Parceria com a China pode reativar extensão da ferrovia entre Quênia e Uganda

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O governo do Quênia anunciou a retomada do projeto de extensão da Ferrovia de Bitola Padrão (SGR), paralisado desde 2019, com a proposta de um novo modelo de financiamento apresentado por um consórcio de empresas chinesas.

A iniciativa prevê que o grupo privado asiático arque com 40% do custo da obra, estimada em US$ 5,3 bilhões, para a construção de um trecho de 475 km entre a cidade de Naivasha, no Vale do Rift Central, e Malaba, na fronteira com Uganda.

De acordo com o ministro das Finanças do Quênia, John Mbadi, as empresas chinesas também ficarão responsáveis pela operação da ferrovia por tempo ainda indefinido, com direito à cobrança de pedágios, como forma de recuperar o investimento.

“Por quanto tempo o consórcio não identificado operará a ferrovia está sujeito a negociação”, disse Mbadi em pronunciamento à Assembleia Nacional do Quênia.

Além da participação do setor privado, 30% do financiamento deve vir do Banco de Exportação e Importação da China (Exim Bank), em forma de empréstimos.

A instituição já havia financiado a fase inicial da ferrovia, um trecho de 590 km entre Mombaça e Naivasha. No entanto, a construção foi interrompida na extensão até Malaba depois que o banco solicitou um novo estudo de viabilidade em 2019 e encerrou os desembolsos.

Segundo Mbadi, o novo plano financeiro inclui um período de carência até depois de 2029, quando se espera que o Quênia já tenha quitado mais de 80% do empréstimo referente à primeira fase da ferrovia. Os 30% restantes do custo da nova etapa serão financiados pelo próprio governo queniano, por meio do imposto de desenvolvimento ferroviário ou pela securitização dessa arrecadação.

Em janeiro, o embaixador da China no Quênia, Guo Haiyan, afirmou que o governo chinês apoiaria a agenda de desenvolvimento queniana, “particularmente por meio de apoio financeiro contínuo para a extensão da [SGR] de Naivasha até a fronteira de Malaba”.

Especialistas apontam que a mudança na estrutura de financiamento da ferrovia reflete um reposicionamento da estratégia chinesa para investimentos internacionais no âmbito da Iniciativa do Cinturão e Rota.

A nova abordagem favorece parcerias público-privadas (PPP) em vez de empréstimos bilaterais tradicionais, em um momento em que credores chineses têm adotado postura mais cautelosa diante de projetos de infraestrutura.

Um exemplo recente desse modelo é a via expressa de Nairóbi, de 27 km, construída e financiada pela China Road and Bridge Corporation (CRBC).

A empresa opera a rodovia sob regime de concessão por 30 anos, período durante o qual recuperará seu investimento, antes de transferir a propriedade para o governo queniano.

Tim Zajontz, pesquisador do Centro de Política Internacional e Comparada da Universidade de Stellenbosch, na África do Sul, afirmou que a transição reflete uma nova postura dos investidores chineses, que passaram a exigir maior viabilidade financeira dos projetos.

“Financiar a extensão somente por meio de um empréstimo soberano tornou-se impensável considerando a difícil situação fiscal do Quênia”, disse Zajontz, que também é professor interino de relações internacionais na Universidade de Freiburg.

A extensão da ferrovia até Malaba é considerada estratégica para o comércio regional. O projeto prevê conexões com Uganda, Ruanda, Sudão do Sul e a República Democrática do Congo (RDC). A RDC possui grandes reservas minerais, nas quais a China mantém interesses econômicos relevantes.

Uganda já iniciou a construção de um trecho de 273 km entre Malaba e a capital Kampala. O contrato foi concedido à empresa turca Yapi Merkezi. Segundo Zajontz, o novo arranjo financeiro representa uma tendência mais ampla na atuação internacional da China.

“Instrumentos financeiros combinados que combinam empréstimos de bancos de política chineses com investimentos de capital de empresas chinesas se tornarão mais frequentes nos próximos anos”, afirmou.

Ele avaliou ainda que essa combinação pode viabilizar a continuidade de projetos de infraestrutura em países africanos, cujos orçamentos públicos estão sob forte restrição. “Isso permitiu que os governos africanos continuassem com suas agendas de desenvolvimento de infraestrutura”, afirmou.

Por outro lado, o analista geoeconômico Aly-Khan Satchu expressou ceticismo quanto ao anúncio feito por autoridades quenianas.

“As autoridades quenianas se precipitaram e se pronunciaram sobre o financiamento chinês do SGR como se fosse um fato consumado, apenas para que absolutamente nada fosse feito”, declarou. “Zip, zero, zilch. A credibilidade desses tipos de declarações de origem queniana é zero.”

Satchu afirmou ainda que a RDC representa o “chamado pote de ouro” ao final da ferrovia, mas alertou para o aumento da instabilidade no leste do país e o risco de contágio para outras regiões.

“Com o aumento da incerteza se desenrolando no leste da RDC e o risco de contágio elevado para o resto da RDC, espero que o financiamento chinês permaneça cauteloso e que este acordo ‘proposto’ seja congelado”, disse.

Apesar das incertezas, Satchu concordou que o modelo de PPP é uma alternativa viável diante das limitações fiscais enfrentadas por diversos países africanos. “Os balanços dos governos estão esticados ao ponto de ruptura e o modelo PPP permite que novos recursos entrem no jogo”, concluiu.

Com informações da SCMP

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