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Que esquerda é essa? Uma reflexão sobre o assassinato de Lázaro

Por Theófilo Rodrigues O assassinato de Lázaro Barbosa pela Polícia Militar de Goiás, na manhã desta segunda-feira, gerou um show de horrores nas redes sociais e nos meios de comunicação. E esse show de horrores partiu das mais diversas posições institucionais, mas também ideológicas. Na televisão, a chamada de uma matéria dizia que a “Polícia […]

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Por Theófilo Rodrigues

O assassinato de Lázaro Barbosa pela Polícia Militar de Goiás, na manhã desta segunda-feira, gerou um show de horrores nas redes sociais e nos meios de comunicação. E esse show de horrores partiu das mais diversas posições institucionais, mas também ideológicas.

Na televisão, a chamada de uma matéria dizia que a “Polícia comemora a morte de Lázaro”. Como assim uma instituição pública comemora a morte de alguém? Sigamos. No Twitter, o presidente Jair Bolsonaro declarou: “CPF cancelado”. Uma forma pejorativa de comemorar a morte de um adversário, numa típica linguagem das milícias do Rio de Janeiro. Não obstante a bizarrice, infelizmente já era esperado esse tipo de comportamento vindo de parcelas da polícia e do próprio presidente da República. Afinal, a prática autoritária desses atores já é bem conhecida.

Se parasse por ai, esse seria apenas mais um dia normal no Brasil recente. Mas o problema é que não parou por ai. Nas redes sociais, até mesmo alguns personagens que se dizem de esquerda comemoraram o assassinato de Lázaro.

Uma síntese desse tipo de pensamento circulou bastante nas redes sociais hoje em um texto que já em seu título dizia que “a esquerda ganhou o desprezo da sociedade”. O argumento do autor é o de que ao problematizar o contexto social, a esquerda “causa profunda indignação no cidadão que nasceu nas mesmas condições de Lázaro e luta para proteger sua família do crime”. Mais adiante o autor diz que “parte significativa da esquerda reduz o problema da violência à injustiça social”. E conclui o texto sustentando que “justiça restaurativa” seja uma “degeneração do sociologismo”. Ou seja, faz uma defesa aberta do punitivismo.

O problema desse tipo de texto ser publicado justamente hoje é duplo. Por um lado, ainda que possa não ser essa a intenção do autor, o resultado é servir como uma legitimação para aqueles que comemoraram nas redes a morte de Lázaro. Por outro lado, e essa é uma intenção consciente do autor, corrobora a redução das expectativas do que deveria ser um programa da esquerda.

Ao sustentar que essa posição faz com que a esquerda ganhe o desprezo da sociedade, o autor está indiretamente dizendo mais ou menos o seguinte: “bom, já que a sociedade é conservadora e punitivista, para não ter o desprezo dela a esquerda também deveria ser conservadora e punitivista”.

Com esse olhar tão pragmático para a conquista das massas, a esquerda desejada pelo autor deixa ela própria de ser esquerda. Sobre isso, vale a pena lembrarmos de um tema que já havia sido abordado por Gramsci no início da década de 1930. Para o comunista italiano, a esquerda só poderia se apresentar como “crítica do senso comum”. Por óbvio, isso não significava um afastamento da esquerda em relação às massas. Ao contrário, Gramsci não tinha dúvidas de que era necessário que a esquerda mantivesse uma proximidade com as amplas massas. O comunista italiano, no entanto, fazia uma distinção entre como os comunistas e os católicos se aproximavam dessas massas. Dizia Gramsci:

“A posição da filosofia da práxis é antitética a esta posição católica: a filosofia da práxis não busca manter os ‘simplórios’ na sua filosofia primitiva do senso comum, mas busca, ao contrário, conduzi-los a uma concepção de vida superior. Se ela afirma a exigência do contato entre intelectuais e os simplórios não é para limitar a atividade científica e para manter uma unidade no nível inferior das massas, mas justamente para forjar um bloco intelectual-moral, que torne politicamente possível um progresso intelectual de massa e não apenas de pequenos grupos intelectuais” (Gramsci, 2011, p. 103).

Em poucas palavras, a ação da esquerda deve ser baseada em uma crítica do senso comum para conduzir as massas para uma concepção de vida superior. Esse é o pensamento não apenas de Gramsci, mas também de uma longa trajetória da formulação marxista que orienta a esquerda.

Claro, num marco da democracia liberal, onde no curto prazo o mais importante é conquistar pelo menos 50% dos votos, é sabido que a esquerda tenha que reduzir taticamente seu programa máximo para conquistar aliados. Essa foi a prática da social-democracia ao longo do século XX, já havia nos ensinado Adam Przeworski em seu clássico “Capitalismo e socialdemocracia” da década de 1980.

Enquanto leitura tática e conscientemente articulada, pode até fazer algum sentido esse tipo de movimento descrito por Przeworski. O problema se dá quando uma parcela da própria esquerda introjeta o programa adversário como seu e já não é mais possível distinguir quem é a esquerda e quem é a direita.

