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A decisão pela inação na política econômica

Por João Romero, no A Terceira Margem Já vivemos uma crise devastadora, e o pior ainda não chegou. O Brasil já vinha enfrentando dificuldades na recuperação da economia após a crise de 2015-16. A perspectiva de crescimento seguia baixa e o desemprego elevado, quando veio então a epidemia. O problema é que a ampliação de […]

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Foto: Isac Nóbrega/PR

Por João Romero, no A Terceira Margem

Já vivemos uma crise devastadora, e o pior ainda não chegou.

O Brasil já vinha enfrentando dificuldades na recuperação da economia após a crise de 2015-16.

A perspectiva de crescimento seguia baixa e o desemprego elevado, quando veio então a epidemia.

O problema é que a ampliação de intervenções estatais, absolutamente cruciais para lidar com a epidemia e a crise, vai em direção diametralmente oposta ao que defende o ministro Paulo Guedes.

Para entender a gravidade da crise, basta observar que o Boletim Focus saiu de uma previsão de crescimento do PIB de 2,3% em janeiro para uma previsão de queda de 6,5% em junho. Além disso, relatório do FMI aponta ainda que o PIB brasileiro deve cair mais que o dos vizinhos sul-americanos em 2020 e crescer menos em 2021.

A severidade desse quadro tem feito com que diversos economistas, de diferentes matizes teóricos, enfatizem a importância de políticas econômicas contundentes para enfrentar a crise. É urgente ampliar os gastos com a saúde, direcionar maiores transferências a empresas e a pessoas em situação de vulnerabilidade, e planejar investimentos públicos para, passada a epidemia, incentivar uma rápida recuperação da economia. Nosso problema não é só o hoje, mas também o amanhã.

Mantendo o padrão usual de política econômica, o gasto extra poderia ser financiado via aumento da dívida pública. A literatura econômica é inconclusiva sobre a existência de um limite máximo para a dívida pública, e controversa quanto aos efeitos do seu aumento.

O que se sabe é que países com nível de PIB semelhante ao nosso não têm tido problema em aumentar sua dívida. Entre os 10 países com maior PIB do mundo, vários têm dívida pública superior a 100% do PIB, como EUA e Japão, e estão a aumenta-la para lidar com a crise. O Brasil, que também está nesse grupo, tinha no início do ano dívida abaixo de 80% e mesmo assim a equipe econômica reluta em expandir os gastos anti-crise.

A despeito da falta de clareza sobre os reais limites e efeitos do aumento da dívida pública, se necessário for, o crescimento do endividamento pode ser equacionado via aumento da tributação sobre parcelas mais altas da renda e da propriedade. Afinal, as classes mais ricas do Brasil pagam impostos muito abaixo da média dos países da OCDE, por exemplo.

Um detalhe importante a ser destacado é que o efeito contracionista desse aumento da carga tributária pode ser contrabalanceado pelo efeito expansionista de uma reforma tributária progressiva. Esta, por sinal, deveria ser a prioridade do governo e do Congresso.

Uma outra alternativa para financiar os gastos públicos é emitir moeda para pagar os gastos no enfrentamento à epidemia e à crise. Para isso, seria necessária uma mudança na Constituição para permitir que o Banco Central compre títulos diretamente do Tesouro Nacional. O dinheiro emitido pelo Banco Central seria então usado para financiar parte dos gastos do governo contra a epidemia e a crise.

De forma semelhante e mais ágil, seria possível também usar parte dos recursos já existentes na Conta Única do Tesouro (CUT) ou os ganhos de equalização cambial das reservas internacionais para financiar os gastos, como vem argumentando o economista Fabio Terra. Até maio deste ano o Banco Central já acumulou ganho cambial de R$ 500 bilhões. O deputado Paulo Teixeira (PT) já inclusive apresentou projeto de lei para viabilizar esta proposta.

