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As esquisitices de Dora Kramer

Os escândalos ministeriais deste ano resultaram positivos para a administração pública, apesar das injustiças e manipulações da notícia. Os ministérios, a partir de agora, estarão mais vigilantes em relação a “malfeitos” do que antes. O padrão ético do governo subiu alguns pontos.

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Antes de comentar as colunas de Merval Pereira e Dora Kramer vale mencionar esta nota que abre o Panorama Político do Globo de hoje:

A nota, por si só, tem um valor político importante: sinaliza à sociedade a disposição dos ministérios de combater a corrupção de maneira autônoma, sem esperar que alguma bomba exploda sem querer em seu quintal para depois verificar quem a montou. É uma nota, naturalmente, favorável ao governo, apesar de exibir mais um caso de corrupção.

Ela é reveladora, além disso, de como é sábia a máxima popular que diz: “há males que vem para o bem”, frase repetida de uma forma um pouco mais poética por Mefistófeles, quando Fausto perguntou quem ele era: “sou aquele que, fazendo o mal, engendra o bem”.

Os escândalos ministeriais deste ano resultaram positivos para a administração pública, apesar das injustiças e manipulações da notícia. Os ministérios, a partir de agora, estarão mais vigilantes em relação a “malfeitos” do que antes. O padrão ético do governo subiu alguns pontos.

E a prova de que essa não é somente a minha opinião, mas a da sociedade em geral, é o crescimento da popularidade da presidente Dilma Rousseff, sobretudo entre aqueles que, em outras ocasiões, tendiam a reagir aos escândalos federais incorporando-se às fileiras da oposição.

Afinal, a melhor maneira de conhecer uma pessoa, seja ela presidente da república ou não, é observando-a durante as crises. E Dilma saiu-se razoavelmente bem. Ela perdeu alguns anéis, mas os eleitores passaram a dar mais atenção à elegância de seus dedos.

Os colunistas políticos perceberam isso, porém tarde demais. Merval Pereira, hoje no Globo, observa:

(…) a presidente Dilma vem recebendo por parte da opinião pública a responsabilidade por uma “faxina ética”, que hoje está evidente que nunca existiu como projeto de governo, mas continua tendo seus efeitos políticos positivos para ela.

E logo depois lamenta que a “sucessão de crises ministeriais (…) aumenta estranhamente a popularidade de Dilma”.

Note-se que não há muita pesquisa sobre o assunto. O propalado aumento da popularidade de Dilma tem sido mais uma percepção empírica dos colunistas de jornal do que qualquer outra coisa. Temos algumas pesquisas de opinião dos institutos, já desatualizadas, mas a interpretação de que a popularidade de Dilma teria se beneficiado das crises ministeriais não pode ser inferida a partir delas, ou pelo menos não de maneira tão esquemática.

Não é difícil constatar, porém, que a intuição política dos colunistas tem raíz em seus próprios círculos sociais. A presidente está bem na fita entre a classe média tradicional. Os casos mais extremos de hidrofobia antilulista acabam sempre degenerando em ódio à Dilma, mas constituem hoje uma fatia quase inexpressiva da sociedade.

Uma explicação plausível que me vem à mente para esta sólida e crescente popularidade de Dilma junto à classe média leitora de jornais é a teoria da espiral do silêncio. Segundo essa teoria, as pessoas tendem a prestar um apoio automático, meio que submissamente, a forças políticas que detêm grande hegemonia de poder. Ou seja, mesmo não gostando do Gaddafi, eu o apoio, porque todos a meu redor o apoiam. Entretanto, a partir do momento em que o poder do Gaddafi é contestado, todos deixam de apoiá-lo subitamente. A espiral do silêncio se desdobra, terrível e gigantesca, nos espaços vazios da imaginação coletiva.

