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Feliciano já era

Marco Feliciano já caiu. Falta ele próprio reconhecer.

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A queda de Feliciano

Por Emerson Damasceno, em seu blog no Terra Magazine

Um marco infeliz.

Mesmo ainda sendo (pelo menos até quando termino de escrever este texto) de direito, o Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal brasileira,  a questão é que Marco Feliciano não é mais Presidente de fato daquela Comissão, embora anuncie que não irá renunciar ao cargo, pois segundo ele, seria uma confissão de  uma culpa que não possui. O Deputado, entretanto, não esconde o incômodo causado pelas manifestações de ativistas contrários à sua eleição, nas duas únicas sessões que tentou presidir. A reação foi tamanha, que por um momento se esqueceu que na mesma Comissão há outro polëmico membro, o também Deputado Jair Bolsonaro, a quem coube na última semana, roubar um pouco dos holofotes ao bater boca com militantes, trocando xingamentos e até mesmo exibindo um cartaz grosseiro.

Com a queda de Feliciano, cai também a idéia de que o preconceito e um pensamento cartesiano perigosos, albergados nas declarações do parlamentar, estão acima de qualquer outro direito. Embora o próprio pivô de toda essa f’úria que se espalhou por todo o País, alcançando até mesmo Cidades no exterior, insista em dizer que suas declarações tidas como racistas e homofóbicas seriam apenas a sua interpretação de textos bíblicos, a causa e os bens tutelados que embasam os protestos e indignação de muitos de nós é muito maior do que o direito dele, Marco Feliciano, interpretar a Bíblia como bem lhe aprouver, à certeza de que suas convicções religiosas não têm consequência alguma no mundo real, quando prega um viés intolerante e atinge gays, negros e até mulheres em declarações no mínimo impensadas, mas cujo risco qualquer pessoa racional saberia assumir ao lançá-las publicamente.

A eleição de Marco Feliciano à Comissão de Direitos Humanos e das Minorias da Câmara dos Deputados, representou um paradoxal marco infeliz para os direitos humanos no Brasil.  Por outro lado, ela também desnudou um antes silencioso embate que existe no Congresso Nacional, entre  uma bancada conservadora e parlamentares defensores dos Direitos civis. Foi exatamente isto que a negociação política que acabou por culminar com a controversa eleição, repercutiu tão negativamente desta forma tão contundente na sociedade.

Vale lembrar que há apenas alguns séculos, negros eram escravizados, vendidos e tratados como mercadoria animal. E isto era normal. Até a Igreja não se opunha. “Negros não têm alma”, houve quem falasse. Pensar o contrário naquela época, seria impensável, absurdo. Até que alguém o fez e hoje o racismo, embora ainda exista de várias formas dissimuladas – ou mesmo escancaradas – já é sabidamente um crime grotesco e não se debate mais sobre tal direito fundamental.

Há alguns anos, no que é chamada de “grande democracia” até mesmo por muitos conservadores, a segregação racial nos EUA era real e legal. Após Rosa Parks, Malcom X, Martin Luther King Jr e tantos outros, hoje negros e brancos têm os mesmos direitos, inclusive de sentar no mesmo banco escolar, do ônibus e na praça. Ou o direito de beber água no mesmo bebedor. Parece surreal, mas há pouco mais de 60 anos, nos EUA nada disso era possível sem punição.

Antes, eram as mulheres, que sequer podiam votar. Mas não aceitaram tal imposição. Até que um dia, em Londres, uma deles jogou-se em frente ao cavalo do Rei George V, como forma de protesto. Tudo começou a mudar ali. (vale a pesquisa, a história de Emily Davison é triste e linda ao mesmo tempo). Emily entrou para a história como um marco feliz pela luta do direito das mulheres.

No mesmo século XX, um cabo austríaco chamado Adolph Hitler, entendeu que judeus e outras descendências, era uma “Sub-raça” e decidiu queimá-los, exterminá-los. E quase conseguiu, aliás, não fosse o mundo se unindo contra os nazistas que Hitler conduzia como uma espécie de semi-deus.

Bem, digo hoje que os homossexuais que buscam ter respeitado o seu direito de igualdade, de casar, constituir família e ter filhos, daqui a algumas décadas serão lembrados nessa mesma categoria absurda de segregração, um “apartheid” de orientação sexual que em muitos casos culmina em violência real, situação esta que hoje muitos não enxergam ou fingem não ver. O direito (legal e constitucional) deles, de forma alguma pode sucumbir à idéia de que tal fere a inteligência que alguma religião, crença ou ideologia tem acerca de um texto ou fundamento ideológico conservador . Concordar com tal visão sem oposição hoje, nos remeteria a uma realidade seiscentista onde negros não tinham alma, mulheres não tinham voz e judeus tinham que morrer.

Isso é homofobia e como o racismo, tem que ser combatido, exposto e condenado. A sua crença, seja religiosa, ideológica, ou a que título for, esbarra e é limitada quando alguém tenta fazer dela uma forma criminosa de preconceito, algo protegido por qualquer Constituição que se preze, contemplando os direitos fundamentais do homem.

Marco Feliciano restará como uma espécie de Rosa Parks às avessas, pois através dele se viu que a sociedade não ficou calada ante a possibilidade de ter manietados os direitos da minoria em uma comissão tão sensível aos direitos fundamentais do homem. Neste diapasão, a queda dele emblematicamente representará o erguer-se de uma maioria antes silenciosa.

Por isso tudo, há de se considerar que Marco Feliciano já caiu. Falta ele próprio reconhecer.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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