é uma república de dois andares que trata de forma distinta seus cidadãos dependendo da origem e dos seus traços. Como diria Millôr Fernandes, o Brasil tem um imenso passado pela frente.
Por fim, mas não menos relevante, gostaria de reiterar o que o Miguel disse no sentido de evitar os ataques mútuos dos candidatos da oposição. Não raro aqui no blogue alguns sedizentes progressistas concentram seus ataques mais no Lula do que no Bolsonaro, por vezes os igualando. As eleições do ano que vem devem ser duras. Não podemos subestimar Bolsonaro, pois já demonstrou que tem uma extrema capacidade de se comunicar com seu público, tem a máquina administrativa na mão e vai contar com o apoio de poderosos que irão se juntar contra o candidato da esquerda. O retrocesso representado pelo desgoverno atual não permite que fiquemos digladiando entre nós. Não podemos arcar com o risco de sermos derrotados, dificilmente o Brasil iria aguentar mais 4 anos de destruição. Agora é a hora de mostrar quem é progressista e quem não é, levando-se em conta que para defenestrar o boçal-ignaro teremos que contar com o apoio de liberais e mesmo de conservadores que estão preocupados com o futuro do país. A luta do ano que vem não vai se dar entre direita e esquerda, mas, sim, entre civilização e barbárie!
Tiago Silva
19/09/2021 - 20h14
Parabéns pelo comentário Alexandre Neres!
Esse seu comentário deveria ser encaminhado para os sites dos partidos progressistas (PT, PSB, PDT, PSOL, PC do B, PCB, Rede, etc) e para sites jornalísticos ou de opinião como Brasil 247, DCM, Tijolaço, Portal Disparada e até sites de fanatização como o “Todos com Ciro”!!!
Esse seu comentário deveria ser replicado o máximo possível para que haja uma harmonização e coordenação necessária aos Progressistas ou Esquerdistas para que entendam a conjuntura recente e não caiam em arapucas para não serem meras “escadas” da Direita que promoveu o Golpe recente no Brasil.
Essa conscientização evita que aconteça a “Esquerda que a Direita gosta!”.
Parabéns também ao esforço de análise do Miguel do Rosário (quando saiu a pesquisa do Datafolha tive a mesma curiosidade também de ver como foram os números de uma ano antes das eleições de 2018 e a última pesquisa que constava Lula como candidato para fazer comparações) e renovo o pedido para que esse comentário de Alexandre Neres seja publicado nas mais diversas plataformas progressistas (formais e informais)!
Otto Bajaga
17/09/2021 - 23h16
Tentou fazer jornalismo hein, Miguel. Vim aqui ver sua análise, que quando foi análise foi muito boa, mas quando foi futurologia me fez rir.
Quer me convencer que faltando 397 dias pra eleições os dados já caíram? N, n. Bolsonaro está definhando, e esses 22% dele nao se manterão. Quer fazer futurologia? Contextualize. Gasolina n vai baixar; energia vai subir; falta de agua; inflação. presidente louco. Isso é certo.Ele vai cair mais.
Sebastião de Golveia
17/09/2021 - 21h42
O que é compreensível ja que não faz nada pelo a política de bolsonaro é por/ou para classes se os caminhoneiros o apoiam ele vai vai dar aquele 7 1 nos caminhoneiros se os motoqueiros o acompanham nas motocadas troço mais sem sentido ele isenta motoqueiros do pedágio se os policiais o apoiam ele da financiamento pra que
comprem casa, vale ressaltar que que apoiar bolsonaro significa puxar o saco mesmo pois ele sabe a diferença entre aliado(s) e adicionar adversários se é aliado tem que ser do tipo puxa saco sim senhor ou não senhor e se adversário igual a inimigo.
Bandoleiro
17/09/2021 - 19h31
A classe media estava na rua dia 12.
Ronei
17/09/2021 - 19h28
95% dos basileiros sao pobres e misaraveis é por tanto obvio que essa classe social é determinante.
No Brasil nao esiste a classe media, 4 metidinhos que se acham melhores que os outro nao fazem diferença nenhuma.