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Principal revista médica do mundo publica duro editorial contra Bolsonaro

Editorial da Lancet, uma das mais importantes revistas médicas do mundo, fundada em 1823, denuncia duramente o presidente da república do Brasil, Jair Bolsonaro, por incúria e irresponsabilidade na gestão do combate ao coronavírus. A Lancet ocupa um dos primeiros lugares nos rankings internacionais de publicações com maior número de papers importantes publicados. Abaixo, a […]

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Editorial da Lancet, uma das mais importantes revistas médicas do mundo, fundada em 1823, denuncia duramente o presidente da república do Brasil, Jair Bolsonaro, por incúria e irresponsabilidade na gestão do combate ao coronavírus.

A Lancet ocupa um dos primeiros lugares nos rankings internacionais de publicações com maior número de papers importantes publicados.

Abaixo, a íntegra do editorial, que foi publicado em inglês e português.

***

COVID-19 no Brasil : “E daí ?”

A epidemia do COVID-19 atingiu a América Latina mais tarde do que outros continentes. O primeiro caso registado no Brasil foi em 25 de Fevereiro de 2020.

Mas agora, o Brasil tem o maior número de casos e mortes por COVID-19 na América Latina (105 222 infecções e 7288 casos, respetivamente, registado ao dia 5 de Maio), e estes números provavelmente representam uma enorme subestimativa.

Ainda mais preocupante é o fato de a estimativa da taxa de duplicação do número de mortes ser apenas de 5 dias, e de o Brasil ser o país com a mais elevada taxa de transmissão (R0 de 2.81), de acordo com um estudo recente do Imperial College (Londres, Reino Unido) que analizou a taxa ativa de transmissão do COVID-19 em 48 países.

Neste momento, cidades grandes como São Paulo e o Rio de Janeiro são os principais focos, mas há sinais de que a infecção está se deslocando para o interior dos Estados, onde estão localizadas cidades menores, sem provisões adequadas de leitos com cuidados intensivos e ventiladores. Ainda assim, talvez a maior ameaça à resposta ao COVID-19 para o Brasil seja o seu Presidente Jair Bolsonaro.

Quando na semana passada os jornalistas o questionaram sobre o rápido aumento de casos, ele respondeu: “E daí? Lamento, quer que eu faça o quê? Ele não só continua semeando confusão, desprezando e desencorajando abertamente as sensatas medidas de distânciamento físico e confinamento introduzidas pelos Governadores de estado e pelos Prefeitos das cidades, mas também perdeu dois importantes e influentes ministros nas 3 últimas semanas.

Primeiro, no dia 16 de Abril, Luíz Henrique Mandetta, o respeitado e estimado Ministro da Saúde, foi despedido na sequência de uma entrevista televisiva, na qual ele criticou fortemente as ações de Bolsonaro e apelou para uma voz de unidade para evitar que os 210 milhões de Brasileiros fiquem totalmente confusos.

Depois, no dia 24 de Abril, na sequência da exoneração do diretor geral da polícia federal por Bolsonaro, o Ministro da Justiça Sérgio Moro anunciou a sua própria demissão. Este ministro era uma das figuras mais poderosas do governo de direita do Brasil, nomeado por Bolsonaro para combater a corrupção. Esta desorganização no centro da administração do governo é não só uma distração com consequências fatais no meio de uma situação de emergência de saúde pública, mas também um forte sinal de que a liderança no Brasil perdeu o seu compasso moral, se é que alguma vez teve um.

Mesmo sem ações políticas em nível federal, o Brasil teria um desafio difícil no combate ao Covid-19. Cerca de 13 milhões de Brasileiros vivem em favelas, que frequentemente têm casas com mais de três pessoas por cômodo e reduzido acesso à água limpa. Recomendações para distanciamento físico e higienização são praticamente impossíveis de seguir nestas condições. Mesmo assim, várias favelas se organizaram para implementar medidas da melhor forma possível.

O Brasil tem um setor de emprego informal bastante grande, em que a maior parte das fontes de rendimento deixaram de ser opção perante as medidas implementadas. A população indígena já estava sob ameaça séria mesmo antes da chegada do COVID-19 porque o governo tem ignorado ou até incentivado a exploração ilegal de minas e de madeira na floresta Amazônica.

Agora há o risco destes mineiros e madeireiros introduzirem esta nova doença em populações remotas. Uma carta aberta publicada em 3 de Maio, escrita por uma coaligação global de artistas, celebridades, cientistas, e intelectuais, e organizada pelo fotojornalista Sebastião Salgado, alertou para um genocídio iminente.

E como tem reagido a comunidade científica e a sociedade civil, num país conhecido pelo seu ativismo e franca oposição à injustiça e desigualdades, e onde a saúde é um direito constitucional? Muitas organizações científicas, como a Academia Brasileira de Ciências e a ABRASCO, há muito que se opõem a Bolsonaro por causa dos cortes drásticos no financiamento da ciência e pela destruição da segurança social e serviços públicos em geral.

No contexto do COVID-19, muitas organizações lançaram manifestos dirigidos ao público, como por exemplo o “Pacto pela vida e pelo Brasil”, e escreveram declarações e apelos a oficiais ao governo pedindo unidade e soluções conjuntas. Protestos da população são frequentes e incluem bater em tachos nas varandas durante comunicações da presidência. Há muita pesquisa a ser feita, desde as ciências básicas à epidemiologia, e há uma produção rápida de equipamentos de proteção individual, respiradores, e kits de teste.

Estas são ações esperançosas. Contudo, a liderança no nível mais elevado do governo é crucial para rapidamente evitar o pior nesta pandemia, como tem sido evidenciado em outros países. Na nossa série de artigos publicados sobre o Brasil em 2009, os autores concluíram: “Em última análise, o desafio é político, exigindo o envolvimento contínuo da sociedade Brasileira como um todo, para garantir o direito à saúde de todo o povo Brasileiro.”

O Brasil como país deve unir-se para dar uma resposta clara ao “E daí? “ do Presidente. Bolsonaro precisa mudar drasticamente o seu rumo ou terá de ser o próximo a sair.

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