Argentina: por que a inflação de março subiu para 3,7%?

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O número é muito maior do que o previsto pelas consultorias e do que o próprio governo esperava. Quais setores tiveram os maiores aumentos e por que o número nacional é maior que o da Cidade de Buenos Aires pela primeira vez em um ano?

O Instituto Nacional de Estatística e Censos (INDEC) publicou nesta sexta-feira o Índice de Preços ao Consumidor (IPC). Em março, a inflação foi de 3,7%, bem acima do que as consultorias e o próprio Governo esperavam. Quais setores tiveram os maiores aumentos e por que o número nacional é maior que o da Cidade de Buenos Aires pela primeira vez em um ano?

O plano econômico — se é que podemos chamá-lo assim — está rangendo. E seus dois pilares fundamentais, o dólar e a inflação, estão começando a sair do controle devido a inconsistências internas e choques geopolíticos externos. O dólar azul começou o ano em US$ 1.200 e agora está sendo negociado a US$ 1.355, apesar de só no último mês o Banco Central ter vendido mais de 2 bilhões para fechar a lacuna.

É neste contexto que o Governo aguarda desesperadamente os 20 mil milhões de dólares do FMI. Mais dívida apenas para manter o dólar estável e assim continuar incentivando importações, viagens ao exterior e evitar um aumento da inflação antes das eleições.

Mas, apesar dessa estratégia, a inflação em março foi de 3,7%, um aumento de 54,17% em relação a fevereiro, quando o IPC foi de 2,4%. Esse aumento exponencial foi impulsionado em grande parte pelo aumento de 5,9% em Alimentos e Bebidas. Desde outubro de 2024, o número geral não ultrapassou 3%.

A razão para o forte aumento da inflação

É essencial entender como o IPC é medido: o Instituto Nacional de Estatística e Censos (INDEC) mede a evolução dos preços de um conjunto de bens e serviços representativos dos gastos de consumo das famílias que vivem em áreas urbanas.

Utiliza-se como base a Pesquisa Nacional de Despesas Domésticas (ENGHO) 2004-2005, uma pesquisa de âmbito nacional que comparou as receitas e despesas das famílias em todo o país (o que e onde compraram). Com essas informações, foi criada uma cesta de consumo, cuja evolução de preços é definida pelo IPC.

Mas como essa cesta está tão desatualizada, as ponderações — ou seja, o que o INDEC calcula que as famílias gastam em média em cada área da economia — tornaram-se obsoletas. Vinte anos atrás, os serviços que existem hoje não existiam, e os que existiam não tinham a importância que têm hoje.

Para calcular o IPC, o INDEC assume que as famílias gastam em média 10,46% de sua renda com moradia, água, eletricidade e outros combustíveis, enquanto alimentos e bebidas representam 23,44%. E isso explica em grande parte por que a inflação caiu tão acentuadamente nos meses anteriores e por que superaqueceu em março.

Devido à abertura indiscriminada de importações — que está levando ao fechamento de empresas e demissões em massa pela incapacidade de competir —, à instabilidade cambial e à recessão econômica, os preços dos alimentos foram os que menos aumentaram , sempre bem abaixo do IPC geral.

Mas neste mês, Alimentos e Bebidas aumentaram 5,9%, bem acima do número geral. Esse aumento foi impulsionado principalmente por hortaliças, tubérculos e leguminosas (39,5%) e carnes e derivados (6,2%).

Por outro lado, os aumentos nas mensalidades escolares fizeram com que a Educação fosse o setor que mais cresceu, com 21,6%. Sua ponderação é muito baixa a nível nacional, exceto na região da AMBA, onde chega a 3%, por ser esta a zona do país com mais alunos em escolas privadas. Em terceiro lugar está Vestuário e Calçados, com alta de 4,6%: a alta fica entre 8,5% e 13%, dependendo da região do país.

Comparação com o IPC da CABA

Esta é a primeira vez desde maio de 2024 que a taxa de inflação medida pelo INDEC é maior que a informada pela Prefeitura de Buenos Aires. Na verdade, o número da CABA costumava ser 50% maior que o número nacional. Já neste mês, cedeu 3,2%. O CABA usa dados de uma Pesquisa Domiciliar muito mais recente e atualizada, de 2017/18. Lá, os aumentos de preços de alimentos têm menos peso do que nos dados do INDEC, mas o aumento dos serviços aumentou.

Assim, quando os maiores aumentos ocorrerem em alimentos e bebidas, o valor do INDEC provavelmente será maior, enquanto que se o aumento for em serviços, será maior em CABA.

A decisão de não atualizar a medição do INDEC é política. O próprio presidente da agência estatística, Marco Lavagna, garantiu há alguns meses que as modificações já estavam preparadas. Mas o Ministério da Economia, na ânsia de mostrar uma forte desaceleração da inflação, tem a emenda na ponta dos pés. Com o índice da City, somente em 2024 o IPC nacional teria sido 15 pontos percentuais maior.

Atividade econômica e consumo

O governo usa o dólar, as importações e a recessão econômica para manter a inflação sob controle. É nesse contexto que o Ministério do Trabalho, por determinação do Ministério da Economia, não aprova reajustes salariais acima de 1% ao mês. Os salários são um fator de ajuste para Milei.

Enquanto isso, o governo comemora uma suposta recuperação da atividade econômica, que, segundo a Estimativa Mensal de Atividade Econômica (EMAE), foi de 6,5% em janeiro, na comparação anual. Claro, contra janeiro de 2024, depois da megadesvalorização brutal e do ajuste subsequente que congelou a economia.

Mas mesmo essa “recuperação” é enganosa, pois é impulsionada em grande parte pela categoria “Intermediação Financeira”, que cresceu quase 26%. Indústria, comércio e construção estão abaixo dos níveis de novembro de 2023, quando os números já preocupavam. Hoje elas estão piores.

Prova disso é o declínio histórico no consumo de carne bovina, erva-mate e leite, os últimos alimentos que uma família corta. Algumas semanas atrás, a consultoria Scentia publicou um relatório revelando que o consumo em massa despencou quase 10% em fevereiro em comparação ao mesmo mês de 2024.

E ainda há a reformulação cambial que o FMI vai exigir.

Publicado originalmente pelo Página 12 em 11/04/2025

Por Vardan Bleyan

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