O governo federal avalia reforçar as medidas de proteção comercial para conter o avanço de importações em setores estratégicos da indústria nacional.
A iniciativa ocorre em resposta ao aumento de produtos estrangeiros direcionados ao Brasil, principalmente oriundos da China e de outros países asiáticos, afetados por novas barreiras tarifárias dos Estados Unidos.
A proposta inclui o aumento de tarifas de importação, implementação de cotas e uso de salvaguardas. A informação é do Estadão.
Membros do Executivo defendem a criação de um centro de monitoramento para acompanhar o fluxo de mercadorias internacionais. O objetivo é identificar com maior precisão movimentos de desvio de comércio — quando países redirecionam produtos para mercados alternativos para escapar de tarifas impostas por terceiros — e permitir a adoção rápida de medidas corretivas.
Representantes da indústria nacional relatam aumento de preocupação com o cenário atual. Setores como têxtil, siderúrgico, automobilístico e químico cobram providências do governo diante da possibilidade de crescimento nas importações.
Um dos instrumentos sugeridos para contenção é o uso de salvaguardas, mecanismo previsto pela Organização Mundial do Comércio (OMC), que permite a elevação temporária de tarifas ou a criação de cotas para proteger a produção doméstica em casos de aumento inesperado na oferta externa.
A Câmara de Comércio Exterior (Camex) é o órgão responsável por conduzir investigações e autorizar a aplicação dessas medidas.
Segundo fontes ouvidas pelo Estadão/Broadcast, as medidas adotadas nos últimos dois anos, como restrições a carros, aço e produtos químicos, podem não ser suficientes para enfrentar o novo cenário.
Em 2024, a indústria brasileira registrou crescimento de 3,1%, mas há projeções de pressão crescente com a intensificação do desvio de comércio.
Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior e sócio do escritório Barral Parente Pinheiro Advogados, destacou que produtos industriais com margens de lucro reduzidas, como aço e químicos, estão entre os mais vulneráveis. “O Brasil tem formas legais de proteger sua indústria sem infringir as regras do comércio internacional”, afirmou.
O setor químico, representado pela Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), também cobra ações urgentes. De acordo com o presidente-executivo da entidade, André Passos Cordeiro, o déficit comercial do setor com a China alcançou US$ 18,1 bilhões em 2024.
Ele aponta que as tarifas temporárias aplicadas no último ano não foram suficientes para conter o crescimento das importações. “As tarifas temporárias aplicadas no ano passado não foram suficientes para barrar a inundação de produtos, como os de origem chinesa”, declarou.
Além da indústria química, o setor automotivo também tem pressionado por medidas adicionais. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) solicitou a aplicação imediata de um imposto de 35% sobre veículos elétricos importados.
Segundo a entidade, países como México e Coreia do Sul concorrem diretamente com a produção nacional e medidas de contenção são necessárias para preservar o setor.
A Camex já reativou o sistema de cota-tarifa para o aço e elevou tributos sobre veículos elétricos, conforme solicitado por representantes do setor.
Essas ações, segundo o governo, têm como meta impedir a entrada descontrolada de produtos subsidiados, cujos preços são inferiores aos praticados no mercado interno.
O Instituto Aço Brasil também manifestou preocupação com os impactos das tarifas aplicadas pelos Estados Unidos.
Marco Polo de Mello Lopes, presidente da entidade, afirmou que a sobretaxa de 25% imposta pelos EUA sobre produtos siderúrgicos resultou em aumento de 30% nas exportações de aço ao Brasil no primeiro trimestre de 2024.
Lopes rebateu críticas sobre potenciais efeitos inflacionários das barreiras comerciais, apontando estabilidade nos preços de bobinas e vergalhões.
O setor têxtil também observou mudanças no mercado. A Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) apontou crescimento de 14,5% nas importações vindas da China nos três primeiros meses de 2024.
Fernando Valente Pimentel, diretor-superintendente da entidade, considera que os mecanismos tradicionais de proteção, como ações antidumping, podem não ser suficientes diante da escala do desvio de comércio atual.
Ele também chamou atenção para a competição desleal com plataformas digitais estrangeiras, que ainda operam com menor carga tributária em relação à indústria nacional. “O risco de desvio de comércio é iminente”, afirmou.
A preocupação com o impacto das importações não é unânime. Representantes da indústria da construção civil alertaram para o aumento de custos decorrente das novas tarifas, que poderiam afetar projetos em andamento. No entanto, fontes do governo alegam que os setores beneficiados pelas medidas de proteção já demonstram sinais de recuperação.
O debate sobre o equilíbrio entre proteção industrial e impacto nos preços internos deve seguir nos próximos meses. A expectativa é que a Camex intensifique investigações sobre os fluxos comerciais e avalie novas medidas diante do cenário externo marcado por tensões tarifárias.
A estratégia brasileira busca proteger a competitividade interna e mitigar os efeitos do realinhamento comercial global provocado por políticas de países como os Estados Unidos.
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