Isso aconteceu no segundo turno das eleições presidenciais brasileiras. Houve um momento em que o apoio maciço da população ao governo Lula parecia se derreter subitamente, e a oposição botou a cabeça para fora do buraco em que até então estivera. A espiral, porém, recolheu-se alguns dias depois, e Dilma ganhou o pleito com uma boa margem de votos.

Ocorre agora uma espiral às avessas. Lula terminou o mandato com uma popularidade gigantesca junto a todas as classes, inclusive entre as mais altas. No entanto, a mídia de opinião, que exerce uma inegável e poderosa influência junto à classe média tradicional, sempre negou, em seus espaços, a defesa dos ideais por trás do governo Lula. Os preconceitos de classe contra o tipo nordestino, de fala rude, ajudaram a criar, na imprensa, um forte bloqueio ao lulismo.

Aí veio Dilma. A espiral do silêncio então passa a agir a favor dela. Todos aqueles que escondiam, até de si mesmos, a admiração pelos sucessos administrativos do governo Lula, passam a apoiá-la, como se se libertassem de uma repressão.

Em sua coluna de hoje no Estadão, Dora Kramer faz uma divertida observação:

São tantos os absurdos que passaram a ser aceitos com grande naturalidade, que os jornais noticiam uma reunião do PDT hoje para “decidir” se Carlos Lupi continua ou não no Ministério do Trabalho e ninguém acha esquisito.

Ora, ora, Dora. Eu acho esquisito! O problema de Dora são dois: confundir notícias de jornal com a realidade em si, e generalizar a opinião das pessoas a partir de sabe-se lá que parâmetros subjetivos.

Kant ensinou a humanidade a não confiar sequer em seus cinco sentidos. Em Crítica da Razão Pura, o filósofo explica que a realidade tal qual a conhecemos nada mais é que um pobre e limitado mundo dos sentidos, mas que a realidade em si, a profunda e infinita realidade das coisas, essa não poderemos jamais atingir.

Se nem aquilo que tocamos, cheiramos, vemos e ouvimos pode nos dar a exata dimensão da realidade, que dirá desse meio pleno de distorções, interesses, falsidade e equívocos, que é a imprensa, a qual, só tem algum valor se a lermos de uma forma crítica, desconfiada, atentos sobretudo às intuições profundas do ser, estas sim as únicas capazes de nos fornecer um conhecimento objetivo da realidade. A essas intuições profundas, Kant também dava o nome de “bom senso”.

A reunião do PDT, Dorinha, nunca foi para definir se Lupi continua ou não no ministério. É uma reunião para discutir uma crise real, em parte açulada pela própria imprensa, que tentou a velha estratégia de César: dividir para dominar. O PDT é um partido vivo, cheio de conflitos internos como qualquer legenda que possua um mínimo de dinamismo democrático. O que houve foi uma análise mal feita da imprensa. Não é o ministro Lupi que se tornou alvo dos pedetistas insatisfeitos, e sim o presidente do partido Lupi.

Nesse imbróglio, é preciso um esforço muito grande para não adotarmos visões simplistas. No afã de derrubar o ministro, a imprensa passou a dar visibilidade às críticas partidárias internas a Lupi. O que também tem um lado positivo, pois se ele não for um nome de consenso no partido, de fato não faria sentido mantê-lo no ministério.

Kramer parece lamentar que Dilma exerça o poder de forma compartilhada, seguindo os passos de Lula. Estaria insinuando que a melhor maneira de governar seria através de um presidencialismo individualista, autoritário e prepotente? De certo, outros quadros políticos poderiam agir assim, mas não seria a maneira mais democrática e inteligente de fazê-lo. Partilhar o poder Executivo com outros partidos não é praticar o fisiologismo, ou pelo menos não é só isso. É partilhar o poder com partidos cuja força emana de seus mandatos populares. Ou seja, no início e ao fim de todo poder, seja da presidente, seja dos ministros, seja dos partidos, temos o povo, que elege – com ou sem sabedoria – os seus representantes.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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