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Europa se prepara para lidar com a China sem obedecer ao Tio Sam

A nova ‘realidade transacional’: Europa se prepara para enfrentar a China em seus próprios termos. Em março, diplomatas europeus ficaram perplexos ao serem convocados por autoridades dos EUA para explicar por que operadores de satélites públicos e privados haviam publicado imagens de locais no Mar Vermelho. A União Europeia não considerava essas imagens sensíveis — […]

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Illustration: Henry Wong

A nova ‘realidade transacional’: Europa se prepara para enfrentar a China em seus próprios termos.

Em março, diplomatas europeus ficaram perplexos ao serem convocados por autoridades dos EUA para explicar por que operadores de satélites públicos e privados haviam publicado imagens de locais no Mar Vermelho.

A União Europeia não considerava essas imagens sensíveis — eram do tipo rotineiro, publicadas por agências em todo o mundo diariamente. Mas, segundo fontes próximas ao episódio, o governo de Donald Trump insistia que as imagens colocavam em risco a segurança nacional dos Estados Unidos.

Depois que a revista The Atlantic publicou a reportagem “Signal-gate”, revelando que altos funcionários dos EUA usaram um aplicativo de mensagens para planejar ataques militares contra alvos houthis na região, os europeus entenderam o alarde americano — embora continuassem sustentando que as imagens eram inocentes.

O episódio ilustra o quanto a Europa está desconectada do pensamento oficial de Washington. Desde a volta de Trump ao poder, o bloco tem sido alvo constante — atingido por tarifas, alvo de reivindicações territoriais expansionistas e do discurso anti-“woke” do gabinete presidencial.

Num cenário em que um simples deslize verbal pode resultar em protestos diplomáticos, tarifas ou coisa pior, os oficiais europeus passaram a adotar o silêncio. Uma fonte em Bruxelas chamou isso de “estratégia gambá… mantenha a cabeça baixa e torça para não ser notado”.

Essa nova postura está moldando a forma como a UE se relaciona com outros países, como ficou evidente na visita do comissário europeu de Comércio, Maros Sefcovic, à China na semana passada.

O eslovaco passou três dias em Pequim, onde se reuniu com o vice-premiê He Lifeng, o ministro do Comércio Wang Wentao e a ministra da Alfândega Sun Meijun. Ele discursou na Câmara de Comércio da UE na China, mas, com exceção de alguns tuítes, quase nada foi divulgado.

Não houve comunicações oficiais durante a viagem. Uma coletiva de imprensa planejada para o sábado foi cancelada por ordem da liderança da Comissão Europeia, que também vetou a publicação do discurso à entidade empresarial. Um breve resumo da visita só veio à tona na segunda-feira, após os chineses já terem divulgado o seu próprio.

Autoridades explicaram que essa dinâmica reflete um novo pragmatismo, que agora define a estratégia do bloco com relação à China e também como isso será comunicado.

Desde que Ursula von der Leyen declarou, há dois anos, que a UE precisava “reduzir riscos” nas relações com a China, sua administração vinha seguindo de perto a linha adotada por Joe Biden.

Havia convergência entre Washington e Bruxelas sobre os desafios impostos por Pequim: ambos se preocupavam com a aproximação da China com a Rússia na guerra da Ucrânia; com políticas econômicas que resultam em excesso de exportações; com questões de direitos humanos e com a crescente influência chinesa em países de terceiro mundo.

A diferença estava nas respostas.

“Quando dizemos que queremos reduzir riscos sem romper laços, estamos falando sério, mas não sabemos se eles estão. Eles talvez enxerguem um futuro em que seja possível prescindir da China”, disse um funcionário europeu antes da eleição americana.

Ainda assim, na tentativa de reeleger Biden, a Comissão Europeia espelhou algumas das políticas americanas em relação à China.

Em 2023, por exemplo, houve reclamações internas sobre a estratégia de segurança econômica de Von der Leyen, com partes supostamente copiadas do ex-conselheiro de segurança nacional Jake Sullivan.

Seu chefe de gabinete, Bjoern Seibert, justificava aos diplomatas que alinhar-se aos EUA era uma forma de ajudar Biden, mais comprometido com o Atlântico — estratégia que agora pode ter saído pela culatra.

Na visita a Washington com Sefcovic, Seibert não conseguiu uma reunião com o novo conselheiro de segurança nacional Mike Waltz. Funcionários da UE acreditam que foi uma retaliação pelo apoio explícito a Biden.

