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O Globo e a Segurança Pública

O Globo dedicou seu espaço mais nobre, a página 3 inteira, a uma matéria com dados do recém divulgado Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2011. Falou bobagem, para variar.

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O Globo dedicou seu espaço mais nobre, a página 3 inteira, a uma matéria com dados do recém divulgado Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2011. E com chamada na capa.

A reportagem traz belos infográficos, e tem o mérito de dar visibilidade a alguns números do Anuário produzido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, e ajuda a promover o debate sobre um dos temas mais angustiantes para a sociedade, mas peca por suas interpretações levianas.

Um dos infográficos que vale a pena reproduzir:

Um dos motes da reportagem, o de que o Brasil gastaria “muito”, é desmentido pelos números exibidos pelo próprio jornal. Um trecho da reportagem dá mostras de má fé:

“Outros países que tiveram gastos ligeiramente superiores, entre eles Estados Unidos (…) Os investimentos em segurança nos Estados Unidos representaram 2,3% do PIB do país em 2009. ”

Ora, o PIB dos EUA em 2009 ficou em US$ 14,3 trilhões; o do Brasil, em US$ 2 trilhões. Ou seja, os EUA gastaram US$ 328 bilhões com segurança pública em 2009, enquanto o Brasil gastou aproximadamente US$ 30 bilhões. Diferença “ligeiramente superior”?

A matéria também não leva em conta as diferenças populacionais. Por exemplo, confiram esse trecho:

A situação é ainda mais desfavorável quando se compara o caso brasileiro com países como Alemanha e Espanha. Os dois países gastaram, respectivamente, 1,2% e 1,3% do PIB com segurança em 2009 e apresentaram taxas de, respectivamente, 0,8 e 0,7 por grupo de 100 mil habitantes.

Ocorre que a Alemanha tem 82 milhões de habitantes, contra 192 milhões de pessoas no Brasil e 313 milhões nos EUA. Com isso, o gasto público com segurança por habitante fica em US$ 1.048 nos EUA, US$ 476 na Alemanha e… US$ 100 no Brasil. Não me parecem que sejam diferenças “ligeiras”.

E olha que nem enveredo para acusações sobre as interferências negativas dos EUA nos processos políticos democráticos da América Latina, que resultaram em ditaduras brutais e oligárquicas, o que naturalmente não contribuiu para o melhoramento dos índices de segurança pública na região. É sabido que um governo ilegítimo, que tortura e mata ao arrepio da própria Constituição, produz uma cultura de desprezo ao Estado e às leis, o que se reflete nas estatísticas de criminalidade, que assistiram a uma grande deterioração, nos países latinos, a partir da década de 70, em conjunto com a elevação acelerada dos índices de pobreza nas periferias das grandes cidades. Esse processo só agora está sendo revertido, mas a cultura da violência ainda vai demorar para refluir.

Compreendo que o problema da segurança pública atingiu um nível alarmante no país, e que a sociedade deve exigir do governo medidas inteligentes e eficazes para combater a criminalidade, mas é desonesto comparar o Brasil a países que superaram suas disparidades sociais há mais de cinquenta anos, possuem renda per capita muito superior, e gastam um volume de recursos infinitamente maior em segurança pública, por habitante, do que a gente.

Outro dado importante que faltou à reportagem refere-se ao montante gasto pelo governo federal e estados em segurança pública em 2010 e o percentual de crescimento sobre o ano anterior. Fui checar no site do Forum e entendi o porquê da ausência. Trecho de um dos textos do site:

A começar pelos gastos da União com a área, que aumentaram em 33,5% em comparação com o mesmo período de 2009, atingindo R$ 9,7 bilhões e, assim, superando as despesas do Estado de São Paulo no setor – historicamente o governo paulista realizava gastos acima do governo federal nesta área –, que foram de R$ 7 bilhões, em 2010, ante despesas de R$ 9 bilhões, em 2009, uma queda de 22% no período.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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