Por Vladimir de Paula Brito
Opinião / 19:55 – 13 de jan de 2020
No Brasil o conjunto de serviços possibilitados pelo 5G irá operar em determinadas faixas nas frequências de 700 megahertz (MHz), 2,3 gigahertz (GHz), 3,5 GHz e 26 GHz, que serão leiloadas pela Anatel. Para além de disponibilizar frequências, a Anatel tem como metas o compartilhamento de infraestrutura pelas operadoras, com vistas a racionalizar os elevados investimentos necessários à implantação da rede, tendo em vista a ampla capilaridade necessária. Outra meta envolve o desenvolvimento da indústria tecnológica nacional.
Porém, seja na parte da infraestrutura de rede ou em aplicativos que se beneficiarão da nova plataforma, os resultados ainda são limitados. Existe o Projeto 5G Brasil, que é uma associação de empresas, centros de pesquisa e órgãos de classe com o intuito de promover a constituição de uma arquitetura da quinta geração de telefonia móvel no Brasil, abrangendo desde a pesquisa básica e aplicada até o desenvolvimento de produtos e soluções de sistemas de engenharia, industrialização de produtos e soluções, aplicações práticas e compartilhamento de informações.
Todavia, ainda não existem indicadores que permitam avaliar os resultados dessa iniciativa. Um elemento que permitiria balizar o peso do país neste espectro do conhecimento é o número de pesquisadores envolvidos com 5G no Brasil e a quantidade de publicações científicas e patentes resultantes, que são ainda incipientes. Assim, no presente contexto, embora existam iniciativas para a recepção rural de longa distância, devido ao peso do agronegócio, a infraestrutura tecnológica a ser adotada será esmagadoramente estrangeira.
Ainda que não seja tratado neste texto, outro elemento de preocupação envolve a Internet das Coisas (IoT), que proverá grande parte do conteúdo a ser trafegado nas redes 5G. Todos os principais atores envolvidos são empresas estrangeiras, o que se traduz por uma enorme exposição quanto à segurança das informações brasileiras. Existe um amplo conjunto de estudos por parte do BNDES que selecionou áreas estratégicas, mas ainda está em seu início o processo de estímulo de conformação de um parque de empresas neste segmento.
Considerando-se o cenário apresentado, cabe diferenciar os elementos visíveis, e sedutores, exigindo rapidez na escolha e implantação das redes 5G, em detrimento da reflexão dos aspectos quase desconhecidos abordados anteriormente, mas que igualmente influenciarão o resultado. Neste sentido é necessário analisar algumas questões observadas e suas possíveis consequências a longo prazo.
Consequências previsíveis
Ao observar os aspectos mais visíveis do processo de escolha das redes 5G para a iniciativa privada e o Estado brasileiro, tem-se inicialmente os enormes ganhos econômicos dos atores envolvidos. As empresas e nações que tiverem primazia para determinar o padrão da indústria terão benefícios trilionários. Em um primeiro momento receberão royalties dos sistemas legados e posteriormente da imensa infraestrutura necessária à capilarização da rede, que será infinitamente maior que a atual.
Também existirão bilhões de equipamentos com receptores, tais como celulares e dispositivos eletrônicos diversos, o que poderá envolver tecnologia a ser licenciada. Quando as redes 5G estiverem em pleno funcionamento, as empresas dominantes terão o benefício da inércia natural nas aquisições de novas tecnologias e upgrades de sistemas, cenário em que é mais fácil continuar com a plataforma em que se opera, ao contrário de mudar toda a tecnologia.
Os aspectos menos visíveis, todavia, envolvem um grau de complexidade decisória bem maior. Os padrões estabelecidos de 5G serão o conteúdo que trafegará no recipiente tecnológico composto por celulares, roteadores, antenas de distribuição, dentre outros. O problema é que as empresas que fabricarem essa parafernália sempre poderão acrescentar hardwares e softwares com propósitos duais, atendendo também aos objetivos dos serviços de inteligência e Forças Armadas nacionais.
Cabe observar que a instalação de ferramentas clandestinas é muito difícil de ser identificada, sobretudo se seu emprego permanecer dormente. Esses mecanismos duais teriam dois grandes grupos de emprego: backdoors, que são pontos de acesso clandestinos pelos quais se pode acessar um sistema, rede ou celular com o propósito de obter informações ou realizar sabotagens; e ciberarmas, software, hardware ou a combinação de ambos que permanece inativo em um equipamento e que, ao ser ativado, pode causar danos ao seu funcionamento ou aos serviços que realiza.
Consequências (im)previsíveis
Como consequências não ponderadas desse processo decisório, em curto prazo o Brasil poderá continuar a ser espionado pelas agências de inteligência dos países e seus campos de aliança que venham compor a tecnologia escolhida. São fartamente documentadas as ações de espionagem por parte dos EUA e países anglófonos, bem como Rússia e China, em que se constata que o roubo de informações compõe a prática cotidiana dessas nações.
Organizações como a norte-americana NSA (National Security Agency), a britânica GCHQ (Government Communications Headquarters), a chinesa GAB (Guojia Anquan Bu) e a russa SVR (Sluzhba Vneshney Razvedki) têm um imenso aparato tecnológico e humano à sua disposição, para além de recursos financeiros quase infinitos.
Tais organizações coletam toda informação possível de ser obtida a partir das redes digitais e comunicações, pois conseguem empregar tecnologias à frente das disponíveis no mercado para analisá-las. Contam com supercomputadores, inteligência artificial, computação quântica e repositórios para armazenamento de dados que são medidos em petabytes.