“Nos sabotamos”, disse um alto funcionário, avaliando que a Comissão superestimou a influência da cooperação transatlântica na eleição americana.

Agora, com Trump tendo rompido relações com a Europa, a UE precisa enfrentar a China por conta própria — equilibrando os desafios políticos com a pressão de empresas e países-membros contra guerras comerciais em duas frentes.

Isso significa, segundo fontes internas, que os chineses já não podem culpar Washington pelos problemas na relação. Mas isso não impede que a dinâmica UE-China sofra com os caprichos de Trump.

Rumores em Bruxelas apontam que o presidente dos EUA estaria prestes a fechar um acordo próprio com a China, deixando a Europa de fora. O acerto incluiria investimentos chineses bilionários nos EUA, justo quando a UE tenta negociar os seus.

“Não sabemos no que acreditar, mas nesse clima tudo parece possível”, disse um funcionário europeu.

Em meio a esse cenário, a Europa tenta garantir que seus próprios interesses sejam plenamente representados nas negociações com a China. Durante sua viagem, Sefcovic afirmou estar disposto a expandir os laços com Pequim, mas exigiu que as queixas europeias fossem levadas a sério.

“Estamos abertos à cooperação com a China, desde que seja recíproca e transparente. Se eles não abrirem o mercado, inevitavelmente fecharemos o nosso”, disse um diplomata presente.

As falas de Sefcovic se alinharam às declarações feitas por Von der Leyen em discursos recentes, segundo fontes empresariais. Ela surpreendeu ao afirmar que a UE estava disposta a aprofundar relações com a China, mesmo mantendo a estratégia de redução de riscos.

“Alguns na Europa podem não gostar dessa nova realidade mais dura e transacional”, disse Von der Leyen a embaixadores da UE, em fevereiro. “Mas a Europa precisa lidar com o mundo como ele é.”

O pragmatismo não é exclusivo da Europa. No fim de semana, Japão e Coreia do Sul concordaram em cooperar mais com a China para avançar no comércio e nos investimentos — um sinal de que o temor de Trump, autor de A arte da negociação, está empurrando até rivais históricos a se reaproximarem.

Refletindo essa “realidade transacional”, Sefcovic concordou em abrir um diálogo com a China para incentivar investimentos na cadeia de suprimentos de veículos elétricos da Europa, a fim de garantir que eles contribuam para a competitividade e os empregos europeus de longo prazo.

Isso reafirma a posição da Comissão de que os investimentos devem agregar valor real à economia da UE e, sempre que possível, promover a transferência de tecnologias essenciais para parceiros europeus.

Mas o resumo da visita também criticou os “subsídios ilegais” da China, a falta de “igualdade de condições” e o caráter “desequilibrado” da relação. E confirmou que a UE continuará com as ações legais contra o comércio desleal. Ainda não está claro, porém, se Sefcovic teve sucesso.

“Não houve sinais de que a China esteja disposta a lidar com as preocupações da UE sobre produtos subsidiados. A mensagem de He Lifeng foi que a China pode ser totalmente autossuficiente e não precisa da Europa”, escreveu o especialista Noah Barkin em boletim da German Marshall Fund.

O ex-chefe da diplomacia europeia Josep Borrell costumava falar em “cacofonia” de vozes da Europa sobre a China — um ruído que leva à incoerência.

Enquanto Sefcovic realizava sua missão discreta, essa cacofonia se manifestava em outras frentes. Em Pequim, o chanceler francês Jean-Noel Barrot pedia ao colega Wang Yi mais pressão sobre a Rússia e conseguiu adiar tarifas sobre conhaque francês.

“Essa medida nos dá alguns meses de respiro, com a retomada das vendas duty-free de conhaque e armagnac, essenciais para várias marcas”, disse Barrot.

Do outro lado da cidade, empresas europeias se reuniam com Xi Jinping, que apresentou a China como defensora da abertura econômica, acusando outros países de erguerem “muros altos” e de politizarem e armarem o comércio.

Em Hainan, ministros europeus atuais e anteriores também pediam a melhoria das relações bilaterais.

“A Europa precisa acalmar a relação com a China, que hoje é um parceiro sistêmico”, disse a ex-chanceler espanhola Arancha Gonzalez. Mas, segundo ela, isso exige flexibilidade de Pequim.

“Se a China realmente quer investir no futuro da relação com a Europa, ela sabe o que é importante para nós.”

Finbarr Bermingham, correspondente de Europa-China no South China Morning Post
Publicado em 2 de abril de 2025
Fonte: South China Morning Post (scmp.com)

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