Segundo alguns economistas, porém, a emissão de moeda e/ou o uso de recursos da CUT acabariam levando ao aumento da dívida pública. A liquidez gerada por estas fontes de financiamento pararia nos bancos e precisaria ser recolhida pelo Banco Central, via compromissadas, para manter o nível vigente da taxa de juros estabelecido pelo Copom.

Esse problema não existiria caso os juros estivessem em zero, pois aí não haveria necessidade de enxugamento de liquidez via compromissadas. Contudo, o Banco Central vem relutando, como sempre, em baixar os juros, mesmo com deflação à vista. Ou seja, o juro básico é mais um instrumento de política subutilizado contra a crise.

A objeção quanto à emissão com juros ainda positivos, porém, precisa de algumas qualificações. Parte dos gastos do governo assim financiados não empoçaria nos bancos, em função da baixa bancarização do Brasil, evidenciada pela elevadíssima parcela de papel moeda em poder do público. Além disso, os recursos que chegassem aos bancos seriam ainda subtraídos do depósito compulsório.

É muito provável, portanto, que o aumento indireto da dívida pública em função do financiamento de gastos públicos via emissão/CUT seria consideravelmente menor do que ocorreria na forma usual de financiamento diretamente via dívida. Em suma: mesmo com juros positivos, seria interessante sim o financiamento dos gastos via emissão/CUT.

Por fim, um outro argumento nesse debate é que não seria possível ao Banco Central reduzir os juros a zero, uma vez que isso levaria à saída de capitais e à desvalorização do câmbio. Nesse caso, há dois pontos de incerteza.

Primeiro, é difícil prever qual a magnitude da saída de capitais e da consequente desvalorização do câmbio. É possível que esse movimento não seja muito grande, uma vez que já houve grande saída de capitais e depreciação cambial sem precedentes.

Segundo, mesmo que haja nova desvalorização, não se sabe ao certo qual efeito essa desvalorização teria sobre a inflação. Com a economia estagnada, o desemprego elevado (e aumentando) e a demanda reprimida, é difícil ver espaço para aceleração da inflação.

Por fim, é importante notar que caso o Banco Central decidisse acelerar um pouco mais o ritmo de redução dos juros e isso levasse ao aumento da desvalorização e da inflação, seria possível reverter o movimento para garantir que a inflação fique dentro das metas estabelecidas para 2020 e 2021.

Como argumentei em artigo recente com outros colegas economistas, num pronto socorro é preciso agir rápido para estabilizar o paciente que está morrendo. Ficar parado sem nada fazer é a pior opção.

O Ministro da Economia, Paulo Guedes, porém, está mais interessado em manter o processo de redução do tamanho do Estado brasileiro do que em atuar para salvar pessoas e empresas. A vagareza na implementação das medidas anunciadas e a relutância em expandi-las são fortes evidências dessa postura por parte do Ministério da Economia. Afinal, utilizar recursos e políticas públicas para combater a crise enfraquece o discurso de Guedes de que o Estado brasileiro é o que limita o crescimento do país.

Como resultado, enquanto o Brasil sobe no ranking mundial de mortos e infectados pelo Covid19, na economia as projeções mais recentes do FMI para o Brasil pioraram duas vezes mais do que o resto do mundo. Segundo o FMI, a queda do PIB prevista para o mundo piorou de -3.0% pra -4.9%, com variação de -1.9 pontos percentuais. Já para o Brasil, a projeção piorou -3,8 pontos percentuais, o dobro do mundo, indo de -5.3% pra -9.1%.

O que precisa ficar claro, portanto, é que a lenta e insuficiente atuação do governo diante da epidemia e da crise representa uma escolha. Há diversas opções de política à mão. Contudo, a escolha do governo tem sido a inação. O resultado, infelizmente, é que o número de mortes será maior, a crise será mais profunda e a recuperação da economia será mais lenta.

*João Romero é professor de economia do Cedeplar-UFMG

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