Na década de 1990, foi exatamente isso o que aconteceu quando a socialdemocracia assumiu o programa neoliberal como seu. Foi aí que surgiu o “neoliberalismo progressista” na expressão de Nancy Fraser, ou a “terceira via” nos termos de Anthony Giddens. Essa foi a prática de Tony Blair no Reino Unido, Bill Clinton nos EUA, Schroeder na Alemanha e tantos outros. A consequência foi um afastamento das classes trabalhadoras desses partido socialdemocratas e a emergência de novos atores políticos de esquerda. Agora parece surgir uma esquerda que pretende fazer um novo aggiornamento: mas dessa vez o programa que pretende assimilar é o neoconservador.

Se a esquerda não quer ter o desprezo das massas, como diz o autor do mencionado texto, ela deve ser minimamente coerente com seu programa histórico. Quando isso não acontece, é a hegemonia autoritária, neoliberal e neoconservadora quem já venceu…

Theófilo Rodrigues é cientista político.

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Comentários

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Adriano

01/07/2021 - 12h18

Eu acho graça de esquerdista passar pano pra psicopata&assassino&estuprador. Vocês são o que há de pior sobre a terra. E eu não sou bolsominion ou qualquer merda disso. Não precisa ser para saber o que é certo ou errado. O mundo não é só “defender vítimas do Estado” ou “matar bandido”. Ambos os lados completamente alienados por políticos ricos que cagam para o povo, que segue sendo escravo. Brasil é uma nação burra.

O Demolidor

29/06/2021 - 22h53

Por um lado esse cirandeirismo as vezes é quem parece radical….fico imaginando o que aconteceria com as esquerdas se tivessem dó de nazistas…..Por outro lado o jeito como se comportou o moedor de carne comemorando a morte de uma única pessoa dentre tantas que são mortas ao decorrer das semanas de novela caipira….escancara a morbidez da morbidez da sociedade…..a banalização das tragédias….. a espetacularização de mortes……o vale-tudo por dinheiro……tudo mesmo….

Acacor

29/06/2021 - 12h20

E outra, o texto criticado pelo Sr. Rodrigues não defende o punitivismo. Isso foi o que o Sr. Rodrigues quis ler. O texto defende a retirada de circulação dos psicopatas, que são incuráveis, e que se livres não deixarão de cometer crimes. O sistema prisional está repleto de psicopatas. É necessário que esses seguidores de Gramsci entendem que nem todos os crimes possuem origem econômica. Há pessoas que tem distúrbios mentais, “na alma”, ou seja, em grego, psicopatas. Mas como alguns são tão materialistas que não aceitam que haja uma alma, o que os gregos antigos como Aristóteles (que chegou a escrever um volume sobre a alma “Peri Psiqué”) conheciam bem, limitam-se a pensar que somos tipo uma máquina cerebral que pode sempre ser consertada através do sistema prisional. Isso não é verdade e demonstra somente o grau da sua ignorância de temas que não domina.

Acacor

29/06/2021 - 12h08

Viagem na maionese. Sou bacharel em Filosofia, de esquerda, e concordo com o autor do texto que foi criticado pelo Rodrigues.

Eduardo

28/06/2021 - 23h31

Mas de qual esquerda que esse Theófilo Rodrigues tá falando? Tá falando da esquerda latinoamericana? Vai ver o que acontece com um Lázaro da vida em Cuba, sem nem falar de como todas as outras experiências de socialismo lidam com bandidos assassinos em série. Tá falando da esquerda tipo PT? Lula e Dilma que triplicaram a população carcerária no Brasil? Que viagem na maionese este texto, provavelmente foi produzido após discussões da esquerda namastê numa mesa de bar do Leblon, só pode.

Daniel

28/06/2021 - 22h04

Esquerdismo a moda tupiniquim é um transtorno mental, nada mais que isso.

Paulo

28/06/2021 - 21h59

Eu sinceramente não compreendo essa crença dos esquerdistas de que possam ter hegemonia moral. Não têm, e a história demonstra isso de forma cabal…Não que a direita possa tê-la, igualmente. A hegemonia moral está na mensagem cristã, e em mais nada…

Vanderley

28/06/2021 - 21h14

As esquerdas são A escória do mundo. Bandido bom é bandido morto.

carlos

28/06/2021 - 17h33

Esse migué não sei das contas é de direita enrustido, quer ver o circo pegar fogo, tantos outros temas para serem tratados e que requerem seriedade , o cara vem tratar de alguém insignificante.

Marcelo

28/06/2021 - 17h06

Não, as pessoas tem é que chorar pela morte de um latrocida covarde, estuprador costumeiro, ladrão, drogado. É por isso que a esquerda vive de Lula por que se depender da esquerda caviar nunca mais ganha eleição para nada.

O bom é que esse lixo não viverá às custas dos impostos dos trabalhadores brasileiros.

Galinze

28/06/2021 - 17h04

Achar bom a morte de um pluri assassino e estuprador é ser punitivista e conservador ?

Escrever esse monte de esterco é o que ?

Daniel

28/06/2021 - 17h01

O Lázaro é mais normal que o maluco que escreveu esse texto.

Kleiton

28/06/2021 - 16h54

Dá nem para acreditar no monte de merda que acabei de ler.


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