Os danos da espionagem, apesar de serem grandes, não são facilmente observáveis. Em geral se manifestam principalmente na perda de competitividade produtiva devido ao constante roubo de segredos industriais. Outra faceta envolve os fóruns internacionais como ONU ou OMC, em que os negociadores adversários operam com conhecimento prévio das posições e táticas brasileiras, o que também se traduz em prejuízo político e econômico.
Igualmente em curto prazo é possível, embora pouco provável, o emprego de ciberarmas. Esse tipo de instrumento utiliza hardware e software para causar danos e destruição nas redes de dados adversárias, bem como no mundo real.
Um sistema bancário pode ser corrompido gradualmente de maneira que não possa ser recuperado, uma centrífuga de urânio pode ser superaquecida, uma rede elétrica pode sofrer sobrecarga, um aplicativo de rede social pode ficar sobrecarregado e ficar offline durante dias. Tudo que é afetado por sistemas de informação está sujeito a ser sabotado e afetar o mundo físico.
Ao contrário dos backdoors, que são empregados cotidianamente, as ciberarmas têm uma lógica diferente. O seu potencial para causar danos está diretamente associado ao nível de customização. Ou seja, quanto mais específica, maior a destruição que pode causar. Justamente por isso o seu emprego é extremamente restrito, pois tende a ser uma arma de uso único. Uma vez empregada é identificada, e os erros são corrigidos ou a tecnologia é abandonada.
Já em médio e longo prazo, os riscos e consequências são bem mais graves. Um primeiro aspecto diz respeito ao volume e tipo de informação que passará a ser obtido com as redes digitais. A partir das tecnologias 5G, existirá um constante fluxo de informação quase onipresente que, se comparado ao contexto atual, em uma pequena analogia, seria como se um córrego se tornasse mar aberto.
As pessoas estarão conectadas de maneira permanente, sendo quase impossível permanecer offline, vez que todos os objetos do entorno estarão em rede. Embora a citada conexão permanente remeta em certa medida ao que já acontece, devido à constante presença dos aparelhos celulares, as mudanças serão acentuadas, e os pontos de acesso à rede, difusos.
Nesse futuro de interconexões, todos os objetos serão comunicadores, conversarão entre si e estarão em rede. Sob o paradigma dessa arquitetura universal, dados sobre o instante em que se abriu a porta de casa, ligou a televisão, destampou a lata de lixo, consumiu gêneros alimentícios, se deslocou em um veículo, abasteceu, fez uma caminhada ou tomou banho estarão disponíveis, registrando segundo a segundo cada atividade da vida. As redes de relações com suas conversas, encontros, congressos igualmente serão registradas, em microdetalhes.
Em uma visão superficial, poderia parecer um manancial infindável de informações inúteis, com pouco ou nenhum sentido. Todavia, a somatória desse imenso volume de dados ao ser analisada com tecnologias já existentes como o bigdata ou, no futuro, com o emprego de inteligência artificial e enorme capacidade de processamento, permitirá a realização de inferências profundas sobre comportamento, personalidade, características ou ações dos indivíduos.
Com toda essa massa de dados em posse de um serviço de inteligência estatal ou de uma grande empresa internacional, uma miríade de ações para influenciar o comportamento das sociedades poderá ser realizada. As possibilidades no campo das ações de influência sobre eventos coletivos, como eleições e referendos, não são propriamente uma novidade, e confirmam sua atualidade com os recentes exemplos do Brexit britânico ou as eleições presidenciais norte-americanas em 2016.
Aliás, operações psicológicas foram constantemente empregadas pelos serviços secretos para influenciar sociedades no decorrer do século XX.
A questão central envolve um salto de qualidade de ações possíveis devido à quantidade exponencial de dados disponíveis e à capacidade de analisá-los, para além da interface propiciada pelas redes em que todos estão conectados.
Interferir em eleições e plebiscitos, provocar rupturas sociais, greves, radicalizações e até guerras civis se tornarão medidas cada vez mais triviais no portfólio disponível às grandes potências a serem utilizadas de acordo com seus interesses pontuais. Evoluções comportamentais de setores sociais ou econômicos, como caminhoneiros, estudantes ou proprietários rurais, serão percebidos com antecedência.
Diante disso, as potências informacionais e suas empresas nacionais atuarão para obter proveito político ou econômico, em detrimento das economias não detentoras das tecnologias digitais em uso.
Ao contrário de pesquisas de opinião que analisam tendências coletivas, mas não se apropriam das opiniões individuais, os dados coletados das redes 5G em conjunto com a capacidade analítica disponível possibilitarão o estabelecimento de padrões ancorados na análise de todos os indivíduos, eliminando a necessidade de amostragem.
Justamente por isso, sob o prisma pessoal, o comportamento, as comunicações, as ações e o padrão psicológico das pessoas serão completamente dissecados. Bastará tão somente recuperar o dossiê digital do personagem em questão dentro da massa de dados coletada. Nessa massa estarão milhões de registros pormenorizando todas as atividades diárias de um dado cidadão, o que ao longo do tempo permitirá estabelecer padrões comportamentais bastante precisos.
Vladimir de Paula Brito
Doutor em Ciência da Informação, é agente da Polícia Federal.
Terceira parte do artigo. Leia a primeira aqui: Telefonia 5G: mais que opção tecnológica, uma escolha geopolítica
A segunda aqui: Telefonia 5G: os EUA, potência informacional hegemônica
E a quarta e última: 5G: Brasil tem a ganhar com a multilateralidade
Paulo
16/01/2020 - 15h10
Se já não havia privacidade na web, imaginem com a 5G!
Marcio
16/01/2020 - 13h44
Trump já está apertando a coleira do bozo pra que ele não aceite a Huawei.