Mais de 150 escritores, acadêmicos e intelectuais (incluindo Gloria Steinem, Margaret Atwood e Noam Chomsky) assinaram uma carta aberta denunciando uma crescente “intolerância” por parte do ativismo progressista norte-americano em relação a ideias discordantes.
Eles consideram que isso está afetando os ambientes acadêmicos e culturais, onde há acusação e boicote, “punições desproporcionais” e uma consequente “aversão ao risco” ou autocensura que empobrece o debate público.
Reproduzimos abaixo a tradução da carta, disponível em inglês no site da Harpers Magazine.
Uma carta sobre justiça e o debate amplo
Nossas instituições culturais encaram um momento de provação.
Poderosos protestos por justiça racial e social têm exigido necessárias transformações referentes à reforma policial, junto com amplos chamados para maior igualdade e inclusão em nossa sociedade, não sendo menos presentes na educação superior, jornalismo, filantropia e artes.
Mas isso carece de reconhecimento e intensificou um conjunto de atitudes morais e comprometimentos políticos que tendem a enfraquecer nossas normas de amplo debate e tolerância à diferença em benefício de conformidade ideológica.
Como aplaudimos o primeiro momento de desenvolvimento destas manifestações, erguemos nossas vozes contra o segundo.
As forças do iliberalismo (uma “democracia falha” ou “incompleta”) têm ganhado força ao redor do mundo e têm um poderoso aliado em Donald Trump, que representa uma ameaça real à democracia.
Mas a resistência não pode se permitir endurecer seus próprios dogmas ou coações (que demagogos de direita já estão explorando).
A inclusão democrática que queremos pode ser alcançada apenas se falarmos contra o clima de intolerância que se instalou por todos os lados.
A livre troca de informações e ideias, o sangue que corre nas veias de uma sociedade livre, tem diariamente se tornado mais restringido.
Enquanto chegamos a esperar isso da direita radical, práticas de censura tem se espalhado mais amplamente em nossa cultura: uma intolerância por visões opostas, uma vontade por exposições públicas de pessoas ao ostracismo, e a tendência de dissolver problemas políticos complexos com uma certeza moral cega.
Nós defendemos o valor do direito de respostas robustas e até azedas de todos os setores.
Mas agora tem se tornado muito comum escutar chamados para retribuição expressa e severa em resposta a percebidas transgressões de fala e pensamento.
Mais preocupante, líderes institucionais, influenciados por um controle de danos imbuído de pânico, têm retornado precipitadas e desproporcionais punições ao invés de considerarem reformas de comportamento.
Editores são demitidos por publicarem artigos controversos; livros são limitados por alegada inautenticidade; jornalistas são barrados de escreverem sobre certos tópicos; professores são investigados por citarem trabalhos de literatura em classes; um pesquisador é demitido por circular um estudo acadêmico revisado por pares; e os chefes de organizações são expostos pelo o que se trata, às vezes, de equívocos desajeitados.
Sejam quais forem os argumentos sobre cada incidente particular, o resultado tem sido um estreitamento dos limites sobre o que pode ou não pode ser dito sem a ameaça de represália.
Estamos pagando o preço de grande aversão ao risco entre escritores, artistas e jornalistas que temem por suas vivências rotineiras caso se afastem do consenso ou tenham zelo insuficiente sobre sua concordância.
Esta atmosfera sufocante, em última análise, fará mal às causas mais vitais de nosso tempo.
A restrição de debate, seja por um governo repressivo ou uma sociedade intolerante, invariavelmente dana aqueles que carecem de poder e fazem todos menos capazes de participação democrática.
A fórmula para derrotar más ideias é exposição, argumento e persuasão, não a tentativa de silenciá-las ou expurgá-las.
Recusamos qualquer falsa simetria entre “justiça” e “liberdade”, que não podem existir uma sem a outra.
Como escritores, precisamos de uma cultura que deixe espaço para a experimentação, a tomada de riscos e até mesmo o cometimento de erros.
Precisamos preservar a possibilidade de discordâncias de boa fé sem consequências profissionais terríveis.
Se não defendermos a própria questão sobre a qual nosso trabalho depende, não devemos esperar que o público ou o Estado defenda-a por nós.
Disponível em Harpers Magazine.
Alexandre
13/07/2020 - 18h20
” …temem por suas vivências rotineiras caso se afastem do consenso ou tenham zelo insuficiente sobre sua concordância.”
Abrão os olhos e vejam além de direita e esquerda e pesquisem sobre a implantação da teoria do consenso na sociedade em geral.
Miramar
12/07/2020 - 18h11
A principal característica da extrema esquerda é seu ódio a liberdade individual, o que a torna muitas vezes idêntica ao seu imaginário oposto, a extrema direita. O caso brasileiro é ainda mais grave, posto que se há pessoas de esquerda que conseguem conciliar seu ideal com a defesa da liberdade, decididamente não há organizações de esquerda que o façam. É um esforço meramente individual.Seria um sonho ver manifesto similar ser redigido por aqui,mesmo havendo quem chame Clarice Lispector de alienada ou Plínio Marcos de machista, para ficar em casos recentes. Todas as organizações de esquerda no Brasil demonstram um nítido ranço autoritário, e o grosso da militância sonha diuturnamente com uma ditadura para chamar de sua.
A verdade é que o “realismo socialista” de Jdanov parece contaminar o pensamento da esquerda brasileira da mesma forma que as tesouras das Senhoras de Santana. Triste é ver que tal impulso autoritário não se restringe ao Brasil. Da minha parte, prometo a mim mesmo que está para nascer o direitista ou esquerdista que vai decidir o que eu posso ler ou não.
Paulo
12/07/2020 - 17h30
Interessante, embora um pouco tardia e contextualizada, a autocrítica da esquerda americana, os “liberais”…E também incompleta, pois deveriam defender, com igual ênfase, a liberdade plena de imprensa em alguns países autocráticos…